segunda-feira, 6 de abril de 2015


O património megalítico português está a salvo?



Não passa pela cabeça de ninguém civilizado (pensa o cidadão comum....) destruir um monumento, que apesar da sua simplicidade construtiva, se saiba erguido há pelo menos 5 mil anos! E de facto, em países civilizados, como a Dinamarca, todas as estruturas pré-históricas construídas, estão naturalmente protegidas pela Lei, há mais de 3 séculos. Em Portugal, qual é a situação? Em teoria, todo o património arqueológico estava nos termos do Artº 36 da Lei 13/85 (Lei de Bases do Património Cultural) abrangido pelo conceito de "património nacional", ou seja "património de todos", insusceptível de destruição... Só que, diziam os juristas, isso pouco ou nenhum alcance prático tinha em caso de afectação mesmo intencional, pois seria muito difícil comprovar dolo por parte do agente causador da afectação, que poderia alegar sempre desconhecimento ou ignorância do significado ou importância do bem destruído. E de facto, nalgumas situações que acompanhei (como as referidas no texto de Novembro de 1993 que anexo) as conclusões dos tribunais foram sempre as mesmas, acabando os processos arquivados. A não ser que os bens imóveis em causa estivessem classificados, era muito difícil provar que os "destruidores" tinham agido de má fé e com intenção de provocar danos patrimoniais, apesar de, naqueles casos, estarmos perante "antas" conhecidas localmente e até objecto de inventários patrimoniais. Assim, indo ao encontro da (triste) realidade, a revisão da Lei de Bases do Património (Lei 107/2001) acabou por deixar caír o tal artigo 36, complicando ainda mais as coisas. Ou seja, pese embora as piedosas intenções da Lei, para os tribunais, património cultural protegido, é aquele que se encontra classificado, ou seja, que passa pelo calvário cada vez mais complexo e burocrático do CPA (código do processo administrativo). É verdade que a Administração conseguiu,  pelo menos na defesa dos dados arqueológicos (generalizando a aplicação do princípio da "salvaguarda patrimonial pelo registo") contornar parcialmente aquele problema, graças às condicionantes arqueológicas que impõe às obras e empreendimentos sujeitos a processos de AIA (Avaliação de Impacte Arqueológico) ou a pareceres vinculativos de licenciamento (em zonas de protecção). As próprias autarquias, no âmbito do licenciamento, podem ter hoje à disposição alguns instrumentos preventivos na salvaguarda do património não classificado, se integrarem na revisão dos PDMs, cartas patrimoniais actualizadas e georeferenciadas. Mas é também verdade que nenhum daqueles instrumentos evita que  no âmbito de tantas e tantas actividades intrusivas à margem de autorizações administrativas, em particular num país em que não existe qualquer tradição de respeito pela paisagem ou pelo ambiente, possam acontecer com total impunidade, verdadeiros atentados à nossa memória colectiva. Daí que (e é assim que acabamos quase sempre a analisar os problemas atávicos do país), a questão seja antes de mais de falta de informação e de educação. Só se valoriza e protege aquilo que se conhece e entende...

Tudo isto a propósito de uma iniciativa com que deparei no Facebook e que me parece louvável na intenção, promovida por uma página intitulada "Portugal Megalítico" cujo(s) promotor(es), no entanto, desconheço. Trata-se, de acordo com a informação apensa, de um "projecto cooperativo" de localização no Google Earth e disponibilização na INTERNET, do património megalítico mais significativo do nosso território. Não consegui mais informação sobre o funcionamento do projecto, não percebi mesmo se há abertura a que qualquer interessado (com alguns critérios de filtragem ou confirmação de dados) possa dar a sua colaboração, mas parece-me um caminho importante, simples mas eficaz (até porque como mostrei em anterior entrada neste Blog, a resolução das imagens do Google Earth é cada vez mais apurada, permitindo localizações à vista do "ecrã" para quem conheça o terreno...
http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/03/arqueogoogle-recinto-megalitico-dos.html).
Por outro lado, já lá vai o tempo em que as preocupações da segurança dos dados se sobrepunham ao interesse da sua divulgação. De facto não vale a pena continuar a esconder a cabeça na areia. Os caçadores de tesouros e afins, se quiserem, obtêm a mesma informação que os arqueólogos. Em contrapartida, quanto mais gente tiver acesso a essa informação mais agentes de protecção teremos no terreno. Não esqueço o sábio comentário do pastor com quem falei há vinte e tal anos a propósito do desmantelamento da Anta do Pinheiro, em S.Pedro da Gafanhoeira (Arraiolos). Disse-me o pastor, encostado ao cajado e depois de confirmar no local original o que restava da Anta destruída: "Eu estranhei quando o dono do terreno andou a arrancar as pedras e a levá-las para o portão da Herdade, pois todos sabíamos que era um "monumento dos antigos"...e pensávamos que era proibido fazer aquilo". Infelizmente, o tribunal não foi do mesmo senso comum do velho pastor, ilibando o "vândalo" por ausência de prova de dolo!
Facsimile do texto original do DN de 18 de Novembro de 1993 posteriormente editado em 1996, Luis Raposo e ACSilva, "A Linguagem das Coisas", Europa-América (pg189)

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