sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Arqueologia a Norte



Ao ler o texto do convite que acaba de ser difundido pela Direcção Regional de Cultura do Norte a propósito da exposição "5 Percursos pelo Património a Norte", não pude deixar de lembrar os projectos de divulgação patrimonial de meados dos anos 80, promovidos com meios muito reduzidos mas com muito entusiasmo pelo então Serviço Regional de Arqueologia do Norte. Procurando bem nos meus papéis lá encontrei um conjunto de 5 folhetos editados por aquele serviço, criado no âmbito do Campo Arqueológico de Braga e articulando-se em "rede" (como agora se diz) com a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho e o Museu D.Diogo de Sousa, então ainda em instalação. O SRAN foi extinto no início dos anos 90 (era SEC o inefável Santana Lopes) mas alguns dos seus técnicos estão actualmente na Direcção Regional de Cultura do Norte, organismo que de reestruturação em reestruturação (já lhe perdi o conto) tem hoje as atribuições do extinto SRAN. Talvez com uma diferença. Nos tempos dos Serviços Regionais de Arqueologia a expressão "outsorcing" ainda não fazia parte do léxico da Administração Pública e praticamente tudo, desde a escavação, passando pela conservação, valorização e divulgação, era feito com meios próprios ou das equipas da tal rede de cumplicidades (serviços, universidades, autarquias, associações, etc...). E, na rectaguarda dos folhetos que aqui deixamos como testemunho e para memória futura, estavam então outros tantos projectos conduzidos em todo o Norte pelo respectivo Serviço Regional de Arqueologia.























quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


Arqueologia nos tempos do IPPC





Os anos 80, na minha opinião mais que suspeita, foram um período determinante no enorme salto qualitativo que a Arqueologia portuguesa deu no final do século passado. É óbvio que as transformações então conseguidas eram também elas resultantes, apesar do atraso, das novas condições sociais e políticas proporcionadas pelo 25 de Abril de 1974, pesem embora as grandes dificuldades económicas que então, tanto ou mais do que hoje, condicionavam a actuação dos serviços públicos. Com efeito e apesar das movimentações promovidas e organizadas por alguns sectores logo nos dias imediatos à Revolução, as verdadeiras mudanças na Arqueologia só começariam a concretizar-se após a criação do Instituto Português do Património Cultural (IPPC) em 1980, com uma Direcção de Serviços de Arqueologia articulada com três Serviços Regionais localizados em Braga, Coimbra e Évora, afinal a grande inovação reclamada desde o século XIX por Estácio da Veiga. (Está por fazer a história da “arqueologia portuguesa na Revolução dos Cravos”, ainda que esteja prometido um livro sobre esse tema por um dos seus mais destacados protagonistas, Jorge Paulino Ferreira, professor no Instituto Superior Técnico mas há muito afastado das arqueologias, e que deverá ser deveras interessante pela amostra do que nos revelou no colóquio organizado pelo MNA em 9 de Maio, do ano passado  para comemorar o 40º aniversário da Revolução dos Cravos: ARQUEOLOGIA, PATRIMÓNIO E MUSEUS NOS TEMPOS DA MUDANÇA).

Quase todos tínhamos então consciência da mudança que estávamos a protagonizar e daí também alguma necessidade de comunicação com o público e os restantes sectores da Cultura. Assim, no final de 1986 (era Presidente do IPPC o malogrado João Palma Ferreira, um intelectual, tradutor do Ulysses de Joyce, mas que ficara conhecido do grande público por uma controversa passagem pela Direcção da RTP) o Departamento de Arqueologia propôs-se e a sugestão foi aceite, montar uma exposição na Galeria Almada Negreiros, um espaço cultural existente no rés-do-chão da Secretaria de Estado da Cultura, então localizada na Avenida da República ao lado do conhecido restaurante Galeto e normalmente monopolizado pelas “artes plásticas” contemporâneas. Num tempo quase record foi possível conceber e montar uma exposição que procurava mostrar os resultados conseguidos por este sector e sobretudo justificar a pertinência dos Serviços Regionais de Arqueologia, então os únicos serviços descentralizados da área da cultura, o que levantava dúvidas e críticas noutras áreas então menos dinâmicas. E de facto, a exposição, embora contando com contribuições significativas do próprio Departamento, nomeadamente da nova área da Arqueologia Subaquática e do Serviço Regional do Centro dirigido pelo José Beleza Moreira (recordo a apresentação de um grande sarcófago medieval em pedra de Ançã, escavado num grande cipo romano, proveniente de uma escavação de emergência daquele serviço e cujo transporte levantou dificuldades logísticas significativas), estruturou-se em torno de duas exposições que apresentavam os resultados de acções dos próprios serviços Regionais: “Uma Sepultura Romana de Bracara Augusta”, organizada pelo Serviço do Norte, em colaboração com a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, serviço que era então dirigido pelo Francisco Sande Lemos; e “O Depósito Votivo da II Idade do Ferro de Garvão” uma exposição organizada pelo Serviço Regional de Arqueologia do Sul, dirigido pelo Dr. Caetano Melo Beirão e que contava com a colaboração do Museu de Arqueologia de Setúbal.

A exposição “5 anos de arqueologia do IPPC”, realizada há quase 30 anos, contava com uma pequena brochura de apoio cujo download pode aqui ser feito.

https://www.academia.edu/attachments/36755292/download_file?st=MTQyNDg4MzM3OSw4My4yNDAuMTQ0LjQsMTg0OTM5&s=work_strip

Aproveito também para divulgar algumas fotos inéditas de 20 de Novembro de 1986 que registam o acto da inauguração, muito concorrida, nomeadamente pelos colegas da SEC que trabalhavam nos gabinetes dos restantes andares do edifício da Avenida da República.

Parte da equipa de montagem do Departamento de Arqueologia do IPPC. O malogrado Carlos Jorge Ferreira, a Susana Correia (actualmente na DRCALEN) e a Ana Isabel Santos (hoje no MNA)

Na inauguração. Reconhece-se em primeiro plano o Guilherme Cardoso falando com o Fernando Lourenço e mais a trás o António Cavaleiro paixão, falecido o ano passado.
 Em primeiro plano de novo o Carlos Jorge, o Carlos Fabião e o José Beleza Moreira, então director do Serviço Regional de Arqueologia do Centro

António Carlos Silva conversando com o pré-historiador americano Anthony Marks e com Fernando real. Mais atrás reconhece-se o falecido (2013) jornalista José Roby Amorim, que nas páginas do Século e de outros órgãos de comunicação tratava com regularidade de assuntos de património e arqueologia.



segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O colega americano que não conheci
David A. Breternitz (1929-2012)



Quando em Maio de 1996, após uma passagem de alguns meses pela Comissão Instaladora do IPA (Instituto Português de Arqueologia), assumi a convite da EDIA, o desafio de pôr em marcha um “Plano de Minimização dos Impactos Arqueológicos do Alqueva”, não partia do zero. De facto desde as minhas antigas funções no IPPC no Departamento de Arqueologia (1980-88) passando depois pelo Serviço Regional de Arqueologia do Sul (1988-1990) e Direcção Regional do IPPAR (1990-1996), que me tinha ocupado do dossier Alqueva, um mega-empreendimento que muito preocupava os arqueólogos desde que começara a ser concebido nos anos 60 do século passado. Instalado com uma pequena equipa em Mourão, numa antiga escola preparatória, os primeiros tempos seriam essencialmente dedicados à recuperação e tratamento da documentação e materiais entretanto acumulados desde que Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares haviam participado no início dos anos 80 no primeiro Estudo de Impacto Ambiental. Paralelamente começamos a preparar um Plano de trabalhos de salvamento arqueológico em larga escala que viria ainda nesse ano a ser submetido à Administração da EDIA e à tutela da Arqueologia. Naturalmente, para um projecto com a dimensão do Alqueva, pouca ou nenhuma experiência havia em Portugal, até porque a legislação sobre Avaliação de Impactes, relativamente recente e remontando apenas à entrada de Portugal na CE, estava longe de ser uma prática corrente e minimamente consequente. Por outro lado o exemplo mais próximo, acontecido com a construção da Barragem do Côa, revelara-se desastroso pelas razões conhecidas. Daí que, uma das minhas primeiras preocupações, esquecendo o exemplo da Barragem de Assuão (muito distante do Alqueva em todos os aspectos) foi procurar exemplos que nos ajudassem a tomar opções minimamente informadas. Não foi certamente pela INTERNET, ainda muito pouco difundida à época, que tomei então conhecimento de um grande projecto desenvolvido entre 1978 e 1986 nos Estados Unidos, o DOLORES ARCHAELOGICAL PROGRAM (DAP) e do qual obtivera referencias elogiosas. Suponho que tal informação me fora transmitida pessoalmente por Nicholas Stanley-Price, um arqueólogo muito ligado á gestão de sítios arqueológicos que conhecera anos antes num colóquio organizado pelo ICCROM em Chipre e que esteve algumas vezes em Portugal em apoio técnico á candidatura do Parque Arqueológico  do Côa, a Património da Humanidade. Resolvi por isso escrever ao responsável do DAP, o arqueólogo David A. Breternitz, que me respondeu quase na volta do correio, com uma amável carta que pela primeira vez, tenho a oportunidade de divulgar. No mesmo correio, enviava-me uma cópia do seu último trabalho sobre o projecto “The Dolores Archaeological Program: In memoriam”, publicado na American Antiquity em 1993 e que nessa fase de intenso planeamento seria para mim um inseparável guia de cabeceira. Este é um assunto ao qual não deixarei de voltar. Até porque se nalguns aspectos, nomeadamente no que respeita à divulgação científica, o Projecto Alqueva (na sua componente “Barragem”) ainda que com atraso, atingiu os objectivos programados, já noutros domínios, nomeadamente na repercussão dos resultados em relação ao grande público (um dos grandes sucessos do DAP, graças ao Ananazi Heritage Center então instalado) se ficou no Alqueva muito aquém do que o investimento realizado exigiria. A razão da presente nota, é sobretudo sentimental. Usando há dias a Internet, o tal instrumento que não dispúnhamos em 1996, resolvi fazer uma pesquisa para saber o que era feito do meu “colega americano”, David A. Breternitz. Descobri então, por uma notícia de um jornal local, que falecera em 2012, em Dove Creek, a localidade para onde se mudara em 1978 quando fora nomeado pela Universidade do Colorado para dirigir o o projecto Dolores e na qual ficaria após a sua aposentação em 1986, no final dos trabalhos arqueológicos. Aqui fica, pois, a minha pequena homenagem póstuma.


O Anasazi Heritage Center, fundado no âmbito do "Dolores Archaeological Program" para albergar os registos e espólios recolhidos e para servir de centro de interpretação do património arqueológico da região.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015


Uma visão pouco comum da Gruta do Escoural

Quando apareceu a edição portuguesa da National Geographic, (há cerca de uma década e meia?) tornei-me de imediato assinante. Conhecia há muito a edição americana e tinha mesmo vários exemplares guardados entre os meus livros, normalmente sobre temas arqueológicos. (Lembro em particular uma capa dos anos 80, com uma imagem holográfica de um Australopiteco). Hoje, por nenhuma razão em especial, já não assino a NG mas passei o interesse para a minha filha e sempre que a visito não deixo de dar uma espreitadela ao último exemplar que anda lá por casa e que ela, com o trabalho e as filhas, mal tem tempo de folhear. Há certamente variadas razões para este interesse e gosto, uma das quais, certamente, tem que ver com a tradicional qualidade da ilustração científica com fins didácticos. Daí que, foi com verdadeiro entusiasmo e expectativa que há algumas semanas recebi um email do Gonçalo Pereira (que não conhecia), o responsável da edição portuguesa, propondo ao meu serviço a ideia de concepção e publicação de uma "infografia" sobre a Gruta do Escoural. O Gonçalo visitara recentemente a Gruta como turista e concluíra que valeria a pena divulgar este sítio com características únicas na nossa Arqueologia, nas páginas da revista. Aceite a proposta e fornecidos os elementos que nos foram solicitados, foi um prazer ver nascer e desenvolver um projecto gráfico que sem pôr em causa o rigor da informação, torna acessível ao leitor comum, uma imagem bastante próxima da realidade. O resultado final está em papel nas bancas no nº de Fevereiro (o tema de capa são as "Auroras Boreais") e os mais interessados certamente ainda o poderão encontrar à venda.






A cerca de cinco quilómetros de Santiago do Escoural, no concelho de Montemor-o-Novo, localiza-se a gruta do Escoural, um dos santuários mais exuberantes da arte parietal pré-histórica em Portugal. Foi descoberta acidentalmente em 1963 e acompanhou as próprias vicissitudes do estudo arqueológico em Portugal. Estudada em início de carreira pelo arqueólogo Farinha dos Santos, que se ocupou da escavação da necrópole neolítica no seu interior, despertou em 1965 o interesse do abade Glory, estudioso de Lascaux, que publicou em França um estudo notável, apesar de apenas ter estado três dias na região. Um projecto de documentação foi travado pela morte de Glory em 1966 e, apesar de descobertas pontuais de novos signos, a gruta só voltou a ser investigada após 1977, quando Farinha dos Santos, Jorge Pinho Monteiro e Mário Varela Gomes conduziram trabalhos no local, incluindo escavações num povoado da Idade do Cobre existente sobre a gruta, permitindo a descoberta de um conjunto de gravuras datadas do Neolítico. João Luís Cardoso, entretanto, estudou a fauna paleontológica que ocupou a cavidade, encontrando vestígios de hiena e leão-das-cavernas. Após 1989, António Carlos Silva, M. Otte e Ana Cristina Araújo dirigiram novos trabalhos de escavação, confirmando uma primitiva ocupação do local pelo homem de Neanderthal e identificando novas expressões artísticas. O último trabalho de fôlego no Escoural não foi científico: a requalificação do espaço pelo arquitecto Nuno Simões, há muito necessária, melhorou as condições de visita desta câmara de acesso ao Paleolítico Superior e ao epipaleolítico. A investigação, entretanto, tem novas fronteiras: conseguirá a tecnologia no futuro datar com mais precisão o impressionante conjunto artístico do Escoural?

https://www.youtube.com/channel/UCrC9ff-GP5v1y8RMkvkGarg

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015




Arqueologia no Vale do Tejo



Numa altura em que represento a DRCALEN junto do Museu Nacional de Arqueologia no contexto de um projecto expositivo comum ainda em maturação mas que julgo será do máximo interesse para o Alentejo, caso se venha a concretizar como esperamos, aproveito para recordar uma aventura de há quase três décadas atrás, quando dirigia o Departamento de Arqueologia do IPPC.

Uma exposição produzida em tempo record para o átrio da Fundação Calouste Gulbenkian, por ocasião de um Congresso multidisciplinar sobre o Tejo, respondendo a um desafio da respectiva comissão promotora. E não se tratou apenas de uma exposição documental, bem pelo contrário. Apesar dos escassos meios foi possível congregar as boas vontades de muita gente, em particular como é habitual nestes projectos, das autarquias interessadas e mostrar em Lisboa materiais arqueológicos de todo o vale. Recordo que, julgo pela primeira vez, estiveram expostos materiais de uma necrópole romana, incluindo vidros muito raros, que havia sido escavada décadas antes pelo Dr. João Bairrão Oleiro, no Rossio de Abrantes. Apesar do curto tempo de duração da abertura ao público (1 a 18 de Outubro de 1987) da iniciativa perdurou um pequeno livro/catálogo sobre a Arqueologia do Vale do Tejo, que ainda é possível encontrar à venda na Loja da DGPC. Uma nota final. Apesar da colaboração empenhada de toda a equipa do Departamento à época, destacou-se nesta iniciativa a Filomena Barata, no que terá sido um dos primeiros projectos de museografia arqueológica em que participou. Aproveito esta nota para tornar acessível a "folha de sala" que na altura se disponibilizava aos visitantes, bem como algumas fotos que documentam o evento.

No dia da inauguração (1 de Outubro de 1987), o Presidente da Câmara Municipal de Vilva Velha de Ródão, Professor José Batista Martins (já falecido) e Luis Raposo, entre outros.



António Carlos Silva guiando a visita inaugural. Ao centro o conhecido historiador José Hermano Saraiva, entre outros.

O meu antigo colega do Departamento de Arqueologia, Fernando Lourenço (de bigode)



José Hermano Saraiva conversa com Farinha dos Santos

Ainda José Hermano Saraiva


Luis Raposo à conversa com Rui Parreira





Aspectos dos trabalhos de montagem. Nas fotos, Isabel Costeira entre outros colegas do IPPC












quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015


Algumas notas para a história da aplicação dos GIS à Arqueologia, em Portugal

à memória da Arquitecta Helena Rua

O anúncio no FACEBOOK de um workshop a realizar na Amadora, mais concretamente no Núcleo Museográfico do Casal da Falagueira, versando os “sistemas de Informação Geográfica aplicados à Arqueologia”  (http://www.cm-amadora.pt/noticias-cultura/1456-28-de-fevereiro-workshop-sobre-sig#.VNkqX9eOvGg.facebook) foi o “clique” para memórias várias, já com alguns anos. Primeiro porque afinal a Amadora, é a minha segunda terra. Depois porque, desde cedo as questões de cartografia arqueológica me interessaram, tendo até, por mero acaso, protagonizado um dos primeiros casos de aplicação do GPS (hoje tão vulgarizado) à Arqueologia. Finalmente, porque este anúncio, quase coincidiu com a inesperada e funesta notícia do desaparecimento da Arquitecta Helena Rua, uma das primeiras investigadoras a aprofundar em Portugal as potencialidades dos GIS (Sistemas de Informação Geográfica) nas suas aplicações à Arqueologia, tema que desenvolveu na sua tese de Doutoramento: Os Sistemas de Informação Geográfica na Detecção de Villae em Meio Rural no Portugal Romano: Um Modelo Preditivo, defendida em 2004 no Instituto Superior Técnico, onde lecionava.

De facto em 1993, no âmbito de um projecto de cartografia arqueológica que levava a cabo na zona de Arraiolos com o José Perdigão, por sugestão do Prof. António Lamas, meu antigo Presidente no IPPC e na altura Professor no Instituto Superior Técnico,  tive ocasião de ter a colaboração no terreno de uma pequena equipa de estudantes daquele Instituto, orientados pelos Engenheiros Geógrafos João Matos e Miguel Baio. Durante alguns dias procedemos ao posicionamento de algumas dezenas de sítios arqueológicos, com recurso ao GPS, para mim então uma novidade. Estávamos numa altura em que estes equipamentos eram ainda raros e caríssimos e cujo correcto uso, implicava o domínio de informação e meios técnicos pouco acessíveis, nomeadamente aos arqueólogos, oriundos do mundo das humanidades. Basta lembrar que para se obter um pocisionamento exacto (com erro de poucos centímetros), em tempo real, era necessário trabalhar com duas antenas, uma das quais deveria estar posicionada sobre um local de coordenadas conhecidas (normalmente um marco geodésico). Desse trabalho resultou uma apresentação em congresso, no que possivelmente será um dos primeiros trabalhos de aplicação arqueológica do GPS em Portugal. (Posicionamento de Sítios de Interesse Arqueológico com GPS- J.L.Matos; A.C.Silva; M.Baio Dias;J.Perdigão- Encontro de Utilizadores de Sistemas de Informação Geográfica Estoril, 1993). Ainda neste novo domínio, no âmbito das minhas funções no antigo IPPAR, tive pouco depois oportunidade de colaborar com o Prof. Ribeiro da Costa, da Universidade Nova, nos primeiros passos do que viria a ser o ENDOVÉLICO, posteriormente desenvolvido no IPA e hoje continuado na DGPC, como a grande e indispensável base de dados georeferenciados da Arqueologia portuguesa. Mas seria no projecto do Alqueva que viria na prática e em concreto, a recorrer a estes novos meios de gestão da informação georeferenciada, ainda que essencialmente numa perspectiva preventiva e não “preditiva” (Aplicação dos SIGs à minimização dos Impactes Arqueológicos- a experiência de Alqueva, Actas do 3º Congresso de Arqueologia Peninsular, António C. Silva e José Perdigão, Porto, ADECAP, V. X, p.151-174).


Os equipamentos usados em Arraiolos, nos trabalhos de campo de 1993 (o receptor e as antenas, devidamente posicionadas)

É em tudo isto que o nome da Helena Rua surge, ainda que quase não nos conhecêssemos. Era casada com o Arquitecto Pedro Fialho, falecido professor da Faculdade de Arquitectura de Lisboa, e com quem muito privei, quer a quando das suas participações nos trabalhos de estudo do Templo Romano de Évora dirigidos por Theodor Haushild, quer finalmente como membro da comissão científica que entre 1997 e 2002, acompanhou todos os trabalhos de salvamento arqueológico que através da EDIA coordenei no Alqueva. Não tive pois oportunidade de conhecer do mesmo modo a Helena Rua, mas quando através do texto de homenagem do José d’Encarnação (que aqui deixo com a devida vénia), soube do tema da sua dissertação, acabei por recordar um já antigo encontro. Ela, certamente já no âmbito dos trabalhos preparatórios da sua tese, ter-me-á procurado para obter dados sobre a minha experiência de GIS no Alqueva. Não posso já precisar a data, mas foi certamente depois de 1998, porque me ofereceu um exemplar da sua tradução dos Dez livros de Arquitectura de Vitrúvio, publicado naquele ano e que guardo entre os meus livros. Por fim, completando a lista de coincidências, tenho que recordar que a Arquitecta Helena era Professora no Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Técnico e colega dos Engenheiros que há quase um quarto de século, me introduziram neste mundo dos sistemas de informação geográfica que ela tão bem viria a explorar.




Os trabalhos de 1993 em Arraiolos, no terreno e no Gabinete



In memoriam da Arquitecta Helena Rua 

José d’Encarnação

                Maria Helena Neves Pereira Ramalho Rua nasceu a 5 de Dezembro de 1963. A morte colheu-a, pois, com apenas 51 anos, ontem, 3 de Fevereiro, em Oeiras (onde residia), na sequência de uma doença que a atormentava mas que fez questão em guardar para si, nem sequer a revelando ao filho, André, a quem apresentamos os nossos mais sentidos pêsames.
                Professora auxiliar, desde 6 de Outubro de 2009, no Instituto Superior Técnico (Secção de Arquitectura - Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos), aí leccionava Modelação Geométrica e Visualização de Edifícios,  Geometria Descritiva e Harmonização. Chegou a publicar Os Dez Livros de Arquitectura de Vitrúvio (Dezembro de 1998).
                Entusiástica colaboradora nas campanhas de escavação de Freiria, inclusive como membro da Associação Cultural de Cascais, nesse sítio arqueológico (cujo estudo muito lhe deve) integrou a equipa de arquitectos que, sob orientação de seu marido, o Arquitecto Pedro Fialho, também ele já falecido, procedeu ao minucioso levantamento das estruturas e ao desenho meticuloso das fases da escavação.
                Foi a partir daí que se interessou vivamente pela aplicação à Arqueologia de modelos informáticos com vista à reconstituição de edifícios, nomeadamente arqueológicos, tendo chegado mesmo a conceber, com um dos seus colaboradores (Pedro Alvito), um jogo de ‘visita’ à villa romana de Feriria, sobre que viriam a fazer, em Marco de 2009, a comunicação «Reliving the Past: 3D models and Virtual Reality as Supporting Tools for Archaeology and the Reconstruction of Cultural Heritage: The Case Study of the Roman Villa of Freiria», na 37th CAA2009 Annual Conference Computer Applications and Quantitative Methods in Archaeology, Making History Interactive, em Williamsburg.
                Aliás, a dissertação de doutoramento, que defendeu em Outubro de 2004, também versara sobre esse tema: Os Sistemas de Informação Geográfica na Detecção de Villae em Meio Rural no Portugal Romano: Um Modelo Preditivo. Assim como um dos seus mais recentes artigos: «Detecção automática de villæ em meio rural no Portugal Romano», Al-madan, II Série (nº15), Dezembro de 2007, p. 21-27.
                As comemorações do centenário das Linhas de Vedras levaram-na a interessar-se pela sua problemática, sobre elas tendo elaborado alguns inovadores estudos dados a conhecer em comunicações e em artigos publicados em revistas portuguesas e estrangeiras, como é o caso de «Assessment of the Lines of Torres Vedras defensive system with visibility analysis», publicado no Journal of Archaeological Science, 40(4), Abril de 2013, p. 2113-2123, ou de «Modelação geográfica da permeabilidade do sistema defensivo das Linhas de Torres», comunicação apresentada ao I Encontro sobre Arqueologia e Museologia das Guerras Napoleónicas em Portugal, (Loures, Setembro de  2014).
                Deixa-nos Helena Rua quando ainda muito havia a esperar do seu magistério e dinamismo. Recordá-la-emos sempre como a amiga bem disposta e disponível, irradiando alegria.
                Que descanse em paz!

                                                                                                                             

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015



Ponte Velha da Fragusta sobre a Ribeira de Tera 
(Vimieiro-Arraiolos)



Há década e meia, numa época em que estava envolvido no Projecto do Alqueva, tive oportunidade de elaborar para a Junta de Freguesia do Vimieiro (Arraiolos), a título gracioso, um pequeno relatório sobre uma ponte antiga que desconhecia e que tinha sido precisamente alguém do próprio executivo da Junta que me dera a conhecer. Julgo que desse relatório não resultaram, infelizmente, consequências. Eu próprio não tive ocasião de visitar de novo este local, se bem que tenha alguma curiosidade em avaliar e comparar, passado todo este tempo, o actual estado do mesmo. De referir que em minha opinião, e conheço bastantes pontes antigas, é um dos monumentos mais impressionantes no seu género no Alentejo, atendendo em particular ao facto de não ter sido objecto de grandes alterações enquanto esteve a uso. Para memória futura e eventual comparação, caso alguém um dia destes tenha oportunidade de passar na Fragusta, aqui deixo algumas notas e elementos gráficos recuperados do referido Relatório que, naturalmente, está inédito.


Assim conhecida por se encontrar junto à Herdade do mesmo nome, passou a ser designada pelo adjectivo de “velha”, provavelmente a partir de 1976, data da inauguração da nova ponte rodoviária construía pela JAE, algumas centenas de metros a jusante, na estrada do Vimieiro para a Casa Branca e Sousel.

A Ponte Velha da Fragusta bem visível no Google Earth  (38º52´45.77 N - 7º49'03.84 O)

A Ponte da Fragusta, situa-se na freguesia do Vimieiro, cerca de 5km a Norte da sede da Freguesia, sobre a Ribeira de Tera. Fazia parte de uma importante estrada, bem destacada na carta 1:100 000 de 1871, que vinda de Évora em direcção a Évoramonte passava ligeiramente a Leste do Vimieiro, dirigindo-se a Norte: Casa Branca, Sousel, Fronteira e Alter do Chão. A ligação do Vimieiro, antiga sede de município, a esta importante via fazia-se através de um antigo caminho que saindo da povoação em direcção a Leste, passava junto à arruinada capela de São João, entroncando na estrada Norte/Sul, no sítio da “canada”. A persistência deste topónimo, nomeadamente na actual  CMP 1:25 000 reflecte a importância desta antiga estrada e respectiva passagem da Ribeira, nomeadamente no contexto das antigas movimentações sazonais dos gados entre as planícies do Baixo Alentejo e as zonas montanhosas beirãs. A ponte propriamente dita, situa-se numa zona de encaixe rochoso da Ribeira, particularmente declivoso a Sul, o que apesar da considerável largura do vale, evitava a submersão dos acessos mesmo em épocas de maior invernia. Não muito longe, a montante da velha ponte, conservam-se as ruínas de um velho moinho ou azenha, numa associação muito comum, demonstrando a importância de estradas e pontes na estruturação das actividades económicas locais.
A Ponte vista de jusante (cima) e montante (baixo), com os talha-mares com sinais de "descolamento"

A Ponte Velha da Fragusta é uma sólida construção em alvenaria de xisto, não rebocada, estruturada por seis arcos quebrados, constituídos por lajes de xisto justapostas em cutelo e cobrindo umvão de aproximadamente 60 metros. Cinco dos arcos apresentam dimensões equivalentes, com cerca de 4m de flecha por 4 de largura na base, sendo o sexto arco no encosto à margem Norte de menores dimensões, por adaptação à topografia. O interior dos arcos apresenta ainda vestígios de argamassa de cal, pontualmente mostrando reparações relativamente recentes. O corpo da ponte encontra-se reforçada a montante por quatro robustos talha-mares em forma de prismas rectangulares de base triangular, provavelmente acrescentos à estrutura original, dados os sinais de “destaque” provocados pela vegetação infestante. O tabuleiro mostra ainda vestígios da calçada e apresenta uma largura de útil de 2,5 metros, e é ladeado por guardas ainda relativamente bem conservadas.

Vistas de jusante.


Ao contrário do que infelizmente é habitual em estruturas deste tipo, já não usadas, o estado geral de conservação é ainda razoável embora evidenciando sintomas preocupantes de início do processo de degradação. A inexistência de vestígios de fendilhação no intradorso dos arcos e a conservação das guardas, são os aspectos que contribuem para o diagnóstico de aparente solidez. A sua maior ameaça, resulta da falta de uso e consequente falta de manutenção. Aliás , a insensibilidade local para com o monumento, traduziu-se há alguns anos na destruição intencional da zona de encosto Sul do tabuleiro, única e exclusivamente para fazer passar uma vedação da propriedade vizinha.