quarta-feira, 30 de março de 2016

As grutas gémeas de Maltravieso (Cáceres) e Escoural (Montemor-o-Novo)



A Gruta de Maltravieso, "pedreira para cal", nos anos 50 do Século XX

A recente visita ao Escoural de Hipolito Collado, arqueólogo da Junta da Extremadura e responsável científico pela Gruta de Maltravieso, para além de ajudar a perspectivar próximas colaborações transfronteiriças em torno dos dois sítios "vizinhos e afins", recordou-nos que estamos afinal perante duas cavidades que, sob um olhar "antropogénico", poderíamos quase considerar como “irmãs gémeas”, tendo em conta as circunstancias da sua descoberta, a sua natureza e até o seu destino arqueológico. Se não vejamos…


A Gruta do Escoural, "pedreira de mármore", nos anos 60 do Século XX
Ainda que a sua descoberta esteja separada por uma década (Maltravieso 1951, Escoural 1963), em ambos os casos o achado foi fortuito, resultando da exploração de pedreiras calcárias.  No caso Extremenho, para o fabrico de cal, no caso do Alentejano, para a extração de blocos de mármore.  Nas duas situações o que alertaria os trabalhadores para a natureza arqueológica dos achados seria a presença de esqueletos e cerâmicas antigas, denunciando a existência de uso funerário das cavidades que os arqueólogos, em ambos os casos, atribuiriam posteriormente ao período Neolítico tendo em conta os materiais recolhidos. Ainda que outros factos venham a aproximar de novo as duas grutas, a sorte imediata após a descoberta foi, no entanto, bem diversa. No caso de Maltravieso, pese embora os alertas dos arqueólogos, em particular de Carlos Callejo Serrano, um erudito local, a exploração da pedreira continuaria ainda por vários anos levando mesmo à destruição da sala inicialmente descoberta. No Escoural, porém, a actuação decidida do Arqueólogo Manuel Farinha dos Santos, com o apoio de Manuel Heleno, o “poderoso” e “influente” director do Museu Etnológico, levaria à rápida desactivação da pedreira. Numa fase inicial, e com parecer favorável dos Serviços Geológicos de Portugal (G. Zbyzewski e O.Veiga Ferreira) esta ainda laboraria numa frente alternativa (a Nascente da actual entrada), mas após a classificação da Gruta como Monumento Nacional (ainda em 1963, seis meses após a descoberta, o que deve ser um “record” absoluto…) a pedreira seria definitivamente abandonada. Por comparação e coincidência, refira-se que Maltravieso apenas seria classificada como Monumento Histórico nesse mesmo ano de 1963. Mas nem esse facto melhorou a respectiva situação, tendo continuado a construção na sua envolvente, facto que faz hoje de Maltravieso um caso raro de “gruta pré-histórica localizada em pleno meio urbano” (Cáceres) com todos os problemas que isso acarreta.

Localização da Gruta de Maltravieso, actualmente em plena área urbana de Cáceres


Uma outra singularidade partilhada por ambas as cavidades encontra-se na presença de vestígios rupestres paleolíticos, cuja descoberta seguiu passos semelhantes. Em ambos os casos, esse reconhecimento foi posterior às primeiras pesquisas arqueológicas e a respectiva notícia recebida com algum cepticismo pelas respectivas comunidades arqueológicas, dado o afastamento geográfico destas duas grutas relativamente aos grandes centros de arte paleolítica cantábrico-pirenaicos.  Ainda assim no caso de Maltravieso pouco depois da notícia da existência de arte rupestre, grandes nomes da Arqueologia espanhola como Martin Almagro ou Francisco Jordá Cerda (uma figura que conheci pessoalmente em circunstancias muito gratificantes ver aqui), confirmariam a importância do achado  (1956-59) o que daria a Maltravieso o título de gruta com arte paleolítica mais Ocidental da Europa, título que pouco depois perderia para o Escoural. Já no caso da gruta alentejana, apesar de Farinha dos Santos ter anunciado a descoberta de arte rupestre em 1964, quer na imprensa (Diário de Notícias de 20/7/1964), quer em revista científica (O Arqueólogo Português, 1964), na falta de antecedentes nacionais, seria necessário esperar pela visita em 1965 do arqueólogo francês André Glory (estudioso de Lascaux que  Maltravieso) para a aceitação geral da respectiva datação paleolítica.
(sobre A.Glory e o Escoural ver aqui)
André Glory (ao centro) na Gruta do Escoural, em 1965

Martin Almagro, Callejo Serrano e Francisco Jordá Cerdá em Maltravieso (1959?)



Já no que respeita à situação presente, ainda que seja possível mais uma vez encontrar pontos comuns, o cenário é algo distinto. Curiosamente, em ambos os casos, os processos de concepção, instalação e abertura de Centros Interpretativos, foi praticamente contemporâneo (neste campo as "modas" também são transfronteiriças). 1999 no caso Extremenho e 2000, no caso alentejano. A grande diferença residiu, no entanto, na localização. No caso do Escoural a opção passou pela localização do CI na povoação vizinha de Santiago do Escoural, a 3 km de distância da Gruta (opção compreensível com algumas vantagens e outras tantas desvantagens), já no caso de Maltravieso, o CI está localizado junto à própria Gruta. A grande diferença a nível da ligação ao público e que resulta das circunstancias de conservação que são bem diversas em ambos os casos, reside no facto da Gruta de Maltravieso estar há muito encerrada ao público. Já a Gruta do Escoural, ainda que com limitações, continua a ser possível ser visitada (há no entanto que, previamente proceder à respectiva marcação).

Os vídeos de Maltravieso 

sexta-feira, 25 de março de 2016

"DIA SANTO NO CROMELEQUE"~



É desde sempre do interesse dos arqueólogos que o público tenha acesso aos resultados do seu trabalho. De algum modo, é essa interação com os outros, que dá sentido à pesquisa arqueológica, pese embora o prazer que cada um possa retirar da descoberta e do estudo dos vestígios do passado. Não estou directamente ligado à investigação feita nos Almendres, embora por motivos vários (técnicos, administrativos e até políticos) a sua sorte me interesse há pelo menos 3 décadas. Seria pois normal que situações como a que acabo de viver hoje fosse razão para um imenso júbilo não fosse o terrível reverso da medalha. É impossível calcular quantos visitantes o Cromeleque dos Almendres terão recebido hoje, mas pela amostra que observei entre as 11 e as 12h desta manhã, terão sido seguramente muitas centenas senão mesmo alguns milhares. É certo que o dia, soalheiro e feriado (sexta feira santa), com muitos turistas espanhóis de férias, é propício. Mas de facto não recordo tanto carro, carrinha e aut-caravana, a ir e vir do Cromeleque, quase em fila cerrada, para não falar já dos muitos que a pé e com todos os inconvenientes da poeira se aventuravam também a caminho deste sítio que hoje já pouco tinha de verdadeiramente "mágico" ou "sagrado"... mais parecendo uma feira, com todo o respeito por estas...

Que outro sítio arqueológico do país, (a excepção será naturalmente Conimbriga) atrai hoje tanta gente como os Almendres apesar da (quase) total ausência de um mínimo de controle e organização e (felizmente) apesar de um acesso que não é propriamente muito convidativo (4 Km x2, de um estradão muito irregular e poeirento)? A monumentalidade e singularidade do sítio e, mesmo assim, alguma preservação ambiental (muito prejudicada em dias como o de hoje), a par da divulgação feita pelos próprios visitantes (graças também às redes sociais) explicam certamente esse "sucesso". Mas infelizmente, não evitam nem minimizam os efeitos negativos do excesso de visitantes (já há muito observado na erosão do solo) e sobretudo não previnem eventuais actos de vandalismo, sejam estes resultantes de alguma ignorância cultural ou mesmo de espírito destrutivo, puro e duro. As fogueiras, o despejo de lixo ou mesmo algum "grafitismo" criminoso nos menires, começam a ser demasiado frequentes e não podem ser ignorados. Para já não falarmos na atração que estes sítios representam para os amigos do alheio e que as crescentes queixa na polícia mostram estar em crescendo.

Que fazer pois para minimizar os aspectos mais negativos de uma situação que, em princípio deveria ser considerada como uma mais valia para a cultura, o património e até para o desenvolvimento local e regional? Naturalmente tenho as minhas próprias opiniões sobre o assunto que tenho defendido junto dos, em pincípio, principais interessados. Proprietários (sim o monumento e não apenas o "terreno", à face da lei portuguesa, é privado! apesar de ser Monumento Nacional), tutela do património (MC/Direção Regional de Cultura), autarquias (Câmara e Junta de Freguesia) e julgo que, brevemente poderá haver sobre este tema algumas novidades. Mas por agora resta-nos esperar que nada de grave aconteça ao monumento ou aos milhares de visitantes que, fora de qualquer regra ou controle, o continuam a procurar todos os dias, muito para além das "enchentes" de dias feriados ou santos.












quarta-feira, 23 de março de 2016

A Arqueologia e Júlia Pinheiro, uma relação inesperada...



Referi em anterior entrada neste blog que a revista ALMADAN editada pela associação "Centro de Arqueologia de Almada" desde 1982 (nesse ano, em Novembro foi publicado o seu númeo "0") é um caso único no panorama da edição patrimonialista em Portugal, sobretudo se tivermos em conta que se trata de um projecto completamente autónomo, quer do Estado quer de interesses ou grupos económicos. Um projecto inequivocamente de cidadania e que no seu conjunto consultar o seu índice geral  representa uma fonte única de informação sobre a a história da arqueologia portuguesa nas últimas décadas, acompanhando a par e passo o grande salto qualitativo e quantitativo que esta actividade conheceu a partir da década de 80 do século passado e no qual a minha geração teve a sorte de estar directamente envolvida.

A esse propósito e rebuscando nas memórias já distantes dos primeiros números da ALMADAN reencontrei no nº 1 (1983) uma colaboração minha para a revista, em forma de entrevista, e que tem duas curiosidades. A primeira pelo facto de ser uma reflexão, em cima dos acontecimentos, sobre as mudanças em curso na administração da actividade arqueológica, resultante da dinâmica introduzida por Francisco Alves a partir do final de 1980 como responsável quer pelo Museu Nacional de Arqueologia quer pelo Departamento respectivo no IPPC. A segunda, pelo facto da entrevista ter sido conduzida por uma jovem colaboradora do Centro de Arqueologia de Almada, Júlia Pinheiro, hoje uma conhecidíssima figura da televisão. Naturalmente, esquecida a entrevista feita há mais de 3 décadas e todo o seu contexto, só muito recentemente tive conhecimento deste interesse juvenil pela arqueologia, da parte da "famosa" apresentadora, referido por ela própria em entrevista. A referencia ao Centro de Arqueologia de Almada estabeleceu o "link" necessário para o reavivar da memória. Aqui deixo como curiosidade mas também pelo seu interesse documental, a referida entrevista, que no entanto está disponível no nº1 da ALMADAN, que graças aos seus então 2000 exemplares de tiragem, não deixará de estar representada em muitas bibliotecas desse país fora.



segunda-feira, 21 de março de 2016

ALMADAN- 500 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS VISITÁVEIS





Quinze anos depois, a revista de arqueologia e património ALMADAN, (um verdadeiro "caso estudo" de resistencia editorial, já a caminho das quatro décadas de existência, pese embora o facto de ser editada por uma associação cultural sobrevivente, o CAA-Centro de Arqueologia de Almada) resolveu retomar uma iniciativa de divulgação dos sítios arqueológicos "visitáveis" em território português. Em 2001, a revista selecionou 300 sítios, preparando para cada um deles uma pequena ficha informativa editada no seu nº10. Agora em 2016 (nº20 da IIª série), para além do dossier editado em papel e que ainda não tive oportunidade de consultar, a Associação divulgou no seu SITE uma base de dados de base cartográfica interactiva  ver neste LINKK , onde se localizam e descrevem as cinco centenas de sítios ou monumentos de natureza arqueológica, visitáveis "de forma responsável", como alerta a revista.



Apesar de um nº tão elevado de sítios referenciados, uma rápida consulta em zonas que conheço melhor, permitiram-me desde logo identificar algumas lacunas. É certo que um trabalho desta natureza, ainda por cima realizado em contexto de voluntariado absoluto, tem de ser avaliado face a essa circunstância, mais a mais, quando depende em grande parte da resposta possível de autarquias e serviços públicos, nem sempre com capacidade (ou vontade) de responder a pedidos desta natureza. Ressalta de imediato, por exemplo, o vazio de sítios em Reguengos de Monsaraz, uma região com um património megalítico tão estudado e ainda com projectos em curso. Pelo contrário, no caso da minha freguesia (Tourega/Guadalupe na sequencia da reforma administrativa Relvas) são referenciados 5 sítios arqueológicos ainda que, em minha opinião e seguindo os mesmos critérios, esse número pudesse ser aumentado substancialmente como mostramos no mapa anexo. Pese embora estes detalhes, a ALMADAN e o seu responsável Jorge Raposo, a quem me ligam fortes laços de amizade e camaradagem profissional, estão de novo de parabéns por mais este contributo de verdadeira cidadania, para mais sem qualquer intuito mercantil nestes tempos em que tudo se mede pelas "mais valias" contabilisticas.



Sítios (Tourega-Guadalupe) sinalizados no Mapa da Almadan:

1. Cromeleque da Portela de Mogos (por lapso confundido com o Cromeleque de Vale Maria do Meio, nº 5)
2. Cromeleque dos Almendres
3. Anta Grande do Zambujeiro
4. "Tholos" de Vale Rodrigo (descrição incorrecta)
5. (Azul)- Vila Romana da Tourega
(Nota: o sítio sinalizado sem nº, corresponde à Anta do Gato, já em território de Montemor-o-Novo)

Sítios de Guadalupe/Tourega que, de acordo com os mesmos critérios, justificariam a sua presença no "mapa":

5-  (amarelo) - Cromeleque de Vale Maria do Meio
6-Menir dos Almendres
7- Castelo do Giraldo
8- Antas de Vale Rodrigo
9- Antas do Barrocal

Cromeleque de Vale Maria do Meio (foto de Dinis Cortes), justificadamente inserido na lista dos 500 sítios visitáveis, ainda que, por lapso, mal localizado.


sexta-feira, 18 de março de 2016

Para a história da minha "tarimba" na Administração
- Justino Mendes de Almeida e Bairrão Oleiro

Nesta era da informação instantânea, omnipresente e globalmente acessível, muita coisa que nos deveria interessar, vai afinal escapando por entre a brutal cacofonia dos media. Vem isto a propósito de uma pequena nota que o José d'Encarnação acaba de divulgar no ARCHPORT, por ocasião da edição de um volume de homenagem a Justino Mendes de Almeida. Julgando tratar-se de uma homenagem "em vida", rapidamente me dei conta que afinal, o homenageado havia falecido em 2012. Uma busca instantânea na INTERNET permitiu confirmar um evento que me passou totalmente ao lado (notícia do Expresso) e que não devia... É que Justino Mendes de Almeida (1924-2012), a par de João Manuel Bairrão Oleiro (1923-2000) (a quem na altura do seu desaparecimento tive oportunidade de prestar tributo, colaborando inclusive no volume de homenagem então editado), tiveram ambos e cada um à sua maneira, um papel crucial na minha carreira de "alto"(?) funcionário público. 

Por razões meramente circunstanciais, algumas das quais tenho dado testemunho neste blog, com menos de 30 anos e por delegação do Francisco Alves (Director do Museu Nacional de Arqueologia e do Departamento de Arqueologia do IPPC), sem qualquer experiencia de administração (fora professor liceal até então), encontrei-me subitamente na situação de responsável máximo, ao nível executivo, da Arqueologia portuguesa (1981-88), coincidindo ainda por cima tal situação com uma época de franco desenvolvimento da disciplina, a vários níveis. Felizmente, tive a sorte de ter tido como sub-directores gerais (ou vice-presidentes, conforme os casos), precisamente Justino Mendes de Almeida e João Bairrão Oleiro, duas "velhas raposas" da Administração Pública, ambos com raízes na Arqueologia e na Investigação, mas que, afastados das carreiras académicas por razões diversas, haviam enveredado pela Administração, nas áreas do "ensino e belas artes", a antiga tutela dos Museus e Património, pré 25 de Abril. Em longas sessões de despacho, dos mais variados assuntos, dos mais correntes aos extraordinários, tive assim oportunidade de tirar partido da sua vasta experiencia e saber, estabelecendo assim a indispensável "ponte" inter-geracional. Afinal um meio indispensável para garantir a necessária continuidade de práticas e conhecimentos que deve estar subjacente ao processo normal de desenvolvimento de qualquer organização. Ao contrário do que, infelizmente, acontece hoje na generalidade da Administração Pública em que vemos todos os dias excelentes funcionários a aposentarem-se sem que tenham tido a oportunidade de transmitir a uma geração mais jovem (totalmente arredada da Administração) os seus conhecimentos e experiências.

Sobre Bairrão Oleiro, tive oportunidade de ainda em vida do mesmo, recordar um episódio central na sua carreira, através da publicação de um texto (1 de Fevereiro de 1996) sobre factos que acabariam por marcar toda a sua carreira (para o bem e para o mal) e relacionados com a destruição do "acampamento romano de Antanhol". Esse mesmo texto seria reeditado na Revista Almadan, dedicada à arqueologia portuguesa do Século XX (II Série, nº8, 1999, pp.133-137). Aproveito agora o ensejo para o divulgar  na sua versão original, a partir do facsimile da página do Diário de Notícias de há 2 décadas.  

(Adenda de 4_01_2018:

Em processo de arrumação de papéis na sequencia da confirmação da minha aposentação verificada a 30 de Dezembro de 2017, encontrei uma simpática carta de agradecimento do próprio Bairrão Oleiro datada de 6 de Fevereiro de 1996. Reagindo à publicação do meu artigo, Oleiro acrescenta alguns dados ao assunto "Antanhol"... )



Quanto a Justino Mendes de Almeida, gostaria de aqui referir uma história que circulava pelos corredores do Palácio da Ajuda e que acabei por não ver confirmada nos documentos biográficos disponíveis na NET, incluindo uma saborosa entrevista ver aqui que concedeu ao semanário Mirante poucos anos antes do seu desaparecimento. Constava que Justino Mendes de Almeida teria sido um dos mais brilhantes alunos do seu tempo (estudos clássicos) em Coimbra e que por essa razão lhe estava predestinada uma carreira académica brilhante. No entanto, a sua excessiva proximidade com o regime e particularmente com Oliveira Salazar (dizia-se que era seu afilhado?) ter-lhe-ia sido fatal nas provas de Doutoramento, por razões políticas (?) ou por mera inveja. Sem coragem para chumbarem o "protegido" do regime, os catedráticos de Coimbra, deram-lhe uma nota que lhe vedava o acesso à Cátedra, obrigando-o a abandonar a Academia. Esta possível "lenda palaciana" concluía-se introduzindo um facto semi-verdadeiro. Salazar, em resposta (?), nomearia Justino Mendes de Almeida como Subsecretário de Estado, com superintendência sobre a Universidade que o afastara... De facto Justino Mendes de Almeida numa altura em que era Presidente da Junta de Investigação do Ultramar desde 1962, foi nomeado  Subsecretário de Estado da Administração Escolar em 1968, talvez ainda por Salazar antes da queda da cadeira (Setembro 1968), cargo que ocuparia até 1971. Mas, mais que provavelmente, esse facto nada terá a ver com a sua frustrada carreira académica, que aliás retomaria no pós-25 de Abril no ensino superior privado, onde seria Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa.








quarta-feira, 16 de março de 2016


Para a história recente da Ponte da Ajuda


 A divulgação na NET de um vídeo com a restituição virtual da esquecida Ponte da Ajuda, produzido por iniciativa da Cromeleque, Lda e da GEODRONE, serve de pretexto para um assunto que há muito queria abordar neste BLOG, até porque o acompanhei durante algum tempo, quer por via da minha participação no Projecto Alqueva, quer posteriormente pelas minhas funções técnicas na Direcção Regional do IPPAR e organismos que se lhe seguiram.





A importância e delicadeza do tema, porém não se esgota aqui e certamente voltarei ao assunto.

Por agora apenas uma chamada de atenção para o facto de este Monumento Nacional, por circunstâncias da História, se encontrar literalmente em “terra de ninguém”, num limbo político-diplomático que apesar do anacronismo óbvio, continua a condicionar a valorização cultural de uma estrutura que na sua época de construção (Século XVI) representou um feito extraordinário de engenharia, como o demonstrou recentemente o meu amigo Luis Alfonso Limpo, director da Biblioteca de Olivença, em obra de referencia obrigatória que dedicou à Ponte da Ajuda.



Para a história recente dos encontros e desencontros com a Ponte da Ajuda, refira-se que no início do século XXI, parecia abrir-se uma nova fase na história deste monumento. Chegou a programar-se uma intervenção de consolidação no âmbito do Alqueva, mas como os efeitos da subida das águas são mínimos nesta zona, deixou de haver pretexto técnico para o efeito. Por outro lado a existência de uma espécie botânica em vias de extinção que crescia livremente sobre o tabuleiro (Narcissus cavanillesii)  limitava e complicava as possibilidades de intervenção. Entretanto, no âmbito de um acordo transfronteiriço realizado pelas Estradas de Portugal (à revelia do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da própria Cultura) com a sua congénere espanhola, seria acordado que a parte portuguesa construiria uma nova ponte rodoviária a jusante da Ponte da Ajuda  (recuperando a antiga ligação Elvas-Olivença), ficando os espanhóis encarregues de "recuperar" para fins turístico-culturais a velha Ponte da Ajuda. Como se sabe, a nova ponte acabaria por ser construída pela parte portuguesa, mas por razões diplomáticas, o dono da obra seria a Câmara Municipal de Elvas e não o Estado português. Quanto à "recuperação" da Ponte Antiga, as obras viriam a limitar-se à margem oliventina, não apenas pelos problemas fronteiriços mas também pela natureza do projecto espanhol, inaceitável à luz das metodologias actuais de intervenção patrimonial. (Concebido por um conhecido engenheiro de estradas espanhol, entretanto já falecido à época, o projecto previa a "reconstrução das partes derrocadas, em betão armado", ainda que recuperando a presumível forma original. O aspecto final seria obtido pelo revestimento com "lajes de pedra" da estrutura. A parte recuperada na margem espanhola, obedeceu a este critério.)

Num Memorando síntese que preparei em 2006, se registam as principais etapes do processo "Ponte da Ajuda", no início do Século XXI:


MEMORANDO
(2000-2004)


12.01.2000-  Reunião entre o IEP (Instituto de Estradas de Portugal)  e a Direcção Geral de Carreteras (Espanha)- a par de decisões sobre a construção da nova ponte rodoviária da Ajuda, foi acordado que a Espanha, desenvolveria as necessárias deligências, em coordenação com os respectivos Ministérios da Cultura, procedendo à recuperação para uso cultural da Ponte Antiga.

18.05.2001 – através de ofício, o ICOR solicita ao IPPAR parecer sobre o “Projecto de Reconstrução e Reabilitação da Ponte Antiga da Ajuda para Usos Pedonais e Turísticos”

13.07.2001 -  Parecer negativo do IPPAR sobre aquele projecto

23.07.2001 – impedido de transmitir o respectivo parecer à parte espanhola, face a “providência cautelar”, interposta pelos “Amigos de Olivença”, o IPPAR, através de ofícios dirigidos ao Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura (17.07 e 23.07.2001) faz seguir para o Ministério dos Negócios Estrangeiros (cf. despacho do Ministro da Cultura sobre o ofício de 17.07.2001) cópia do parecer negativo.

22.01.2003- 1ª informação do signatário dando conta de rumores sobre o próximo início de obras (05/DRE/2003)

25.02.2003-  2ª informação sobre o mesmo assunto ( 27/DRE/2003), propondo o pedido de informações à C.M.de Elvas e à CCRA

10. 03. 2003- 3ª informação do signatário (31/DRE/2003) verificando-se o início de obras na margem esquerda (Olivença) e a instalação de estaleiro na margem direita (Elvas) propõe-se que o assunto seja levado à consideração urgente do MNE português através do Gabinete do Ministro da Cultura

12. 03. 2003- ofício do Grupo dos Amigos de Olivença denunciando a instalação do estaleiro e o próximo início de obras

17. 03. 2003- resposta do Presidente do IPPAR (Dr.Luis Calado) ao GAO, informando que o assunto já fora levado à consideração do MNE.

15. 05. 2003- Memorando do signatário na sequência de deslocação à Ponte da Ajuda com o Eng.ª Cunha (DRE_IPPAR) em 8 de Maio e de reunião técnica no Palácio da Ajuda entre o IPPAR (Vice-Presidente, Arqto Passos Leite e Directora DRE) e ICN (Directaora do Parque Natural da Serra de S.Mamede e Dr. Pedro Arriegas). O Vice-Presidente do IPPAR informa de uma reunião técnica realizada no MNE (INAG, EDIA, IPPAR, ICN e C.M.Elvas). Objectivo:reunir as condicionantes técnicas, limitadas ao IPPAR e ICN a impôr às autoridades espanholas para revisão do projecto. O memorando foi remetido  em 16.05.2003ao MNE, que preparava já então uma reunião técnica luso-espanhola sobre o assunto. 

2.06.2003 – 4ª informação do signatário, (62/DRE/2003): apesar de não haver vestígios de qualquer actuação na estrutura da ponte da margem direita (Elvas) ou nos pilares isolados do meio do leito, verificava-se o desenvolvimento do projecto de reconstrução (sem qualquer limitação ou constrangimento) no sector Oliventino da Ponte, em pleno cumprimento do “Projecto” original “reprovado pelo IPPAR”.

3. 06. 2003- o Vice-presidente do IPPAR (Arqto Passos Leite) informa a DREvora do IPPAR de que o MNE está a par do que se passa na Ponte da Ajuda e que em breve, por iniciativa do MNE será marcada uma reunião técnica Luso-espanhola que, pela parte portuguesa deverá ser articulada com a DRE do IPPAR e o Parque Natural da Serra de S. Mamede.

6.06. 2003- na sequência de contactos com o MNE, a Directora Regional de Évora solicita à Presidência do IPPAR a reserva de uma sala do Palácio da Ajuda para a reunião Luso-espanhola, agendada pelo MNE para 11 de Junho. O assunto é já despachado pela nova Vice-Presidente (Dra Rosa Amora) que concorda desde que reunida a condição “sine qua non” exigida pela parte portuguesa para realizar a reunião, ou seja a “suspensão das obras”

A reunião Luso-espanhola acabaria por ter lugar apenas em 1 de Julho de 2003, existindo no processo dois memorandos sobre a mesma:

            1- Ministério dos N.E. de 2 de Julho da responsabilidade do Embaixador  J.F.Costa Pereira
            2- Da DRE IPPAR, de 3 de Julho, assinado pelo signatário.

No essencial ficou então acordado:

            - redução ao mínimo das obras na margem Oliventina que em caso algum seriam alargadas à margem de Elvas;
            -  revisão e alteração do projecto pela Direção Geral de Carreteras, de modo a responder às preocupações da parte Portuguesa (IPPAR e ICN)
            - a parte portuguesa prepararia lista de condicionantes técnicas  (IPPAR e ICN) que foram remetidas oficialmente à parte espanhola em 10 de Julho de 2003 (ver Documento Técnico de Maio de 2003, também aqui transcrito)
            - a retoma das obras ficaria dependente da aprovação pelo IPPAR e ICN da revisão do projecto.


NOTA FINAL: aparentemente a parte espanhola acabaria por abandonar totalmente o projecto original, rescindindo a empreitada que estava em curso e desmontando completamente todo o estaleiro e apresentando um novo projecto às autoridades portuguesas (estudo prévio) em meados de 2004, estudo que também viria a ser rejeitado pelo IPPAR.


Évora, 29 de Novembro de 2006




DOCUMENTO TÉCNICO DE MAIO 2003 IPPAR/ICN*



Ponte da Ajuda (Elvas)


Condicionantes de ordem patrimonial para a apreciação do


“Proyecto de Reconstruccion  e Rehabilitacion del Puente Antiguo de Ajuda para usos peatonales y turisticos”

(Ministerio de Fomento, Secretaria de Estado de Infraestruturas y Transportes, Dirección General de Carreteras)




A- Patrimonio Cultural (documento - IPPAR)



1. Protecção legal e classificação


O imóvel “Ponte da Ajuda”, constituído pelas ruínas de uma ponte antiga (Século XVI) sobre o Guadiana, congrega na sua presente situação um conjunto de valores (arquitectónicos, tecnológicos, arqueológicos, históricos, simbólicos, paisagísticos, etc...) cujo reconhecimento justificaram a sua oportuna protecção legal enquanto “imóvel de interesse público” através de acto legislativo próprio: Decreto 47508 de 24.01.1967; com efeito nos termos da legislação portuguesa (Lei 107/2001-Lei de Bases do Património Cultural Português) a protecção legal dos bens culturais assenta na classificação, (Artº16) e “Entende-se por classificação o acto final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural”- (Artº18).


Nota: de facto, são as “ruínas (arqueológicas) da Ponte da Ajuda” e o respectivo ambiente paisagístico e contexto histórico que são objecto de classificação e protecção legal, não a “ponte original” (antes de mais porque aquela já não existe mas também porque, no processo de sucessivas reconstruções/reabilitações, houve afinal “diferentes” pontes). Esta situação, confere desde logo uma especial relevância arqueológica, paisagística e histórica ao objecto da classificação, relevância que (quer nas intenções quer nas soluções) é radical e definitivamente posta em causa pelo projecto do “Ministerio do Fomento”



2. Projectos, obras e intervenções versus respeito pela “autenticidade”


A referida lei de bases, através do artº45 especifica concretamente a possibilidade de realização nos imóveis classificados de “obras de conservação, modificação, reintegração e restauro”. Ainda que não definindo concretamente o que se entende por cada um daqueles items, a lei é bastante restritiva e cuidadosa neste domínio específico ao remeter no mesmo articulado para a obrigatória responsabilização de técnicos qualificados em caso de intervenções (nº1, do Artº45), para a exigência de um adequado enquadramento técnico e histórico das mesmas (nº2 e 4) e, acima de tudo, para a indispensabilidade do parecer prévio sobre os respectivos estudos e projectos de intervenção por parte dos organismos competentes para determinar a classificação (nº3); depreende-se deste posicionamento extremamente cauteloso da lei que quaisquer obras, ainda que possíveis e muitas vezes necessárias para a preservação do próprio bem protegido, devem ser sempre realizadas de forma a não comprometerem o conjunto dos valores reconhecidos que fundamentaram afinal a decisão da protecção legal.

Ainda que tal não seja expresso, subentende-se neste posicionamento da Lei portuguesa, a defesa da “autenticidade” dos bens culturais, um valor cada vez mais tido em conta internacionalmente nos critérios de classificação, nomeadamente pela UNESCO e organismos associados como o ICCROM ou o ICOMOS, na selecção de bens a integrar a Lista do Património Mundial. Ainda que a noção de “autenticidade” possa variar de cultura para cultura (tal como expresso pelo Documento de Nara, 1994), há quesitos básicos, quase do senso comum, para definir o que é “autêntico” e que, como é notório, são completamente ignorados num projecto que se propõe reconstruir em “betão armado” mais de 50% do monumento em causa: “Dependendo da natureza do monumento ou do sítio e do seu contexto cultural, o julgamento sobre a autenticidade é ligado a fontes de informação variadas. Estas últimas compreendem concepção e forma, materiais e substancia, uso e função, tradição e técnicas, situação e localização, espírito e expressão, estado original e devir histórico (...)” Artº13 do Documento de Nara sobre a Autenticidade.


a) conceito de “conservação”

A conservação funda-se sobre o respeito da matéria, dos usos, das associações e dos significados existentes. Ela requer prudência que consiste em mudar apenas aquilo que é necessário e o menos possível.” (Artº3.1. da Carta de Burra)[1]; “As modificações de um lugar ou de um bem patrimonial não devem alterar a evidência física que este constitui nem assentar em conjecturas ou suposições” (Artº3.2); “As técnicas e materiais tradicionais constituem recursos preferenciais em conservação. Em certas circunstâncias e sob certas condições, a utilização de técnicas e materiais modernos que possam oferecer evidentes vantagens em termos de conservação, poderão ser ensaiadas.”


b) conceito de “restauro”

- segundo a Carta de Veneza (1964), “O restauro é uma operação que deve manter um carácter excepcional. Ela tem por objectivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e funda-se no respeito da matéria antiga e de documentos autênticos. Ele (restauro) deve parar onde começa a hipótese ...”  Ainda na mesma carta de Veneza mas referindo-se especificamente às “ruínas arqueológicas” (em cuja definição cabe até certo ponto, o imóvel em causa), acrescenta-se no Artº 15- “(...) Todo o trabalho de reconstrução deve ser excluído à priori e apenas a “anastilose” deve ser realizada, ou seja a recomposição de partes existentes mas desmembradas”.


- segundo a carta de Burra (Artº1.7.), “O restauro consiste em reconduzir a matéria existente de um sítio ou bem cultural a um estado anterior conhecido, removendo acrescentos ou recompondo elementos pré-existentes sem recurso a material novo”. (Artº19 e 20); acrescenta-se ainda “O restauro adequa-se a situações em que existem em número suficiente testemunhos materiais do estado físico anterior


c) conceito de “reconstrução”:

- segundo a Carta de Burra (Artº 20), “A reconstrução convém unicamente às situações em que o bem patrimonial está incompleto na sequência de uma destruição súbita ou de uma modificação e desde que existam dados suficientes para reproduzir as partes desaparecidas. Apenas em casos raros a reconstrução pode constituir uma opção como expressão de um uso ou de uma prática que mantém o valor cultural de um lugar ou de um bem patrimonial”;

- por outro lado segundo a Carta Europeia do Património Arquitectónico (1975)- Artº 6 (...) A tecnologia contemporânea, mal aplicada, afecta as estruturas antigas. Os restauros abusivos são nefastos(...);


Nota: o projecto do Ministerio do Fomento assume-se como “projecto de reconstrução e reabilitação” funcional, justificado pelo interesse social (turístico e cultural) em recuperar o uso original do bem em causa; no entanto ao pretender valorizar uma mais valia específica, a solução técnica proposta prejudica ou anula definitivamente (sem hipótese de reversibilidade, um princípio fundamental do “restauro”) outras valias bem mais importantes do ponto de vista cultural, a começar pela da própria “autenticidade”.

Acresce ainda que parte do valor social que decorreria da “reconstrução” (travessia pedonal do Rio) se pode já fazer na nova ponte construída a juzante. Por outro lado verifica-se que a valorização turística do monumento pode ser afinal conseguida com soluções menos invasoras das estruturas antigas e que, além disso, possam ser compatíveis com a protecção do “habitat” da espécie ameaçada do Narcissus Canavillesii o que obviamente não acontece com a solução proposta.


3. Estado das ruínas da Ponte da Ajuda e efeitos do Regolfo; condicionalismos a ter em conta numa necessária intervenção de “conservação/valorização”


Apesar das graves objecções de ordem técnica e teórica que nos coloca o projecto do Ministerio do Fomento,(que se inferem do alinhamento de conceitos e comentários acima expressos) não podemos deixar de reconhecer que o mesmo, ao nível das intenções, visa afinal objectivos legítimos de conservação e valorização patrimonial que estavam certamente subjacentes às conclusões da reunião de 12 de Janeiro de 2000 realizada entre o Instituto de Estradas de Portugal e a Direccion General de Carreteras.

No entanto, parece óbvio, que em face da situação concreta deste monumento e dos actuais critérios de intervenção patrimonial recomendados internacionalmente, a solução técnica preconizada no projecto do Ministerio do Fomento não parece aceitável, pelo menos na sua globalidade. Por outro lado, a já referida presença no tabuleiro da própria ponte (margem Direita, Elvas) de uma espécie botânica ameaçada e protegida  pela Directiva 92/43 CEE do Conselho (Directiva Habitats) vem reforçar ainda mais e de forma definitiva tal conclusão.


Estamos pois, perante um dilema complexo que necessita de uma resposta adequada.



Como tornar compatível?


a) a necessidade de conservação/ consolidação das ruínas arquitectónicas, face ao seu avançado estado de degradação (nalguns casos ameaçando ruptura) e face ás alterações que irão ser introduzidas no regime fluvial da zona pelo “regolfo de Alqueva”

b) o interesse social da valorização turístico/cultural do monumento colocando a respectiva fruição ao serviço do enriquecimento cultural das populações e dos visitantes;

c) o respeito dos princípios internacionalmente aceites da salvaguarda patrimonial, nomeadamente no que respeita à garantia da “autenticidade” formal e material das estruturas conservadas;

d) a salvaguarda das condições de “habitat” da espécie protegida existente no “tabuleiro” da Ponte da Ajuda (Narcissus Canavillesii);





A resposta técnica que nos parece mais adequada:



a) Conservação/consolidação com respeito pelos princípios da “autenticidade” do bem cultural em causa:


- a criação de condições de conservação, assegurando a consolidação dos pilares, incluindo o que resta dos 5 centrais, parcialmente destruídos, e sobretudo, a estabilidade dos 12 arcos ainda conservados (8-Elvas e 4-Olivença),é indispensável à salvaguarda e preservação do monumento na sua situação actual e, por consequência, à sobrevivência da espécie botânica que nele encontrou “habitat”; uma intervenção de “consolidação” e “restauro” é por isso não apenas legítima como necessária:

- “pilares” e “talha-mares”: sendo as estruturas que irão sofrer directamente com as alterações de “cota” e de regime fluvial, justifica-se uma intervenção mais intensa, quer ao nível da “consolidação” quer mesmo do “restauro”, visando como objectivo garantir a estabilidade futura do monumento; entende-se aqui por “restauro” o preenchimento de lacunas internas que já se verificam no “miolo” de alguns pilares, a reposição de silhares deslocados ou mesmo a inclusão de “silhares” novos, do mesmo material, onde estes faltam ; justifica-se igualmente, quer por razões de conservação quer de valorização estética, a “reconstrução” parcial (recorrendo a “silhares” novos) dos 5 pilares centrais já parcialmente derrocados, de modo a evitar a respectiva submersão em situação de cota máxima da Barragem (152).

- “arcos”- garantida a estabilidade dos respectivos pilares de suporte, a intervenção nos arcos, nomeadamente no seu extra-dorso, deve pautar-se essencialmente por objectivos de conservação, consolidação e estabilização; neste caso deverá ter-se em conta a necessidade de respeitar as técnicas construtivas e materiais originais no sentido de não alterar significativamente as condições actuais de equilíbrio da estrutura que garante o habitat do “Narcissus”; pelo mesmo motivo, a remoção de outra vegetação infestante, a fazer-se, deverá ser rigorosamente avaliada e condicionada por critérios científicos;

- “tabuleiro”- em particular no sector “Elvas”, a intervenção está à priori fortemente condicionada por razões de conservação do “Narcissus”, quer nos objectivos quer nas metodologias de execução; tal não justifica que, pontualmente, não haja necessidade de alguma consolidação e por vezes, mesmo de restauro (como é o caso do grande “rombo” existente entre os pilares 12 e 13; no entanto tais intervenções, para além de cuidadosamente planeadas e avaliadas em todas as consequências, necessitam de uma execução extremamente cuidada;

NOTA: as medidas sugeridas de conservação/ consolidação vão em grande parte ao encontro da chamada 1ª fase do projecto do Ministerio de Fomento, com as devidas condicionantes e adaptações quer no que respeita a “limpeza de vegetação”, quer na escolha dos materiais e metodologias de “restauro” quer ainda no do “nivelamento e reconstrução dos pilares semiderrubados”.


b) valorização turístico/cultural ambientalmente integrada


- a reabilitação do uso original (embora restringido a peões) representa na proposta do Ministerio do Fomento o elemento fundamental do projecto de valorização; apesar do seu inegável interesse, a prossecução daquele objectivo mostra-se contudo drasticamente incompatível com os princípios da conservação quer do bem cultural que se pretende valorizar quer com a protecção de um bem natural ameaçado (Narcissus); importa pois, neste campo, encontrar soluções alternativas que sejam compatíveis com a globalidade dos interesses e valores em presença e que ainda assim permitam uma aproximação e fruição turística ao monumento, a partir das duas margens;

- essas soluções deverão, no entanto, ter em conta não apenas as condicionantes de ordem patrimonial já referidas, mas igualmente as circunstancias próprias de atractividade tradicional do local, recentemente reforçadas com a recuperação da Capela de Nª Sª da Ajuda, a melhoria dos acessos e a construção da nova ponte rodoviária a jusante da Ponte antiga; a procura deste local será certamente, muito potenciada num futuro breve com os efeitos directos e indirectos que o Regolfo de Alqueva terão sobre o turismo da região;

- por outro lado, tendo em conta que grande parte do valor e interesse monumental das ruínas da Ponte da Ajuda decorrem sem dúvida da sua especial integração paisagística e ambiental, a solução para a respectiva valorização e fruição turística deverá obrigatoriamente integrar-se num plano de valorização mais abrangente que tenha em conta essa situação e que seja extensível a ambas as margens com ou sem ligação “pedonal” directa;




B- Patrimonio  Natural (documento - ICN)





Situação de referência

O Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López é um geófito, com floração outonal (Outubro e Novembro) e pertence à família das Amaryllidaceae. É um endemismo ibero-mauritânico, ocorrendo sobretudo no sudoeste de Espanha (Extremadura e Andaluzia) e escassamente no sudeste de Portugal (Alentejo, margem do Rio Guadiana) e noroeste de África (Argélia e Marrocos) (Valdes et al., 1987).

Ocupa solos areno-argilosos das zonas baixas do leito de cheia, entre rochas xistosas ou em pequenas caleiras de tufos de tamujo (Securinega tinctoria).

Em Portugal encontra-se em perigo de extinção, tendo a sua população um reduzido número de efectivos, circunscritos a uma área muito restrita.

Desde 1976, e até recentemente, apenas a população da zona da Nossa Sra. da Ajuda (159 msm.), concelho de Elvas, era conhecida, contendo um núcleo principal de cerca de 300 m2, com uma elevada densidade de indivíduos – entre 12000 e 15000 –, localizado no tabuleiro da Ponte da Nossa Sra. da Ajuda, sobre solo esquelético para aí transportado (por acção natural ou antrópica) e outro núcleo de cerca de 6 m2, de aproximadamente 2000 indivíduos), no solo, a sul da referida Ponte.

Contudo, em 2000, durante os trabalhos de biologia promovidos pela EDIA e executados por uma equipa do Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa no âmbito do projecto de monitorização de plantas prioritárias, foi descoberta mais a Sul outra população, com cerca de 1200 indivíduos – Herdade da Defesa (127 msm.), Montes Juntos, concelho do Alandroal –, ironicamente numa localização a ser submersa pelo enchimento da albufeira. Assim das duas populações conhecidas, uma foi sujeita a uma acção de translocação, cujo sucesso está por aferir.

Regimes de protecção

O Narcissus cavanillesii está, sob a sinonímia Narcissus humilis (Cav.) Traub., incluído nos Anexos II (espécies de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação) e IV (espécies de interesse comunitário que exigem protecção rigorosa) da Directiva Habitats (92/43/CEE), transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei  nº 140/99, de 24 de Abril.

A área de ocorrência está inserida no Sítio Classificado da Lista Nacional Guadiana/Juromenha (código PTCON0032), área designada através da Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de Agosto, a integrar a Rede Ecológica Europeia, conhecida como Natura 2000.

Encontra-se em preparação pela EDIA, no âmbito do Plano de Ordenamento das Albufeiras de Alqueva e Pedrogão, um Plano de Pormenor para a área circundante à Capela da Nossa Sra. da Ajuda. Este Plano que pretende ordenar a zona em referência, terá obrigatoriamente em consideração a existência do Narcissus humilis, a proximidade à Ponte da Ajuda e o previsível incremento da afluência das populações (sobretudo locais) ao local, sobretudo face ao espelho de água criado pelo enchimento da albufeira.

Ameaças à conservação

De acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) esta espécie deverá ser classificada como em Perigo Crítico (CR) em Portugal, visto que se não forem tomadas medidas activas para a sua conservação é esperada a extinçõa de cerca de 80% dos seus efectivos populacionais (Rosselló-Graell, A., Draper, D., Correia, A.I.D. e Iriondo, J. M. 2002).

Neste momento a degradação da área de ocorrência é a principal ameaça à sua conservação. Encontrando-se ambas as populações sob influência da albufeira do Alqueva (com enchimento previsto para uma cota máxima de 152 msm., eventualmente de 154 msm. e média de 147.5 msm.), tendo a sua localização mais a Sul – Montes Juntos (127msm.) – sido submersa pelo enchimento da albufeira do Alqueva, assume ainda mais importância a não perturbação da população restante (a 159 msm.) por eventuais obras de recuperação da Ponte de Nossa Sra. da Ajuda e pelos expectáveis impactes provenientes da proximidade ao regolfo da albufeira do Alqueva, nomeadamente face ao previsto incremento da influência antrópica.

Estudos efectuados

A espécie foi alvo de estudo pelo Professor Carlos Pinto Gomes (Universidade de Évora), no âmbito do projecto “Distribuição Geográfica e Estatuto de Ameaça das Espécies da Flora a Proteger”, co-financiado pelo fundo comunitário LIFE e pelo ICN, entre 1994 e 1996.

Tem também, desde há vários anos, sido estudado em profundidade por uma equipa (dirigida por Antónia Rosselló-Graell e David Draper) do Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa, no âmbito dos trabalhos relacionados com a minimização dos impactes resultantes do empreendimento hidroeléctrico do Alqueva.

O Narcissus cavanillesii é potencialmente a espécie mais afectada pelo enchimento da albufeira de Alqueva. Trata-se do único caso, de entre todo o património natural presente na região, em que uma ausência de acções de conservação poderia efectivamente comprometer a sobrevivência da espécie em Portugal. A EDIA, em conjunto com o Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa e o Departamento de Geociências da Universidade de Évora, iniciou em 2001, como mitigação dos impactes causados pelo empreendimento hidroeléctrico do Alqueva, o processo de translocação da população de Montes Juntos, área a inundar, para uma nova área susceptível para a espécie, a uma cota superior.
É importante referir que a translocação de espécies raras, ameaçadas ou em perigo, como medida de minimização, é um tópico controverso no âmbito da conservação de plantas controversa, devendo por isso ser entendida como um último recurso. A população translocada será agora monitorizada durante vários anos, podendo acções correctivas serem executadas se necessário (Rosselló-Graell, A., Draper, D., Correia, A.I.D. e Iriondo, J. M. 2002).

Reconstrução da Ponte da Nossa Senhora da Ajuda

Considerando que a principal população da espécie Narcissus cavanillesii, em Portugal, se encontra precisamente sobre o tabuleiro da Ponte da Nossa Senhora da Ajuda e que o núcleo vizinho, embora fora do monumento, se encontra em zona de influência de uma obra de reconstrução e que a obra decorre no Sítio Classificado Guadiana/Juromenha (PTCON0032) constante da Lista Nacional de Sítios (Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de Agosto),

atendendo que o Instituto de Conservação da Natureza não teve conhecimento oficial do início desta obra e que não lhe foi  solicitada a emissão do parecer necessário (ao abrigo do Dec.-Lei nº 140/99 de 24 de Abril),

tendo em conta que a outro localização conhecida desta espécie foi submersa pelo enchimento da albufeira do Empreendimento do Alqueva, tendo a população sido alvo de uma operação de resgate cujo sucesso está por aferir, e

tomando nota do projecto de construção em execução, do seu impacte destrutivo de extrema magnitude sobre a espécie em causa, da inexistência de medidas de minimização consentâneas e da incapacidade de reposição da situação anterior,

tendo o Parque Natural da Serra de S. Mamede constantado, no âmbito das suas frequentes acções de vigilância (em conjugação com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, ex-Direcção Regional do Ordenamento do Território), que não ocorreu a suspensão dos trabalhos,

manifesta-se a opinião que a não serem tomadas medidas preventivas, com carácter de urgência, que impossibilitem a continuação do avanço das obras nos actuais moldes, acontecerá a destruição do habitat da espécie e a sua consequente extinção, no seu habitat, em Portugal.

Solicitou o Ministério dos Negócios Estrangeiros ao ICN (em reunião, a 7 de Abril de 2003) que este não activasse um embargo administrativo, advogando a conveniência de uma solução diplomática. Embora considere que esta seria a solução desejável, o ICN entende que, dado o contínuo avanço das obras, quanto mais tempo se protelar esta solução, mais perto se estará da necessidade de proceder a um embargo evitando impactes irremediáveis. O ICN, não podendo permitir a que as obras avancem para o tabuleiro da Ponte ou sua vizinhança na margem direita do Guadiana, reserva-se ao direito de agir consoante as suas competências.

Em reunião com o Instituto Português do Património Arquitectónico foram analisadas as consequências que o enchimento da albufeira do Alqueva terá no monumento, tendo-se verificado que o regolfo à cota média de 147.5 deixará a descoberto as ruínas dos pilares centrais da ponte (que ficarão submersos à cota de 152) e que à cota de 154 não será submerso o tabuleiro.

Se devido à presença contínua de água na base da Ponte, se entender como necessária alguma consolidação do monumento esta deverá ser feita sem que o tabuleiro da ponte seja perturbado.

Os obras de consolidação nos muretes, paredes, partes inferiores dos arcos e pilares não constituirão preocupação, desde que salvaguardado o pisoteio ou qualquer outro impacte sobre o tabuleiro.

Deve ser levada em consideração o facto de uma impermeabilização lateral poder tornar a ponte num depositório de água da chuva, não só fazendo perigar a estabilidade do monumento e por consequência o tabuleiro, como alterando as condições ecológicas no tabuleiro.

A regularização do solo (montíclos ou depressões) existente sobre o tabuleiro da Ponte terá um significativo impacte negativo sobre a população de Narcissus pelo que é uma acção inviável.

Também a pouca profundidade do solo despositado sobre o tabuleiro da ponte inviabiliza possíveis acções de eliminação do estrato herbáceo existente no tabuleiro da Ponte. Os cortes da azinheira e da figueira enraizadas na Ponte, com posterior injecção de fitoquímicos, podem ser efectuados, mas somente desde que não seja tentado o desenraizamento.

Atendendo a que o pequeno núcleo de Narcissus que ocorre no solo, na vizinhança da Ponte, não será submerso pela albufeira do Alqueva, continuando por isso viável, deve de igual modo ser poupado a qualquer tipo de perturbação.

Para além de um incumprimento da Directiva 92/43/CEE, que conduzirá a inevitáveis sanções por parte da União Europeia, a extinção do Narcissus cavanillesii, ou N. humilis, com a irremediável delapidação do património biológico e genético nacional, obrigam a um extremo cuidado na execução de quaisquer acções que possam acarretar impactes negativos sobre a espécie.




*  Documentos que estiveram na base da redacção das “CONDICIONANTES E RECOMENDAÇÕES TÉCNICAS” remetidas pelas autoridades portuguesas ao MINISTERIO DE FOMENTO em 9 de Julho de 2003 , na sequência da reunião Luso-espanhola de 1 de Julho de 2003 (Lisboa, Palácio Nacional da Ajuda)
[1] Seguimos aqui as definições propostas na chamada Carta de Burra, Carta do ICOMOS Austrália para a conservação de sítios e bens patrimoniais de valor cultural



No dia 2 de Outubro de 2008 fui protagonista de um dos últimos actos formais no âmbito desta tragico-comédia fronteiriça em torno das esquecidas ruínas da Ponte da Ajuda.

Por indicação expressa do Ministério da Cultura português e a solicitação do MNE, desloquei-me de urgência a Madrid, onde deveria representar as autoridades portuguesas em reunião a ter lugar no Ministério das Obras Públicas y Vivienda (talvez não fosse esse o exacto nome do Ministério, pois lá como cá, tudo tem mudado à velocidade da luz neste âmbito) para apreciar uma nova  proposta de de um projecto de recuperação da Ponte, encomendado pelas autoridades espanholas à luz do parecer do IPPAR de que eu fora co-autor. Tendo sido designado quase de véspera para aquele efeito, consegui ainda assim lugar no primeiro voo para Madrid, onde cheguei bastante cedo nesse dia 2 de Outubro, de tal modo que por volta das 9 horas locais (8 de Lisboa) estava já a sair da estação de Metro "Ministérios".  Recebido por um contínuo, alguns minutos antes da hora aprazada para a reunião, fui conduzido a uma enorme sala de reuniões vazia que recordo através da foto que então tirei. Ali sob o "olhar" do Rei Juan Carlos numa parede, um enorme mapa da Ibéria (sem fronteira) noutra e ainda uma gigantesca planta de época, dos Palácios Reais de Aranjuez, aguardei impacientemente quase toda a manhã na mais absoluta solidão e ignorâqncia sobre o que se estava apassar. A certa altura, já desesperado pela espera, um arquitecto que conhecera de outras reuniões, desceu para me informar do que estava a acontecer. A senhora Directora Geral só nesse mesmo dia, em reunião preparatória com os autores, tivera oportunidade de ver o projecto de engenharia encomendado pelos serviços e este revelava-se de tal maneira desadequado face às condicionantes patrimoniais em causa que decidira desde logo rejeitá-lo. Em todo o caso e como naturalmente seria imperioso que me fosse dada uma qualquer explicação, grande parte da manhã, enquanto "Don Juan Carlos" olhava para mim, fora ocupada a negociar as soluções administrativas mais adequadas com vista à reformulação completa do rejeitado projecto. Perto da hora do almoço despacharam-me finalmente com a promessa de que oportunamente reuniriamos, talvez em Elvas, para finalmente apreciar um novo projecto para a urgente recuperação da Ponte Histórica da Ajuda.
Até hoje, nunca mais tive notícias desse projecto...


quarta-feira, 9 de março de 2016


PATRIMÓNIO SUSTENTÁVEL e A ARQUEOLOGIA NA CIDADE DE ÉVORA


Debate com os comunicantes da sessão IV (Arqueologia Urbana- cidades romanas versus cidades contemporâneas). Da esquerda para a direita: Carlos Fabião (moderador), Nuno Mota e António Marques (Centro de Arqueologia de Lisboa, CAL); Catarina Coelho e Sofia Gomes (DGPC), António Carlos Silva (DRCALEN) e José António E.Morales (Consórcio Cáceres-Ciudad Histórica)
Por amável convite dos organizadores (Museu Nacional de Arte Romano de Mérida) tive oportunidade de participar nos passados dias 4 e 5 de Março, num seminário internacional sobre a temática da (necessária) sustentabilidade do património cultural. Dois dias de intensa e variada reflexão, a partir da análise de casos concretos, sobre o papel social e (até) económico do património nos territórios da antiga Lusitania Romana, hoje artificialmente divididos por uma fronteira. Museus, turismo arqueológico e desenvolvimento sustentável em áreas rurais, desafios e oportunidades nas cidades contemporâneas fundadas sobre cidades romanas, animação/dinamização do património arqueológico, etc...

A gestão do património arqueológico em ambiente urbano: a experiencia de Évora

Embora, pessoalmente, o tema que de momento mais me interesse, no dia a dia, passe pela reflexão e experimentação das possibilidades de envolvimento comunitário na apropriação do património cultural num meio rural deprimido mas com grande potencial (falo objectivamente das oportunidades que uma pequena freguesia, em nº de habitantes, como Guadalupe e Tourega, podem encontrar e explorar no seu riquissimo património), foi-me pedido que no âmbito da sessão sobre Arqueologia Urbana, falasse da experiencia de Évora. Para além de uma introdução historicista, invocando o papel de André de Resende na criação de uma identidade histórica que perduraria até aos nossos dias, pese embora uma inevitável carga mitológica, recordei a histórica "restauração do Templo Romano", promovida pelos antigos directores da Biblioteca Pública (Cunha Rivara e Augusto Filipe Simões). Em pleno século XIX, numa época em que a lei do camartelo, para desespero de homens como Alexandre Herculano, dizimava o centro das nossas cidades em nome do "progresso", estes homens conseguiram preservar e "restaurar" um monumento que se tornou o ex-libris de Évora. Falei de um Século XX apático no que respeita ao reconhecimento arqueológico da cidade de Évora, até ao 25 de Abril e à posterior instalação de um serviço regional de arqueologia em Évora dependente do IPPC e que criou condições para grandes escavações no Centro Histórico, como as promovidas pelo Serviço Regional de Arqueologia na Rua de Burgos ou em Santa Catarina, ou as promovidas pela autarquia na sua própria sede com a descoberta das Termas Públicas. É nesta altura que Évora teve também a sorte (sabendo criar as condições para isso) de Theodor Hauschild, arqueólogo/arquitecto do DAI (Instituto Arqueológico Alemão) se interessar pelo seu Templo romano e, sobretudo pelo seu Forum, onde realizaria grandes escavações nos anos 80/90. Na minha comunicação, não deixei de reconhecer os problemas e limitações desta fase, estatizante mas fundadora da arqueologia eborense, traduzida sobretudo na falta de publicação adequada dos resultados das escavações e na posterior dispersão dos materiais recolhidos. Também reconheci, que praticamente, mesmo após a euforia dos anos 80, nunca mais se deixou de fazer arqueologia no Centro Histórico, acompanhando toda e qualquer intervenção. Não deixei porém de, na minha perspectiva, apontar as grandes limitações de uma prática de intervenção arqueológica que, actualmente, resulta unica e exclusivamente de imperativos legais, apenas realizada no âmbito da "arqueologia de contrato"(privada) e sem qualquer estrutura pública (da cultura, da autarquia ou da universidade) que se interesse de forma organizada e continuada (e não apenas para objectivos pontuais) pela integração dos novos dados, o tratamento e reserva dos materiais arqueológicos, e o arquivamento e disponibilização dos relatórios, para não falar já da sua publicação. A exemplo do que se passa já hoje em muitas outras cidades históricas que apresentam gabinetes de arqueologia (como por exemplo Lisboa, CAL, que apresentava ainda há poucos anos uma situação identica, apenas mais grave porque respondendo a uma dinâmica urbanística mais exigente) Évora tem necessidade de um "gabinete municipal de arqueologia", que para além da sensibilização cultural e turística, se ocupe de forma continuada e estruturada, de tarefas como: a gestão da informação e registos produzidos; o apoio ao planeamento e gestão urbanística corrente; o apoio directo aos munícipes economicamente mais débeis, a quem são presentes condicionantes arqueológicas à execução de obras; a organização e gestão das reservas arqueológicas e, finalmente, em articulação com outras entidades, a promoção da investigação arqueológica e edição científica de resultados.
Museu de Mérida, um museu á escala de uma grande capital do Império!