quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A propósito de uma justa homenagem


Associando-se publicamente à justa e oportuna homenagem ao Professor José d'Encarnação que ontem mesmo teve lugar na Universidade de Coimbra, o meu colega e amigo de longa data, Francisco Sande Lemos acaba de divulgar um pequeno mas emotivo texto na ARCHPORT do qual gostaria de destacar em particular a última parte:

"A terminar recordo um tempo que já se foi, mas que ficou na memória de ambos (e de outros, suponho) como um momento único: as sessões do Conselho Consultivo do IPPC, na década de 80 do século passado. Quando um dia se publicarem as actas dessas reuniões, decisivas para a História recente da Arqueologia Portuguesa, num contexto em que as principais decisões eram assumidos por um colectivo que representava Serviços e Museus do Instituto, bem como as Universidades, será possível verificar como José d`Encarnação foi e tem sido, um dos pilares da Arqueologia Portuguesa."

Com efeito, apesar da verdura dos anos, tive a oportunidade de ser testemunha activa em muitas dessas sessões, mesmo quando estas ainda se realizavam num austero andar à Alameda Afonso Henriques (antiga sede da Junta Nacional de Educação) e onde conheci figuras como Bairrão Oleiro, Nunes de Oliveira, Carmelo Rosa, Georges Zbyzewski ou João de Freitas Branco, entre outros, com quem muito aprendi. Vem dos trabalhos dessa comissão (eventualmente já no Palácio da Ajuda) o meu primeiro contacto com José d'Encarnação, que alternava com o Professor Jorge Alarcão ou o Vasco Mantas, na representação da Universidade de Coimbra nesse "histórico" forum. E vem daí uma velha e ininterrupta amizade, ainda que hoje ela se traduza especialmente na troca de informações e piropos sobre filhos e netos...

A propósito das palavras sempre avisadas de Francisco Sande Lemos e rebuscando no meu "arquivo" de velharias, encontrei um "parecer" de 1993 que aqui deixo a título de curiosidade historiográfica. Destaco o parágrafo em que me refiro a Comissão Nacional Provisória de Arqueologia (1981-1985) a cujas reuniões cheguei a presidir como Director do Departamento de Arqueologia e em substituição dos Drs João Bairrão Oleiro ou Justino Mendes de Almeida, na qualidade de vice-presidentes do IPPC com o "pelouro" da Arqueologia.

 Em nossa modesta opinião a composição e modo de funcionamento da CNPA terá sido a fórmula que mais se aproximou do modelo em vigor noutros países ocidentais e que, pese embora normais deficiências de funcionamento, congregou maior aceitação por parte da comunidade arqueológica. No campo da representatividade, para além da presença de elementos de diversos organismos do IPPC (Departamento de Arqueologia, Serviços Regionais e Museus) há a referir a participação de representantes dos Monumentos Nacionais, Serviços Geológicos de Portugal e associações de defesa do património, mas sobretudo e nessa qualidade, de representantes das Universidades com tradição arqueológica. No que diz respeito ao funcionamento recorde-se que a CNPA não era considerada uma comissão interna do IPPC, sendo todos os seus pareceres homologados pelo Secretário de Estado da Cultura, o que lhe dava uma autoridade inquestionável, mesmo em matérias mais polémicas ou controversas. Tratou-se de facto, em nossa opinião de um período disciplinador da actividade arqueológica, passando obrigatoriamente pela CNPA, para além dos Planos Anuais de Trabalhos Arqueológicos e respectivo financiamento, todo e qualquer pedido de autorização (mesmo nos casos de urgência, que, no mínimo, eram ractificados "a posteriori"). 





terça-feira, 27 de outubro de 2015


Uma oportunidade perdida

O núcleo da memória da Aldeia da Luz: Monte dos Pássaros, cemitério, Museu e Igreja Matriz


Sempre que passo no Museu da Luz, tenho uma indisfarçável sensação de "oportunidade perdida". Não que isso tenha algo a ver com o Museu ou o modo como tem sido gerido, bem pelo contrário... (até porque considero aquele Museu, para o qual ainda dei algum contributo, como uma das heranças mais interessantes do Alqueva). Mas porque com um pouco mais de visão e de capacidade interventiva da parte do acompanhamento cultural do "projecto Alqueva", esta estrutura poderia ter ajudado a minorar aquela que considero a falha mais grave do Plano Arqueológico do Alqueva (na sua fase "barragem"), que em quase todos os restantes aspectos correu relativamente bem, incluindo a fase de publicação e divulgação de resultados recentemente concluída. Refiro-me em concreto aos problemas de gestão dos numerosos espólios arqueológicos recolhidos, hoje dispersos pelas mais variadas instituições (se não mesmo, nalguns casos ainda à "guarda" dos arqueólogos coordenadores de projectos). Consciente das previsíveis dificuldades neste domínio, bem cedo procurei como responsável geral do Projecto, constituir uma "Reserva Arqueológica do Alqueva", inicialmente integrando os materiais recolhidos no âmbito das prospecções e dos diversos EIAs, mas que verdadeiramente  pouco mais representava nos seus primeiros tempos, do que um espaço de armazenamento temporário, dada a total falta de meios humanos que assegurassem o normal funcionamento de uma estrutura deste tipo. Já com as escavações em curso ao longo do Vale do Guadiana, a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, chegar-se-ia "à frente", com a proposta de um Museu Regional de Arqueologia que viesse a absorver os resultados científicos e materiais do grande projecto, propondo-se desde logo assegurar a constituição da respectiva "reserva". Paralelamente a EDIA, no âmbito das contrapartidas pelo "afundamento" da Aldeia da Luz, propunha-se construir um Museu na nova aldeia. Porém, porque se tratava á partida de um museu etnomonográfico e por outro porque os orçamentos eram curtos face às múltiplas exigências de uma população desgastada pela "espera" e acicatada pelos "media", o programa original deste museu nunca foi além dos estreitos limites da "memória da aldeia" (felizmente a sua direção tem sabido ultrapassar o que são as suas limitações de espaço e meios, com actividades que extravasam em muito o  âmbito local a que parecia condenado...). Cumulativamente, a Administração da EDIA, algo assustada com a dimensão que os trabalhos arqueológicos haviam assumido, julgo que terão rejubilado com a proposta da Câmara Municipal de Reguengos. De facto, em vez de reagir negativamente a uma proposta que poderia acarretar grandes custos financeiros para o Empreendimento (mas que, de facto seria uma sua responsabilidade), aceitaram de bom grado a iniciativa autárquica, financiando até alguns dos estudos  museológicos então promovidos pela Câmara. Mas, tornou-se rapidamente óbvio que a Empresa EDIA não tinha qualquer intenção de se comprometer com o projecto de um grande Museu de Arqueologia remetendo sempre para o "Estado" accionista e concretamente para o Ministério da Cultura, uma qualquer decisão nesse sentido. Para mim, embora já fosse tarde para reverter a situação, tornou-se evidente a certa altura de que a solução ideal, teria passado por um Museu da Luz com outra ambição e naturalmente com outro programa. Mesmo sem imaginarmos uma estrutura muito pesada do ponto de vista técnico ou administrativo (que hoje seria incomportável) poderíamos no entanto imaginar, ao lado da relativamente contida área expositiva e social do actual Museu e tirando partido do próprio terreno, um grande mas simples armazém capaz receber e conservar a grande maioria dos materiais arqueológicos do Alqueva, hoje completamente dispersos. Há no entanto uma feliz excepção àquela dispersão: desde há bastante tempo que o Museu da Luz, tirando partido do espaço anexo do vizinho Monte dos Pássaros, conserva os materiais das escavações realizadas na Freguesia da Luz, incluindo as das escavações no Castelo da Lousa.
Com um pouco mais de visão, o Museu da Luz, a par da memória da velha aldeia, poderia ter agregado a função de Centro de Património e Arqueologia do Alqueva, integrando um Centro de Documentação e uma Reserva Arqueológica.
Algures em 2002, numa altura em que o Museu da Luz estava já em adiantada construção, tendo consciência de que o projecto da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, na sua concepção original de grande Museu Regional de Arqueologia, estava condenado ao insucesso, ainda tentei junto da administração da EDIA fazer passar uma proposta faseada que me parecia aceitável: num primeiro momento, tirando partido do terreno disponibilizado pela autarquia para a reconstituição do "Cromeleque do Xerez", salvo das águas, sugeria a instalação de um "Centro de Património e Arqueologia de Alqueva", com uma dupla função: enquadrar a visita pública ao monumento reinstalado, ele próprio um símbolo do projecto de salvamento arqueológico e constituir uma área de reserva documental e armazém dos espólios do projecto arqueológico do Alqueva. Se tudo corresse bem e se angariassem futuramente os meios necessários, o Centro poderia mais tarde evoluir para um verdadeiro Museu. Infelizmente, a proposta cairia em saco roto e hoje, até o "Cromeleque" reconstituído parece esquecido e abandonado na baixa de Monsaraz.

O cartaz que anunciava o ambicioso projeto da Câmara Municipal de Reguengos para constituição do "Museu de Arqueologia do Alqueva"
O Cromeleque do Xerez pouco depois de reinstalado nas proximidades do Convento da Orada (Monsaraz), e que deveria ficar associado ao futuro Museu de Arqueologia do Alqueva


Em anexo, divulgo um pequeno memorando que reencontrei nos meus "papéis" sugerindo a constituição de um Centro de Património e Arqueologia do Alqueva", como primeira fase para o projeto do Museu...







terça-feira, 20 de outubro de 2015

PORTUGAL MEGALÍTICO

Anta da Herdade da Ordem, Avis



Havia uma velha polémica entre os arqueólogos, hoje penso que ultrapassada, sobre as vantagens e desvantagens da divulgação de dados topográficos precisos sobre sítios e monumentos arqueológicos. Argumentavam os opositores à difusão da informação de que esta era um convite aos saqueadores e utilizadores de detectores de metais. Outros porém (onde quase sempre militei) achavam que quanto mais conhecimento houvesse sobre sítios com potencial interesse arqueológico mais probabilidade haveria de estes serem objecto da curiosidade e interesse do público e portanto alvo de alguma forma de vigilância ou salvaguarda. É óbvio que não há nesta como em muitas outras matérias, princípios absolutos e haverá que caso a caso pesar os prós e os contras. Contudo, diz-nos a experiência que a ignorância (nas suas variadas modalidades...) é uma das principais causas de destruição de sítios e monumentos arqueológicos. E entre as vítimas mais comuns encontraremos certamente os "monumentos megalíticos", em particular quando o seu grau de preservação está já longe de corresponder ao estereotipo comum das grandes pedras alçadas sobrepostas por uma lage, dando-lhe aquele inconfundível ar de enorme "mesa pré-histórica". Daí que todas as iniciativas que contribuam para a sua identificação e sinalização sejam bem vindas, dificultando à partida situações como as que deparei ao longo da minha vida profissional, de muitos monumentos registados há meio século se terem desvanecido (ou "desistido", como me disse uma vez um pastor...), de outros acabados de desmantelar com os pretextos mais abstrusos e sem que as queixas presentes em tribunal tivessem consequências ("porque não eram monumentos classificados, alegando os destruidores desconhecimento do que estava em causa...").Etc... Daí que iniciativas como a do "Portugal Megalítico" (cujo LINK acima se regista) Portugal Megalítico , que conta já com duas centenas de monumentos megalíticos (antas, menires e cromeleques) referenciados com grande precisão no GoogleMaps, possam ser uma valiosa ferramenta para a salvaguarda do que resta deste vasto património pré-histórico tão característico de algumas regiões do nosso território. Apenas uma ressalva. Haverá maneira de quem quiser, ainda que de forma controlada, poder contribuir para enriquecer esta "base de dados pública"? Por mim terei todo o gosto em colaborar.

Aproveito para em anexo divulgar um texto quase com vinte anos mas que, infelizmente, continua actual...

sexta-feira, 16 de outubro de 2015


O AQUEDUTO DA ÁGUA DE PRATA
ÉVORA


A decisão é de ontem (15 de Outubro) e a notícia acaba de ser divulgada na INTERNET, no SITE da revista SÁBADO de onde a  transcrevo.  Pese embora o lado menos positivo (integrar a "lista mundial de monumentos em risco") há que destacar os aspectos interessantes, nomeadamente o reconhecimento da extraordinária relevância do monumento em causa e o esperado apoio financeiro que deverá acompanhar esta chamada de atenção internacional para um dos mais significativos monumentos de Évora . 

Aproveito a ocasião para aqui recordar na versão original, um artigo que publiquei no Diário de Notícias em 6 de Outubro de 1994 sobre este importante monumento de Évora, mais tarde editado na colectânea A Linguagem das Coisas, Ensaios e Crónicas de Arqueologia, de parceria com Luis Raposo (Europa-América, 1996, pg 382), De referir que a hipótese que então se descortinava de uma origem romana, pelo menos no que ao traçado dizia respeito, veio recentemente a ser confirmada pelas investigações de Francisco Bilou.

"Dois monumentos nacionais integram a lista de monumentos em risco de desaparecimento da World Monuments Fund, uma organização sem fins lucrativos que patrocina um programa constante para conservar a herança cultural em todo o mundo. A Igreja de São Cristóvão, em Lisboa, e o Aqueduto da Água da Prata, em Évora, são assinalados como locais arquitectónicos que estão a precisar de conservação. 
A lista, criada por vários peritos, foi divulgada no dia 15 de Outubro e conta com 50 sítios em 36 países. "A lista para 2016 inclui muitos lugares extraordinários que merecem ser celebrados porque representam grandes momentos da cultura humana. A preocupação mundial deveria fortalecer a nossa capacidade para os salvar", explicou a presidente da associação, Bonnie Burnham, num comunicado de imprensa. 
Segundo o WMF, o Aqueduto da Água da Prata "precisa de esforços para o preservar e que ao mesmo tempo o mantenha a funcionar para irrigar parques e jardins". Já a Igreja de São Cristóvão é tida como "uma rara sobrevivente do sismo de 1755 em Lisboa, que precisa agora de ser conservada para que o seu esplendor seja restaurado". 
De acordo com a agência Ecclesia, a igreja data de 1680 e tem 34 telas de Bento Coelho da Silveira do século XVII, que estão a precisar de restauro. Edgar Clara, o pároco da igreja de São Cristóvão, afirmou à agência que tudo se deve à iniciativa "Arte por São Cristóvão", que "prevê a promoção e divulgação da Igreja e do seu património" e já levou à organização de várias iniciativas de recolha de fundos, como noites de fado, visitas guiadas à Mouraria Cristã e venda de biscoitos criados pela Cozinha Popular da Mouraria. Ao todo, amealharam cerca de 40 mil euros para as obras de restauro."




quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O PALEOLÍTICO


Os autores "anónimos" não lhe deram data de edição mas os tipógrafos tiveram o cuidado de o registar ("Composto e impresso na Gráfica São José, Castelo Branco, 1977"). De qualquer modo, a referencia ao Museu Francisco Tavares Proença Júnior como dependente da Direcção-Geral do Património Cultural, dá-nos uma baliza relativamente apertada, já que em 1980 aquela Direcção Geral, só surgida após o 25 de Abrils, seria substituída pelo IPPC (Instituto Português do Património Cultural). Quanto ao anonimato ele também é relativo, na medida em que a autoria é assumida colectiva e convictamente pelos membros do GEPP (Grupo para o Estudo do Paleolítico Português) uma associação informal constituída no início dos anos 70 por um grupo de jovens estudantes onde prontificava o Vitor Oliveira Jorge e ao qual eu também me associaria mais tarde já no contexto das campanhas promovidas em Vila Velha de Ródão, na sequencia da descoberta da Arte Rupestre do Vale do Tejo. Já por várias vezes me tenho referido neste blog à importante actividade desenvolvida por esse punhado de estudantes e nessa sequência deixo hoje uma referencia especial à brochura "O Paleolítico - As primeiras comunidades humanas de caçadores-recolectores", cujo PDF acabo de disponibilizar através do Academia.edu (que pode encontrar aqui). Esta publicação surge já no âmbito de uma segunda fase de trabalho arqueológico na região do Ródão, subsequente à conclusão da Barragem do Fratel e à submersão da grande maioria dos conjuntos rupestres entretanto identificados e documentados (1971-1974). De facto alguns elementos do GEPP manteriam uma forte ligação à região, retomando os objectivos que tinham estado na origem das primeiras expedições ao Ródão, ou seja, a prospecção e estudo de potenciais vestígios paleolíticos conservados nos terraços quaternários há muito referenciados por Orlando Ribeiro a montante e a jusante das portas do Ródão. Nesse final dos anos 70, para além do apoio directo das autarquias (Vila Velha de Ródão era então uma Câmara comunista, quer pela proximidade do Alentejo quer sobretudo pelo peso social da enorme fábrica de celulose...) o GEPP contou com uma enorme cumplicidade de António Salvado, professor e poeta albicastrense, na altura Director do Museu Regional de Castelo Branco. Esta publicação, com claros intuitos pedagógicos (uma vertente da Arqueologia que então assumíamos inequivocamente) mas graficamente limitada, só foi possível com os magros recursos que o Dr.Salvado, como o conhecíamos, ia conseguindo para a edição da Revista "Estudos de Castelo Branco" (uma revista cultural editada com alguma regularidade entre 1961 e 81, entretanto retomada a partir de 2003 mas que parece outra vez "adormecida"). Aliás, a brochura apresenta-se, no respectivo formato e grafismo, quase como uma "separata" dos "Estudos" (como viria a acontecer mais tarde noutras edições de arqueologia que contaram com o apoio do Museu). Uma releitura atenta do texto, quase 40 anos após a sua edição, para além de revelar as claras intenções didáticas, não deixa de comprovar também um grande domínio da literatura especializada à época. Esta actualizada erudição, expressa sobretudo através das numerosas notas de fim de pé de página (mais extensas do que o próprio texto), mostra também a grande ligação dos jovens autores à escola arqueológica francesa.  Ao tempo, esta era claramente preponderante a nível mundial, no que respeitava aos estudos do paleolítico e por isso aparecem largamente citados os nomes de François Bordes (1919-81), André Leroi-Gourhan (1911-86) ou Henri Lumley (1936) arqueólogos que alguns de nós, já conheciamos pessoalmente, graças à participação enquanto estudantes em escavações por eles dirigidas. 

Aqui ficam também duas ilustrações originais (julgo que da autoria do José Mateus, que aliava o seu especial interesse pelos estudos paleo-ambientais à veia artística herdada por via familiar) e um quadro cronológico, também da autoria colectiva do GEPP que conjuntamente com ilustrações retiradas da literatura da época, conferiam à edição o tal cunho didático.




sexta-feira, 9 de outubro de 2015


ALTAMIRA

Antonio Banderas em ALTAMIRA


Por muitas razões, Altamira (Santillana del Mar, Santander) é um nome "incontornável" (como ora se diz) na História da Arqueologia, pelo impacto que a sua descoberta acabaria por ter na evolução posterior do pensamento arqueológico e na percepção contemporânea da Humanidade pré-histórica. A qualidade estética das suas pinturas era tal, que durante muito tempo se duvidou que pudessem ser obra de homens então considerados "primitivos"...arruinando a honorabilidade e a saúde do seu ocasional descobridor, Marcelino de Sautuola, um advogado de Santander, apaixonado pela arqueologia e que seria injustamente acusado de falsário (que também os houve na história da disciplina....) mas proporcionando, anos depois, humilde contrição da parte de um dos seus grandes detractores, Emille Cartaillac, num artigo que ficaria célebre: "La Grotte d'Altamira: Mea culpa d'un sceptique". Ora, tudo isto a propósito do filme ALTAMIRA cujo lançamento se anuncia para Novembro próximo e que tem o conhecido actor Antonio Banderas no papel do malogrado advogado e arqueólogo de Santander. Estou curioso em conhecer a abordagem cinéfila deste grande passo da história desta disciplina que se cruza com um drama individual de grande intensidade. Para eventualmente ajudar a contextualizar o filme, aqui republico na sua forma original, um artigo de divulgação que publiquei no Diário de Notícias de 27 de Outubro de 1994 precisamente sobre a Gruta de Altamira e as peripécias e impactos associados à sua descoberta no distante ano de 1879. Este mesmo artigo, sob o título "A descoberta de Altamira" seria mais tarde reeditado em parceria com Luis Raposo na colectânea A Linguagem das Coisas, Europa-América, 1996.
Os bisontes de Altamira


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A Escola de Música da Sé de Évora- XVIII Jornadas


No actual contexto e com a acumulação de dificuldades dos últimos anos, a realização das XVIII Jornadas de Música da Sé de Évora, teoricamente as da "maioridade", pareciam uma missão impossível. Depois de já em 2014 se ter cortado nos dias (também por força do fim do feriado do 5 de Outubro que, em conjunto com o fim de semana vizinho permitia essa pequena folga aproveitada por muitos "habitués" portugueses) este ano, por falta de apoio da DG Artes que praticamente ignorou o Alentejo na política de apoios pontuais, cortou-se no cachet dos maestros (os portugueses fizeram voluntariado e o Peter Philips aceitou vir a preço de saldo) e em tudo o que poderia ser considerado menos necessário. Por fim, a marcação das eleições para 4 de Outubro parecia ter dado a machadada final na edição de 2015, prejudicando a vinda de coralistas de regiões mais afastadas. Valeu o interesse de um alargado grupo de espanhóis, amantes da música antiga, e o apoio possível da Direcção Regional de Cultura, para que fosse possível concretizar as jornadas, este ano dedicadas à obra de FILIPE DE MAGALHÃES (1589-1604), mestre da Claustra da Sé de Évora, ele próprio provavelmente aluno do Colégio dos Moços do Coro da Sé de Évora e protegido de D.Teotónio de Bragança, o arcebispo de Évora, mecenas das artes e tio de D.João IV, a cuja actividade recentemente Vitor Serrão dedicou importante obra já referida neste blog ("Arte, Religião e Imagens em Évora, no tempo do Arcebispo D.Teotónio de Bragança, 1578-1602"). Vitor Serrão aborda o papel das "artes" (arquitectura, pintura, escultura) no processo de catequização em tempos de "Contra-reforma", a que poderíamos acrescentar o importantíssimo papel da música nesse mesmo processo de "controle ideológico" através dos sentimentos religiosos, duma população praticamente analfabeta. Não posso esquecer a magnífica imagem do Armando Possante, um dos maestros voluntários das XVIII, associando a sucessão anciosa de entradas dos vários naipes na lindíssima peça de arrependimento "Commissa mea pavesco", (noli me condemnare..., noli me condemnare...noli me condemnare_ não me condenes, Senhor) às representações barrocas do inferno, onde as almas aflitas se atropelam umas às outras para fugirem das chamas e se chegarem ao Salvador...). A música, é de facto, tal como a arte em geral, quando apreciada no contexto social da época, uma ponte extraordinária com o passado... Verdadeiro património vivo! Para memória futura aqui ficam algumas imagens destas XVIII Jornadas, na esperança de que, apesar do duche frio de 4 de Outubro, em 2015 aqui se possa falar dentro de um ano, das XIX.


Pedro Teixeira, o Director Artístico das Jornadas e Armando Possante, chegam ao Convento dos Remédios para mais um "atelier".

Armando Possante dirige uma das sessões práticas.

Intervalo no pequeno mas interessante claustro dos Remédios, para descanso das vozes e conforto dos estômagos
Um dos inquilinos do claustro dos Remédios que, tal como os morcegos da Igreja, não acham muita graça, à música polifónica.

Atelier dirigido por Pedro Teixeira, antigo Maestro do Coral Polifónico Eborae Musica (1997-2013), onde sucedeu a Francisco d'Orey e Adelino Martins. Actualmente o Coro é dirigido por Eduardo Martins.

Os maestros Armado Possante, Peter Philips e Pedro Teixeira, conferenciando com Helena Zuber, a "alma" das Jornadas.



Imagens do Concerto  do "Capella de Ministrers" (Valencia, Espanha), sob a direcção de Carles Magraner. Uma belíssima mostra da associação entre as vozes e os instrumentos, uma realidade comum na liturgia barroca portuguesa mas pouco conhecida e que foi lembrada por Paulo Esudante na sua excelente e participada conferencia de abertura das Jornadas.




Igreja de São Francisco, Évora


Está na recta final a grande e necessária intervenção de consolidação estrutural e de conservação do património integrado da Igreja de São Francisco de Évora, um exemplar magnífico da arquitectura gótica alentejana tardia  e que apresentava gravíssimos problemas de conservação. Por mero acaso, tive oportunidade de acompanhar no sábado (3 de Outubro 2015) na noite da véspera da missa solene que reabriria a Igreja ao culto, o respectivo Pároco, P. Manuel Ferreira bem como o Arquitecto responsável pela intervenção, Adalberto Dias, nos últimos preparativos para o esperado evento. Ambos, por razões distintas mas igualmente justas e compreensivas, escondiam com dificuldade os sentimentos de alegria e dever cumprido que lhes iriam na alma. O primeiro, por ter tido a coragem de arriscar, contra ventos e marés, ainda sem saber se conseguiria a totalidade dos meios necessários, avançar com os estudos e projectos que lhe permitiriam mais tarde candidatar-se à indispensável comparticipação dos fundos comunitários. O segundo por ter sabido articular tantas e tão diferentes disciplinas, tantas e tão diversificadas opiniões e sensibilidades, coordenando uma obra em que a primeira e grande característica, é praticamente não se notar a "intervenção do arquitecto". Para os menos atentos a estas coisas e que numa primeira revisita à Igreja possam pensar que estamos essencialmente em presença de um "lifting a uma velha senhora"...haverá que lembrar que há muito se sabia que esta corria gravíssimos riscos face à eventualidade de um tremor de terra um pouco mais forte do que o habitual nesta região. De facto, da última vez que visitei as obras, ainda como Director dos Serviços de Bens Culturais da DRCALEN, com a grande nave já sem a cobertura de telha, era possível ver o "céu" através de assustadoras fendas rasgadas na gigantesca abóbada. Como me dizia o encarregado da STAP, Manuel Ricardo, que na noite de Sábado orientava ainda últimos trabalhos na frontaria da Igreja, a situação da abóbada era pior do que se imaginava. Actualmente, para lá das necessárias e complexas acções de conservação e restauro, quer no interior quer no exterior, toda a estrutura foi reforçada e "cosida", com projecto do Eng. Anibal Costa, conhecido especialista neste campo, sem que essa intervenção, como convém, seja muito aparente. Esperamos agora, até final do ano, a reabertura da nova área museológica que tira partido da oportuna recuperação de um antigo piso conventual existente sobre a Capela dos Ossos e cuja estrutura se conservava parcialmente no extradorso das abóbadas desta.

Uma última nota pessoal. A Direcção Regional de Cultura do Alentejo, ainda sob a direcção da Prof. Aurora Carapinha, teve um papel importante no apoio e acompanhamento do projecto, facilitado não apenas pelo bom relacionamento com o P. Manuel mas também com o Arquitecto Adalberto Dias, casado com a Arquitecta Paula Silva, que foi durante alguns anos colega da Prof. Aurora Carapinha, como Directora Regional de Cultura do Norte. Ainda assim todo o mérito e responsabilidade da operação administrativa e financeira vai para o Pároco, numa obra que, com projecto e trabalhos a mais (normais numa intervenção em património desta grandeza), deverá ultrapassar largamente os 4 milhões de Euros, mas em que a comparticipação dos Fundos Comunitários só cobre 2  milhões e meio. Claro que, tal só foi possível porque a Paróquia de São Pedro (sic, uma vez que a igreja de S.Francisco é a sede da Paróquia de São Pedro) gere (bem) os importantes recursos gerados pela "Capela dos Ossos", um local de visita obrigatória (vá lá saber-se porquê?) pelos muitos milhares de turistas que demandam Évora.


Monumento
Entidade promotora
Concelho
Objectivos e participação da DRCALEN
Compart. FEDER
Total Invest.
Igreja e Convento de S.Francisco
Igreja Paroquial da Freguesia de S. Pedro
Évora
Consolidação estrutural Igreja e valorização museológica (Convento e “Capela dos Ossos”) Apoio da DRCALEN no acompanhamento projecto, restauro e arqueologia.
2.442.793,72

3.489.705,32






Fonte: http://pedrastalhas.blogspot.pt/2014/09/gerir-o-patrimonio-cultural-doalentejo.html
No entanto as obras ainda decorrerão até final do ano
O altar mor

Detalhe das intervenções (muita limpeza, sobretudo...)

Sinal da intervenção do Arquitecto (um pouco excessiva no caso do "ambão" ou púlpito, segundo algumas opiniões...)

A grande abóbada, já recuperada, com os novos tirantes, quase invisíveis

O antigo orgão, "de cara lavada", em ensaio para a "missa da reabertura".


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

ALQUEVA, 20 Anos de obra, 200 Milénios de História











Abriu a público na passada 3ª feira no Museu Nacional de Arqueologia, bem à portuguesa, de forma apressada e quase despercebida, dado o período eleitoral (neste caso, "causa e consequência"...), a exposição sobre a Arqueologia do Alqueva. Ainda que o pretexto imediato sejam os 20 anos da empresa pública EDIA, entidade criada em 1995 para construir e gerir o Empreendimento, a ideia da responsabilidade do Director do MNA, surgiu no final do ano passado no âmbito da iniciativa, também realizada no MNA, para apresentação dos 14 volumes da 2ª série da coleção Memórias d'Odiana.
 http://pedrastalhas.blogspot.pt/2014/12/apresentacao-dos-14-volumes-da-2-serie.html
No entanto, pese embora o facto da decisão ter sido tomada em Março último, circunstancias várias (umas de ordem administrativa ou financeira, outras circunstanciais, nomeadamente quanto à disponibilidade do espaço pretendido para a montagem), acabaram por empurrar a sua execução física para as duas últimas semanas de Setembro, fazendo acumular num curtíssimo espaço de tempo a sua efectiva montagem, com todos os problemas daí decorrentes. A exposição está certamente longe do que os seus promotores e executantes terão imaginado num primeiro momento (deixando para trás contributos de colegas que seriam essenciais noutro contexto), mas responde minimamente aos principais objectivos: dar a conhecer a um público alargado a qualidade e quantidade de trabalho arqueológico produzido no Alentejo ao longo das últimas décadas; devolver, ainda que transitoriamente por enquanto, a "Torre Ôca" à Arqueologia, reabrindo um processo tão mal conduzido, anos atrás, pela tutela do património cultural e dos museus. Pese embora as limitações e problemas, na parte que me coube (concepção geral e textos) assumo inteira responsabilidade pelo resultado, esperando compreensão daqueles que se possam ter sido defraudados nas suas expectativas (e alguns já se manifestaram., como é compreensível). Apenas uma chamada de atenção para a inclusão de um instrumento interactivo inesperado. Fez parte do primeiro esboço de "guião" o recurso a uma "maquete física" que permitisse dar ao visitante a noção do território em causa. De proposta em proposta a EDIA acabou por adquirir uma maquete na escala 1:60 000, produzida em impressora 3D a partir de um modelo digital do terreno, sobre a qual se aplicou a fotografia aérea do Alentejo. Sobre esta base, é possível agora projectar (graças a 4 projectores de vídeo "concatenados"), apresentações multimédia " à la carte", construídas a partir de Sistemas de Informação Geográfica. Modernices...

Ainda que oportunamente venha a este tema, aqui deixo algumas fotos (de fraca qualidade...) e os textos de sala (português e inglês) produzidos expressamente para a exposição.

A exposição ainda em montagem, aspecto geral

Últimos preparativos na maquete multimédia
A maquete multimédia, no centro da exposição e da Torre Ôca.