quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

"Ritual de passagem"




"Ritual de passagem
Hoje, em Évora, abraço ao amigo e companheiro, António Carlos Silva, no almoço da sua passagem à reforma. Sabe bem ver como se passou quase meio século em grande camaradagem e profunda sintonia de valores. Assim pudessem todos dizer um dia quando chegar a sua vez de fazer balanços e dedicar mais tempo aos netos."

Foi com estas simpáticas palavras que o Luis Raposo se referiu no "facebook" ao acto que, como habitualmente, assinala na generalidade dos serviços públicos ou privados, a passagem de mais um trabalhador para a aposentação, no caso a minha própria. Lá teria que ser, um dia...

 Aqueles que já "passaram" por isso, terão consciência da confusão de sentimentos que nos assaltam nestes dias, uma estranha sensação "agridoce" que, conforme me avisaram entretanto, se irá diluindo com o tempo. Em todo o caso foi muito agradável ter estado com tantos colegas e amigos, uma meia centena, na maior parte os companheiros destes últimos anos na Direção Regional de Cultura do Alentejo, mas também com os que se deram ao trabalho de vir de fora e outros ainda que não estando fisicamente presentes, me enviaram mensagens de amizade. A todos os que puderam estar mas extensível a tantos outros colegas e amigos com quem partilhei este longo percurso, aqui quero deixar, neste blog de "memórias", que vou alimentando há três anos, um grande e sentido abraço.

Afinal, acabaram por me acompanhar neste "ritual", representantes de todas as grandes etapes de quase meio século de actividade profissional. E digo meio século, porque ainda antes de ter iniciado a carreira como professor na Amadora há 44 anos, já desde o primeiro ano da Faculdade (1970) participava regularmente, com o Luis Raposo e outros colegas, nas  actividades de campo  do GEPP. 

Tive pois comigo, nesta hora de despedida, colegas do tempo da Faculdade (70-75), das escolas (1974-1980) e até dos que fizeram parte do grupo que, em 1980, Francisco Alves convidaria para a grande aventura da renovação do Museu Nacional de Arqueologia e instalação dos primeiros serviços de arqueologia da SEC: Departamento de Arqueologia do IPPC e serviços regionais de arqueologia . 

Mas, naturalmente, o grosso dos presentes, era gente ligada aos "serviços alentejanos" em que tive a honra e o prazer de colaborar a partir de 1988. Primeiro do Serviço Regional de Arqueologia do Sul (de que subsistem ainda alguns colaboradores na actual DRCA); depois da extinta Direção Regional do IPPAR; também da EDIA (um intenso interregno enquanto funcionário da SEC, entre 1996 e 2002); do próprio IGESPAR/Lisboa (onde estive numa curtíssima missão em 2007) e finalmente da Direção Regional de Cultura do Alentejo, em que aconteceria aliás o meu último grande desafio enquanto dirigente da administração pública: gerir o património cultural em tempo de crise (2011-2014)


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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018


MIRÓBRIGA E OS AMERICANOS



Há poucas semanas, nas sequência da atribuição do prémio "Mais Património 2017" pela revista Mais Alentejo, registei neste blog, sob o título "Miróbriga, uma jóia esquecida", alguns dados e documentos sobre a gestão e salvaguarda deste sítio romano nos anos 80 e 90 do século passado. ( ver aqui essa entrada ). Por coincidência, ou talvez não, o Gonçalo Pereira, editor da versão portuguesa da "National Geographic", acaba de me enviar um curioso recorte do antigo semanário de Joaquim Letria, "Tal&Qual" (10 de Julho de 1982), com uma reportagem sobre as escavações americanas que à época decorriam em Miróbriga. Estava então em curso a segunda campanha das escavações "luso-americanas", no contexto de um projecto de cooperação que se prolongaria até 1985. A reportagem exagera um pouco o âmbito quer temporal quer físico do projecto mas, sem dúvida, este representou um importante marco no processo de revitalização deste importante sítio arqueológico romano nas duas últimas décadas do século passado, como recorda a arqueóloga Filomena Barata no seu blog "As cidades da Lusitânia" ( que pode ser consultado aqui ) :

"Em 1981, no seguimento de contactos com arqueólogos americanos, lançou-se um projecto de cooperação internacional, «The Mirobriga Project», dirigido por arqueólogos das Universidades de Missouri-Colombia e Arizona e representantes portugueses. No decurso desse projecto, que se previa quadrianual mas que se prolongou até 1985, foram estudadas em pormenor diversas zonas: «acrópole»/forum, termas, zona habitacional e hipódromo, que contribuíram para um melhor conhecimento global deste Sítio Arqueológico. Colaboraram nesse projecto José Olívio Caeiro, como responsável pela parte portuguesa, e Carlos Tavares da Silva.

Na primeira campanha, a equipa de Missouri concentrou-se fundamentalmente na zona do forum e do templo, na zona das termas e no hipódromo. José Olívio Caeiro encarregou-se, por sua vez, da área limítrofe à capela de S. Brás.
Na segunda e terceira campanhas, os trabalhos continuaram na área do Castelo Velho, tendo-se confirmado a ocupação pré-romana de Miróbriga, nas termas e na zona habitacional. Em 1982 foi feita a primeira planta geral das termas, tendo-se dado início, em 1983, ao levantamento topográfico do sítio, que foi completado em 1984.

Neste último ano, a campanha incidiu ainda no circo, onde foram feitas novas sondagens, e nas termas. São publicados de seguida os resultados, bem como estudos de alguns frescos de Miróbriga (BIERS et alii, 1984: 35-53), tendo sido consolidadas as pinturas murais.

Os resultados preliminares das escavações efectuadas pela equipa luso-americana foram sendo editados anualmente, na revista Muse, e aí se publicaram, em 1981, 1982 e 1983, os únicos estudos parcelares das sondagens feitas no forum, uma vez que os BAR não lhes dedicam senão uma pequena nota (BIERS et alii, 1988: 15).

A equipa luso-americana perfilha a opinião de que Miróbriga constituiria um aglomerado urbano importante, habitado desde, pelo menos, a Idade do Bronze, sendo as termas e o circo partes integrantes de um perímetro urbano ainda não definido em toda a sua extensão.
O forum da povoação - com as construções que, logicamente, lhe ficariam anexas - teria uma sucessão de ocupações que inclui, para além dos níveis de épocas anteriores, duas fases de construção da época romana, datando a mais antiga do século I. O templo centralizado dataria de meados do século I d. C., tal como a maioria das construções que se desenvolvem a Sul do mesmo - tabernae.
Em 1988 é publicado em Oxford Mirobriga: Investigations at an Iron Age and Roman Site in Southern Portugal by the University of Missouri-Columbia, 1981-1986, onde são sintetizados os trabalhos desenvolvidos e publicados os materiais arqueológicos aí exumados. Como já foi referido, as sondagens do forum não foram, até hoje, pormenorizadamente dadas a conhecer, devido ao facto de entretanto a equipa se ter desmembrado

O convite ao arqueólogo David Soren da Universidade de Missouri, Columbia, fora feito em 1980  no decorrer de uma viagem que Caetano Mello Beirão  (1923-1991), já designado director do novo Serviço Regional de Arqueologia do Sul, fizera aos Estados Unidos em representação da Secretaria de Estado da Cultura. Penso que também estará relacionada com essa viagem de Beirão, a posterior vinda de Stephanie Malloney, outra arqueóloga americana que a partir de 1983 e praticamente até hoje, se dedicaria ao estudo de outro importante sítio romano do Alentejo: a Villa de Torre de Palma (Monforte). De algum modo, estes projectos representavam, ao tempo, uma inédita abertura da arqueologia nacional, até então muito ligada a França e à Alemanha, à investigação norte-americana. Tal como é referido na reportagem, David Soren, enquanto especialista em Arqueologia Clássica, mantinha outros projectos na Europa, nomeadamente em Chipre, onde escavava as ruínas da cidade de Kourion. Recordo que esse projecto cipriota, em que chegaram a participar alguns jovens arqueólogos portugueses (como a Catarina Viegas, colaboradora nas escavações luso-americanas de Miróbriga e hoje professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ou a Inês Vaz Pinto, actual responsável pelas Ruínas de Tróia, Grândola) teve à época ampla repercussão mediática, nomeadamente nas páginas da National Geographic internacional, devido ao reconhecimento dos efeitos do epicentro de um célebre terramoto que em 21 de Julho de 365 d.C. destruiu aquela cidade. Uma outra curiosidade relacionada com esta cooperação arqueológica Luso-Americana: de acordo com a biografia de David Soren  que é possível consultar na Wikipédia, este arqueólogo terá sido também responsável pela reorganização da sala "Miróbriga" do Museu Municipal de Santiago do Cacém, projecto em que teve a cooperação de Henry Lange, um designer americano de origem alemã, com importante obra ligada ao cinema de ficção, nomeadamente 2001, Odisseia do Espaço  (1968) ou os 3 primeiros filmes da saga Star Wars (1977-1983)!

Pela parte portuguesa, participaram neste projecto, os arqueólogos do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS) Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, nomes ligados à arqueologia do litoral alentejano desde o início dos anos 70 enquanto colaboradores do "Gabinete da Área de Sines". O Serviço Regional de Arqueologia do Sul estava por sua vez representado por José Olívio Caeiro (1949-2009). José Caeiro, como era conhecido entre os seus pares, era na altura assistente na jovem Universidade de Évora, onde assegurava com Jorge Pinho Monteiro (1950-1982) as cadeiras de História Antiga e Arqueologia. Eram ambos colaboradores  muito próximos de Caetano Beirão, tendo apoiado a instalação do Serviço Regional de Arqueologia em Évora, em espaços da própria Universidade (Palácio Vimioso). O desaparecimento precoce de Pinho Monteiro, porém, afunilaria as opções de Beirão (enquanto não foi possível colocar os primeiros arqueólogos no quadro do serviço) estando na origem do excessivo envolvimento de Caeiro nos projectos então em curso. Conforme pude ter conhecimento directo, dadas as minhas funções no Departamento de Arqueologia do IPPC, as relações entre Caetano Beirão e José Caeiro, acabariam por azedar, com acusações recíprocas de incumprimentos vários, nomeadamente no que respeita à não publicação de resultados de muitos dos trabalhos arqueológicos, incluindo a parte nacional de Miróbriga. José Olívio Caeiro afastar-se-ia progressivamente da actividade arqueológica e até da própria universidade (onde não concluira o Doutoramento sobre o povoamento proto-histórico na bacia do Guadiana) regressando ao ensino secundário, onde iniciara a sua carreira profissional como tantos outros arqueólogos.

A última vez que nos encontrámos foi em Évora, nas instalações do INATEL (Palácio Barrocal), por ocasião de uma sua exposição de pintura, actividade a que finalmente se dedicara na sua "Villa Caerius", a casa que à maneira romana construíra nos arredores da Azaruja. Só muito recentemente, após diligências de um amigo comum (o Prof. José d'Encarnação), viemos entretanto a saber que morrera em 2009.


A reportagem do "Tal & Qual" de 10 de Julho de 1982. A foto de José Olívio Caeiro, em grande plano.

Painel sobre o projecto luso-americano dos anos 80, .(antiga exposição no Centro Interpretativo de Miróbriga)

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A COLECÇÃO ARQUEOLÓGICA (?) DO BPN


Nunca se me proporcionou (nem seria fácil...) a ocasião para observar esta misteriosa e no mínimo controversa colecção. Soube que alguns colegas arqueólogos -para além do arqueólogo que a avaliou a pedido do BPN ou da conservadora do Museu Nacional de Arqueologia referida no (excelente) artigo publicado em 15 de Fevereiro de 2009 no suplemento "Domingo" do Correio da Manhã- terão  entretanto tido essa oportunidade, a pedido das autoridades competentes (Polícia Judiciária ?). As opiniões expressas por esses especialistas, tanto quanto se comentou em alguns meios, terão sido no sentido de que a generalidade da coleção, seria integrada por objectos falsos... Ou seja, ao contrário da coleção "Miró" de que tanto se falou e que pela sua autenticidade e mais valia artística  acabou por manter-se na esfera pública, a coleção arqueológica que terá custado 5 milhões de Euros ao BPN, desapareceu dos radares do interesse público ou mesmo da curiosidade dos media. Apesar das muitas questões levantadas e não respondidas no que o artigo, excelentemente ilustrado, que aqui reproduzimos.

Pessoalmente e meramente por efeito colateral, tive posteriormente alguma notícia do assunto. No final de uma reunião de trabalho com a Polícia Judiciária, cujo tema e data não posso precisar, mas que terá já sido posterior a 2011, o agente ao saber que eu era arqueólogo, quis saber se eu conhecia a coleção BPN e qual era a minha opinião sobre a mesma. Respondi-lhe que apenas conhecia alguns objectos a partir da reportagem fotográfica do Correio da Manhã mas que, com todas as reservas decorrentes da não observação directa das peças, estas me pareciam falsas, se não na totalidade, pelo menos na sua maioria...

Não sei, entretanto, que caminho este assunto tomou e se foi objecto de tratamento no âmbito do longo julgamento do caso BPN que terminou em Maio do ano passado. Mas tinha alguma curiosidade de conhecer as conclusões da investigação empreendida pelas "autoridades" e qual o destino dado entretanto à "colecção". Aqui está um tema interessantíssimo para o jornalismo de investigação, ou mesmo, de futuro, para alguma tese de mestrado ou doutoramento...sobre "contrafação ou tráfico" de antiguidades.










 ADENDA- 29 Agosto 2018

Uma vez que esta "carta aberta" diz respeito a este controverso assunto, aqui se transcreve a mesma a partir da publicação de hoje mesmo do ARCHPORT

-------- Mensagem original --------
De: Manuel de Castro Nunes 
Data: 29/08/18 11:33 (GMT+00:00)
Para: José d'Encarnação 
Assunto: Carta aberta aos arqueólogos portugueses.

Carta aberta aos arqueólogos portugueses.

Excelentíssimos Senhores.

O meu nome é Manuel Maria Guimarães de Castro Nunes.
Privei, de perto e de longe, com a larga maioria de três gerações de arqueólogos que constituem hoje a elite ou ''intelligentzia'' veterana da arqueologia portuguesa.
Sou filho do Professor Doutor João de Castro Nunes.
Devo pois começar por declarar, sem assombro ou assombramento, que nunca usufruí de qualquer vantagem no exercício de qualquer actividade profissional por ser filho de meu pai. Não apenas por feitio mas sobretudo por isenção, fiz sempre o possível e o impossível por dissociar a minha carreira e a minha actividade profissional do patrocínio do meu pai. A maioria de vós foi sem dúvida mais filho de meu pai do que eu. E declaro-o para, se o quiserdes, o poderdes contraditar.
Poderia, se partilhasse o vosso mau carácter, alegar mesmo que fui vítima e réu de ter sido filho de meu pai.
Importa pois que fique também claro que, ao dirigir-me a vós para expor esta matéria, orienta-me uma opção de princípio que sempre me orientou na vida. Recuso por princípio, se não for rigorosamente indispensável, personalizar assuntos, personalizar as matérias que há muito suscitam a minha crítica consequente e contínua à comunidade arqueológica, à sua hipócrita e conspirativa sociabilidade, à distorção e comércio das práticas, à cultura tosca de cidaddania que se instalou entre vós, ao oportunismo.
Dirijo-me pois a vós sem assombro, consciente de que salvaguardei sempre a minha isenção e a minha consciência e de que, sobretudo, excedendo exorbitantemente o que talvez fosse meu dever, salvaguardei a solidariedade, a confiança, a lealdade.
Ora muito bem, Excelentíssimos Senhores.
Transitou em julgado no passado mês de Abril a sentença final relativa ao Processso 91/09.9 JDLSB, julgado na 1ª Secção da Instância Central, Secção Criminal, do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, em que, entre outras matérias, se determinou judicialmente a contrafacção ou ''falsidade'' de dois acervos de artefactos alegadamente arqueológicos.
Decidiu o Doutíssimo ou Venerando Colectivo condenar três réus. Dois por burla e um por ''falsidade''. Dos dois condenados por burla, um fui eu, Manuel Maria Guimarães de Castro Nunes, um estranho sujeito, de indefinido estatuto, que vós dizeis que sou historiador e os histariodores que sou arqueológo, embora eu, com sinceridade, nem saiba bem o que sou, porque nunca quis partilhar a obscenidade de uma nem de outra das comunidades.
O réu condenado por ''falsidade'' foram os dois acervos de artefactos alegadamente arqueológicos. Fostes vós quem, numa primeira instância, alegou que eram arqueológicos. Mas que eu, para ser sincero, após tão Doutíssima e Veneranda decisão judicial, já nem sei bem o que são. Nem tenho que saber, pois a matéria está julgada e a sentença transitou em julgado, após sucessivos recursos, nunca de minha iniciativa, pois nem requeri Instrução do Processo de Acusação.
Sabia de antemão qual seria o desfecho, pois conheço muito bem a justiça e melhor ainda os arqueólogos.
Nem tenho nada que saber, digo. Porque agora quem terá que saber serão Vossas Excelências, que confrontarei até à exaustão com a vossa hipocrisia, com a obscenidade do vosso mau carácter e das vossas conjuras de ''vendilhões do templo''. Adiante orientar-vos-ei na hermenêutica desta expressão, ''vendilhões do templo''.
Devo também declarar que, durante todo o julgamento, pouco ou nada me defendi da acusação de burla. Entendi desonroso para mim defender-me de uma acusação que, recaindo sobre mim, competiria mais a vós do que a mim refutar.
Por essa razão concentrei-me na defesa do réu acusado de ''falsidade'', os dois acervos de artefactos alegadamente arqueológicos, que, não sendo obviamente arqueológicos, como sempre propus, seriam, caso não fossem judicialmente condenados, bens culturais de indiscutível apreço. E que vós, hipócritas defensores do património cultural e artístico, teríeis condenado irreversivelmente à destruição material, como determina a Lei, não fosse o recurso à manha judicial que, face ao iminente risco, transitoriamente os livrou do patíbulo.
E que manha foi essa e que transitoriedade a ameaça?
Lede então este extracto da sentença em epígrafe.
''(...)
O Tribunal considera que o o reingresso dos objectos (artefactos integrantes das duas colecçõs) no comércio jurídico (sic!) redundará em sérios riscos de, com os mesmos, virem a ser cometidos novos ilícitos penais ou civis, com utilização dos mesmos, mormente a sua comercialização (...)
Nesta conformidade todos os objectos integrantes das colecções vendidas pelo arguido Joaquim Pessoa à Fundação Estrada e à GESLUSA TRADING são declarados perdidos a favor do Estado.
Com vista ao seu destino final, deverão ser consultados os Directores do Museu da Polícia Judiciária e do Museu Nacional de Arqueologia a fim de se pronunciarem, desigadamente quanto à existência de interesse museológico ou comparativo das peças, a fim de as mesmas virem a integrar o acervo de um ou de ambos desses museus.
Sem prejuízo de o Tribunal vir a considerar, consoante o respondido por estas entidades, o sugerido a fls 3296 pela DLVT da PJ.
(...)''
O sugerido a folhas 3296 pela Divisão de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária é a destruição material.
Imaginai então, Venerandos e Doutíssimos Senhores Arqueólogos, porque quanto aos Venerandos e Doutíssimos juízes está tudo dito em outros foros, que eu reccorria à mimese do vosso mau carácter, da vossa hipócrita e obscena manha, para vos confrontar, pessoalmente e nomeados, com o vosso papel, de todos e de cada um, nesta tramóia.
Não conto fazê-lo ou ter que o fazer. E esta tem por propósito o propósito que sempre orientou a minha intervenção no decurso não só do julgamento mas de todo o processo que lhe foi preliminar.
Recorrer a alguma réstea de coerência, de isenção, de prudência talvez que vos reste ou sobre. Que reste ou sobre nas vossas atormentadas consciências de hipócritas conjurados.
Que fazer agora?
Que fareis agora para cumprir o vosso compromisso de honra de salvaguardar o património?
E que esperais que faça?

Alqueidão da Serra, 29 de Agosto de 2018.
Manuel de Castro Nunes



A resposta de Luis Raposo no ARCHPORT-30 de Agosto de 2018


Meu caro Manuel Castro Nunes,

Cá recebi a sua carta aberta, que por ser aberta respondo também abertamente, pedindo desculpa por só agora o fazer, não sendo ademais tão conciso quanto quereria, e costumo ser. A verdade é que, como dizia Vieira, me falta tempo (quiçá a arte também) para ser breve.

Recebi, pois, a carta, sim, mas noto que no percurso do correio, devido talvez a lapso do carteiro, na circunstância o nosso bom amigo José d’Encarnação, ficou a faltar o anexo que certamente seria constituído pela sentença final transitada em julgado, que o próprio Manuel considera “doutíssima e veneranda” e que eu muito gostaria ler extensivamente, para meu deleite e porque me ocorre remotamente ser mister fazê-lo para melhor e mais cabal avaliação do seu conteúdo. Não por podendo assim ser, tomo por boa a selecção de conteúdos que o Manuel faz – e sem rebuço tomo por fiável. Em todo o caso, porque nestas coisas de sentenças judiciais sou pouco mais do que analfabeto, sempre lhe pediria o obséquio de, mesmo atento o nosso mau carácter de arqueólogos (e manda o espírito corporativo que enfie a carapuça), no-la facultar ou então nos indicar onde a podemos consultar, se possível à distância de um ou alguns cliques apenas.
Pelo que percebo, após anos de recursos (encontro referência à sentença inicial no relatório de acusações do DCIAP referente a 2014, onde se diz: “NUIPC 91/09.9JDLSB / ACUSAÇÃO DE 2-06-2014: Após julgamento foram condenados 3 arguidos pelos crimes de burla qualificada, falsificação simples de documento, detenção de arma proibida e fraude fiscal simples, a penas de prisão de 5 anos e 100 dias de multa diária de 10€, suspensa mediante regime probatório e ainda uma pena de 3 anos e 6 meses e outra de 8 meses, ambas suspensas mediante regime probatório. Foram declarados perdidos a favor do Estado os objectos das colecções vendidas, as armas e munições apreendidas e ainda outros bens móveis e imóveis apreendidos. Acórdão não transitado em julgado.”), o processo transitou definitivamente em julgado e pode, pois, falar-se neste caso em burla e burlões, assim como em falsificação e falsificador.

Fico contente em saber que assim é. Mas não pela razão que porventura o Manuel antecipará – e aceito ser a mais óbvia: a do comprazimento com a condenação dos agentes materiais ou morais dos referidos crimes. Quaisquer que estes fossem, seriam sempre para mim pessoas com percursos e porventura riquezas de vida que se não poderiam nunca subsumir à prática de um ou mais crimes, quando o tivessem feito. Lembro, aliás, burlões célebres pelos quais nutro alguma distante simpatia – Alves do Reis, por exemplo. E neste caso tenho até estima pessoal, intelectual e mesmo cívica por pelo menos dois, o Manuel e o que presumo ser o outro, o poeta Joaquim Pessoa. Desejo-lhes, por isso, com sinceridade e sem qualquer ironia, as melhores venturas na vida, esperando que este episódio – e trata-se apenas disso – lhes tenha servido de aprendizagem e crescimento.

Não, aquilo que verdadeiramente me contenta neste processo é o facto de ele ter sido iniciado e levado até ao fim (coisa que parece não ser assim tão frequente na justiça), especialmente pelo que ele contém de paradigmático. Entendo até que deveria constituir caso de estudo e andaria avisado o estudante universitário que lhe decidisse consagrar trabalho de pós-graduação.

O que há, pois, de paradigmático neste caso, a meu ver?

Existe em primeiro lugar a questão dos limites do “verdadeiro” e do “falso” em objectos e colecções de Arqueologia. Sabemos bem que a Ciência constitui, por definição, o domínio da dúvida – por oposição à Fé, domínio das certezas. Algumas escolas da Arqueologia, sobretudo em ambientes ditos “pós-modernos”, vieram nas últimas décadas a acumular teoria defendendo a relatividade não somente dos saberes, de todos os sabres, mas das próprias materialidades remanescentes do passado, considerando-as sempre “reinventadas” pelos presentes. Ainda hoje certas correntes, inclusive quando se reclamam do materialismo, incorrem nesse vício (assim ouso chamá-lo, sob minha inteira responsabilidade, claro), esquecendo-se que a afirmação de que “toda a história é história do presente”, com a qual eu concordo em absoluto, não constitui demarcação do idealismo histórico (antes pelo contrário, porque foi igual e magistralmente defendida pelos historiadores idealistas ingleses). O que, sim, demarca a visão materialista da ciência é o positivismo que lhe subjaz, considerando que existe uma realidade objectiva, independente e anterior ao observador – o que, no que à Arqueologia respeita, se traduz em objectos verdadeiros, susceptíveis de serem distinguíveis dos falsos – sendo que estes apenas o são quando pretendem “vender gato por lebre”, quer dizer, quando nos querem fazer crer naquilo que não são. Não são falsas as cópias de estátuas gregas feitas ao sabor do gosto romano novo-riquista; ou as renascentistas, feitas pelo gozo intelectual de revivência do Mundo Antigo; ou as que são realizadas para fins educativos e uso em salas de aula, por exemplo; ou as que artistas de todas as épocas executam, recriando as mais das vezes. São falsas, sim, as cópias ou recriações que se fazem hoje pretendendo que foram feitas há séculos ou milénios. E foi bem este o caso no processo em apreço.

Dir-se-á, como efectivamente se disse em processo e fora dele, com maior ou menor elegância e fazendo por vezes até a ponte com as corrente arqueológicas acima citadas (que assim se vêm inadvertidamente ajuntadas ao mercado dos burlões e falsários), que os arqueólogos são “quadrados de espírito”, positivistas em excesso (afinal, como se viu, eu defendo o positivismo, ou melhor, um certo neo-positivismo), e não conseguem antecipar a novidade, quando afinal nada do que se descobre de novo, existia antes. Sim, é verdade e repito que a Ciência é o domínio da dúvida e temos de estar sempre preparados para a novidade (aliás procuramo-la activamente, na nossa investigação); mesmo para aquela que deita por terra muitas das nossas “verdades” anteriores. Mas não nos deixemos todavia aprisionar dentro de dialécticas juvenis. Como pude afirmar em sede de julgamento neste processo, para explicar a juízes e magistrados quais os limites da dúvida neste caso concreto, diríamos que tal como em Astronomia podemos facilmente antecipar que existam astros, até planetas ou estrelas, nunca vistos, inclusivamente próximo de nós, e que teorias bem sedimentadas, como a do Big Bang, poderão ser invalidadas, no todo ou na parte, já consideramos fora de toda a razoabilidade, poder aceitar quem nos diga que afinal é o Sol que gira à volta da Terra e não aquilo que consideramos verdade adquirida desde que se deixou de mandar para fogueira quem se atrevia afirmá-lo. Ora, as peças e colecções que constam deste processo configuram precisamente esta situação de total e irredutível falta de credibilidade. São falsas porque se pretenderam ser não somente antigas, como representativas de civilizações antigas. Repito: são falsas, ponto final.

Existe depois o lado chamemos sociológico de todo este processo. E ainda aqui ele tem muito de paradigmático.

Como disse antes e afirmei em tribunal, pouco me interessava então saber se quem falsificou, quem burlou ou quem cometeu outros crimes – se eles efectivamente existissem. Deixava isso para a investigação policial e para a acção judicial, exercida como poder de Estado, em nome do Povo. Também declarei ter interesse reduzido, embora maior do que o anterior, em saber as motivações de quem quer que assim tenha procedido. Apenas fiz o que me cumpria: declarar, alto e bom som, que com o saber de que dispunha podia sem margem para dúvidas dizer que se tratava de objectos falsos.

Chegados aqui, permito-me porém confessar que, quanto a motivações, cheguei a pensar para mim que fosse por mero gozo intelectual, para demonstração de como são frágeis as “verdades” da Arqueologia e de como são pusilânimes os arqueólogos na sua defesa. Claro que as informações subsequentes quanto às maquias envolvidas, fizeram-me descer à terra e perceber que poderiam ter existido, ou existiram mesmo (falta-me ler o processo em toda a sua extensão, hélas) motivações bem mais venais. Mas subsiste um facto: a dificuldade em fazer com que arqueólogos e outros especialistas em objectos antigos cumpram a sua responsabilidade cívica em toda a extensão, nomeadamente através da peritagem e do testemunho em tribunal. Uma dificuldade que os falsários e burlões usam em seu benefício. Ouvi de tudo neste processo, de colegas meus: que não estavam para chatices; que era tudo tão obviamente falso, que não valia a pena perder tempo; que a nossa função é investigar, mais nada… Que sirva, pois, este processo também de lição para arqueólogos e especialistas em arqueo-ciências, fazendo que despertem e assumam em plenitude a sua função social, a qual passa também por dar testemunho das suas “verdades”, dentro dos limites das mesmas, claro. Quem não se dá ao respeito, não pode pretender ser respeitado. Felizmente e como o Manuel bem sabe, goste ou não, aceite ou não o fundamento dos mesmos, houve neste processo quem deste universo científico e sociológico se mobilizasse para constituir peritagens e emitir pareceres sem papas na língua.

Eis porque, caro Manuel, fico contente com os desfecho que nos diz ser o deste processo. Como disse em tribunal e afirmei acima, desconhecia se existiam e quem fossem os autores de eventuais crimes praticados. Atenta agora a sentença que nos diz ter transitado em julgado, verifico que o Manuel (presumo que também o Joaquim Pessoa) foram assim condenados. Seria cínico se dissesse que tenho pena, porque se o tribunal deu como provado que houve crimes e identificou os autores, eles têm mesmo de ser condenados, sejam quem forem. Mas repito aqui o que então disse à juíza: não tenho nada contra qualquer dos dois, que na altura afirmei presumir serem pessoas de bem e cordialmente cumprimentei antes de sair da sala . Não sei que consequências, materiais ou outras, terá esta condenação na sua vida. Mas creia que não lhe voltarei as costas quando nos cruzarmos e continuarei aceitar os seus reptos, quando entender que se cruzam com os que a mim mesmo faço, continuarei a concordar ou discordar de si, enfim, continuarei a respeitá-lo, como julgo que me respeitará a mim. Presumo que, partilhando eu embora o “mau carácter” dos arqueólogos, possa aceitar que tenha também algum do carácter que a família e vida em toda a sua extensão me incutiram, o qual tenho por bom.

Respeitosamente,

Luís Raposo

Obs. Quanto à questão do destino a dar aos objectos declarados perdidos em favor do Estado, posso dizer-lhe que dei em devido tempo parecer em sentido contrário à destruição, propondo antes a integração no Museu da Polícia Judiciária, onde certamente iriam ampliar, com benefício público, as já vastas colecções de falsificações detectadas através da acção judicial e penal. Para o Museu Nacional de Arqueologia é que não, pois, como o próprio Manuel agora (e muito bem) reconhece, eles não são sequer objectos arqueológicos.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Documentos para a história da arqueologia alentejana no final do Século XX



Pensando no seu eventual interesse documental futuro, tenho procurado digitalizar e disponibilizar algum material que, pela sua natureza (edição informal e tiragem reduzida), não será especialmente acessível. Entre esse material destaco hoje um Plano de Conservação e Valorização do Património Arqueológico do Alentejo, elaborado e desenvolvido no contexto do Serviço Regional de Arqueologia do Sul (IPPC) ainda que, a quando da sua apresentação e divulgação em 1990, aquele serviço tivesse acabado de ser extinto (Decreto 216/1990) por Santana Lopes. Dada a sua extensão, aqui deixamos o acesso ao mesmo em PDF_  


Apesar da profunda crise que abalaria as estruturas arqueológicas a partir daquela data, coincidindo com o agitado consulado de Santana Lopes à frente da cultura (como já aqui recordámos) este documento acabaria mais tarde por servir de base a um Plano desenvolvido já no contexto do IPPAR (a partir de 1995) e que se concretizaria parcialmente já na transição do século. Este plano, que se intitulava "Itinerários Arqueológicos do Alentejo e Algarve" seria financiado por verbas do Fundo de Turismo e partia da falsa premissa de que os sítios ou monumentos a valorizar, estavam devidamente protegidos e conservados e que, portanto, era prioritário criar estruturas de recepção e interpretação (Centros Interpretativos) que os colocasse ao serviço do desenvolvimento turístico da região. Não negando a importância deste programa que permitiu entre outras coisas, proceder a aquisições de alguns monumentos que se encontravam ainda em propriedade privada (caso da Gruta do Escoural, do Castro da Cola ou do Monumento 7 de Alcalar...), o notável esforço feito na construção de "Centros Interpretativos" raramente foi acompanhado pelo indispensável investimento em conservação e restauro... O caso paradigmático é, por exemplo, a situação das Ruínas de Miróbriga, praticamente a esboroarem-se cada dia que passa, sem que seja possível concretizar as acções de restauro há muito identificadas e orçamentadas...

Nota: seria um exercício interessante, comparar os objectivos definidos no Plano de 1990 com a situação de alguns dos monumentos nele identificados. Há sítios que praticamente "desapareceram" do radar arqueológico, como a villa romana do Monte do Salvador em Campo Maior...Mas a situação mais dramática e ainda por resolver (dada a sua situação de dispersão no território e de localização em propriedade privada...) é a do "megalitismo alentejano", um património reconhecidamente excepcional, nomeadamente pelo Turismo, mas cuja salvaguarda de valorização tarda em ser devidamente enquadrado numa estratégia consequente.
Artigo no Público em15 de Fevereiro de 1995, por ocasião do anúncio do projecto dos "Itinerários Arqueológicos" promovido pelo IPPAR. A esse propósito, o jornalista Pedro Miguel Ferreira, recupera o antigo "plano" do Serviço Regional de Arqueologia do Sul, muito provavelmente através de uma cópia cedida por mim próprio em circunstâncias que não recordo.


A necessidade de "planificação" da actividade arqueológica tinha sido já uma das grandes preocupações do Departamento de Arqueologia do IPPC ao longo dos anos 80. Pelo seu interesse documental, aqui deixo a apresentação "gráfica" do "Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos de 1985", onde aparece já um capítulo específico para as acções de "conservação". De recordar aos mais jovens que à época, a grande maioria destas intervenções eram planeadas e executadas em contexto de "puro voluntariado". Estávamos ainda a uma década do aparecimento da "arqueologia empresarial"...







Capa da brochura de apresentação do programa dos "Itinerários Arqueológicos do Alentejo e Algarve e mapa associado.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018


A ARQUEOLOGIA NA FESTA DO AVANTE de 1980



Há cinco anos atrás (2012) alguém publicou esta foto "histórica" no "Facebook", eventualmente o próprio Vítor Serrão, um dos retratados... 


Reconhecem-se, da esquerda para a direita, a Teresa Marques, (hoje já aposentada, após longa carreira no IPPC/IPAR/IGESPAR) a Silvana Macedo (actual directora do Museu dos Coches) o já falecido Dagoberto Markl, (então conservador no Museu Nacional de Arte Antiga), uma colega cujo nome não retenho e, por fim o Vítor Serrão e eu próprio (ainda com algum cabelo, nos meus 28 anos...). 

Pouca informação conservo das circunstancias em que a foto foi obtida, nem sequer sei quem é o seu autor. Quanto ao evento em si, julgo ter-se tratado de um "debate" organizado pela "célula do património cultural do PCP" no contexto da própria Festa (à época ainda no Alto da Ajuda) tendo como tema de discussão o sugestivo tema " A arte portuguesa e a luta de classes entre os Séc. XIV e o Século XIX". Reproduzo um comentário deixado por José Manuel Vargas no Facebook a quando da divulgação da imagem em 2012 e que ajudará a melhor enquadrar a iniciativa:

A Festa do Avante de 1980 teve o Património Cultural como tema dominante nos vários pavilhões, mesmo a nível concelhio. Por ex. o de Sintra, com contributos do Vítor Serrão e as fotografias do saudoso camarada Joaquim Felício Loureiro."

Entretanto, (e é esse o principal motivo que me levou a "repescar" esta foto), nas arrumações arquivísticas a que me tenho dedicado nos últimos tempos, encontrei uma fotocópia de parte do "Programa" dessa mesma Festa de 1980 (pg.s 43 e 45) cujo texto ajuda a enquadrar aquela imagem. Embora o conteúdo seja demasiado genérico, depreende-se da respectiva leitura que nesse ano de 1980 se apresentava no Pavilhão Central da Festa, uma exposição de "Arqueologia e Património Arqueológico", incluindo uma mostra de materiais arqueológicos originais. Desconheço a quem se deve a respectiva organização nem retenho grande memória da mesma... De entre os colegas que me eram então mais próximos julgo que terá colaborado na iniciativa o João Ludgero, mas penso que à frente da organização estaria o já desaparecido Eng. Gustavo Marques e eventualmente, o José Morais Arnaud, actual presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Mas anos mais tarde, viria a ter participação activa no processo de reintegração museológica de uma extraordinária peça arqueológica que teve a sua primeira e única apresentação pública nessa exposição de 1980. Tratava-se da estátua em bronze de grande qualidade artística de um jovem nu ("Apolo"?) que havia sido descoberta pelos trabalhadores da cooperativa de São Manços em 1976, em plena época da reforma agrária (e que eu já havia referido neste blog: http://pedrastalhas.blogspot.pt/2017/10/visita-aos-almendres-recordando-reforma.html ). Finda a sua curta presença na Festa do Avante, a valiosa estátua recolheu à sede da Cooperativa, onde era guardada quase religiosamente (chamavam-lhe localmente o "Santo de São Manços"). Apenas uma década mais tarde e após um delicado processo negocial que eu próprio conduzi enquanto responsável pelo Serviço Regional de Arqueologia do Sul com os cooperantes que sobravam da extinta cooperativa, estes finalmente acordaram oferecer a estátua ao Museu de Évora, onde hoje se encontra exposta em posição de destaque. 

A estatueta de bronze de São Manços, já restaurada no laboratório de Museu de Conimbriga e hoje exposta no Museu de Évora (aqui em foto de Eduardo Estéllez obtida na INTERNET) e que foi peça central na exposição temática da Festa do Avante de 1980

A notícia da descoberta do "Apolo" de São Manços, nas palavras de Túlio Espanca, no Diário do Sul de 4 de Setembro de 1976




Para memória futura, aqui deixo o facsimil parcial do "programa" da Festa do Avante de 1980:




quinta-feira, 4 de janeiro de 2018


Prémio Pessoa 1991

quando a Arqueologia, para o bem e para o mal, começava a ter visibilidade...

Há poucas semanas, divulguei neste "blog" um conjunto de documentos que testemunham as graves atribulações por que passou a Arqueologia portuguesa no Verão de 1992, ver aqui  fruto da desastrosa política do então SEC, Santana Lopes. A arqueologia, com a criação do IPPC e dos Serviços Regionais de Arqueologia conhecera um período de algum desenvolvimento e estabilidade ao longo dos anos 80 mas, uma vez chegado ao poder onde substituiu Teresa Patrício Gouveia, o irrequieto Santana Lopes inicia de imediato um conjunto de reformas e reestruturações de todo o sector, das quais, invariavelmente, a Arqueologia sairia sempre prejudicada...Pelas piores razões, conforme se depreende dos "recortes" de imprensa que recordámos no referido "post", a Arqueologia seria notícia frequente na silly season de 92. 

Em contraste por motivos bem diferentes, a Arqueologia também merecera algum destaque mediático em 1991, quando o Prémio Pessoa, então na sua 4ª edição, foi atribuído ao arqueólogo Cláudio Torres pela sua actividade cultural e científica em Mértola. Curiosamente, a primeira figura nacional que merecera tal honra, o Professor José Mattoso (Prémio Pessoa de 1987), estava também ele, de algum mod, associado ao Projecto Arqueológico de Mértola, conforme recordámos já neste "blog"...ver também aqui

Adivinhando já a borrasca que se aproximava, produzi na época um pequeno texto sobre a excepcional distinção feita ao arqueólogo Cláudio Torres, um reconhecimento público que todos os arqueólogos sentiram então com orgulho. Já não recordo se o mesmo foi então publicado. De qualquer modo e antes da limpeza de arquivos a que me venho dedicando nos últimos dias, aqui o reproduzo pelo testemunho que representa.

Historiadores e /ou arqueólogos em Mértola (2016), incluindo dois "prémios Pessoa" (José Mattoso, ao centro e Cláudio Torres, à direita. Na foto ainda, José Luis de Matos, Jorge Alarcão e Borges Coelho.