quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015


Reflexões sobre a percepção humana do tempo

Michel Brézillon e André Leroi-Gourhan


Sigo com regularidade o blog "Avenida Salúquia 34" do meu colega e amigo Santiago Macias, actual Presidente da Câmara da sua Moura natal. Li com particular interesse, uma sua recente reflexão sobre a passagem do tempo à escala da vida humana e as suas consequências  nos relacionamentos inter-geracionais (http://avenidadasaluquia34.blogspot.pt/2015/02/quando-luz-se-apaga.html). A esse propósito, recordei dois episódios pessoais separados por quase meio século. 

Comecemos pelo mais antigo. No Verão de 1973, ainda estudante universitário, tive oportunidade, com alguns colegas da Faculdade de Letras (o Francisco Sande Lemos, a Manuela Martins e o João Ludgero) de participar durante um mês nas escavações de Pincevent, importante sítio "magdalenense" (Paleolítico Superior) algures nas margens do Sena, ao Sul de Paris . As escavações, dirigidas por André Leroi-Gourhan (1911-1986) e Michel Brézillon (1924-1993), eram uma referencia quase mundial no que respeita à metodologia arqueológica de campo no quadro da Pré-história antiga e congregavam toda uma equipa altamente especializada em torno do Mestre Leroi-Gourhan. Para além do trabalho de campo e do habitual apoio à logística típica de um "chantier-école", sobrava tempo para profícuas conversas, aspecto em que os investigadores franceses, a começar pelo próprio Leroi-Gourhan, não se faziam rogados. No entanto, era notório que para os nossos anfitriões, a arqueologia pré-histórica portuguesa, para além dos concheiros mesolíticos de Muge, mundialmente famosos desde o Congresso Internacional de Lisboa de 1880, terminavam nas pesquisas dos anos 40, conduzidas nos nossos terraços quaternários, pelo famoso arqueólogo francês Henri Breuil (1877-1961) e Georg Zbyszewski (1909-1999), geólogo estabelecido em Portugal desde os anos 30. Até aqui tudo normal, mas recordo como se fosse hoje, o espanto dos muito bem informados colegas franceses quando, pelo diálogo connosco, se deram conta de que Zby (como era conhecido no meio arqueológico português) estava vivo e profissionalmente activo em Portugal. De facto, para os franceses, na falta de outras referências, Zbyszewski parecia já um nome clássico de um passado arqueológico distante... Mal sabia eu, nesse distante Verão de 73, que uma década depois ainda viria a conviver profissionalmente com Zby, no contexto das várias comissões de arqueologia que, na sequência do 25 de Abril, substituiriam a subsecção de arqueologia da extinta Junta Nacional de Educação. 
Georg Zbyszewski

Henri Breuil


Passemos ao segundo e recente episódio na origem destas memórias. Ao pesquisar dados que necessitava na Internet, dei-me a certa altura conta de que uma figura com algum destaque na arqueologia portuguesa nos anos 60 e que eu julgava há muito desaparecida, estava afinal viva ainda que necessariamente com idade bastante avançada. Mais grave ainda, em recente trabalho publicado, em que a propósito do tema, me refiro expressamente à actuação deste arqueólogo, inadvertidamente, quase que dou a entender que o personagem em causa já não está entre nós. Talvez porque, na minha percepção do tempo, ele faz parte de uma Arqueologia que ainda conheci mas que já não existe há muito. Tal como para os meus colegas franceses, para quem Henri Breuil, que alguns ainda haviam conhecido, era já um nome clássico de uma época desaparecida.

De facto, não pude deixar de pensar em tudo isto, ao ler no blog do Santiago, ainda que num contexto completamente diverso,Aquele senhor, que eu pensava desaparecido neste mundo, está na casa dos 80, eu passei os 50. O tempo acelera-se, com o passar dos anos. Um fenómeno de perceção, incompatível com a medição dos relógios".

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