quarta-feira, 30 de março de 2016

As grutas gémeas de Maltravieso (Cáceres) e Escoural (Montemor-o-Novo)



A Gruta de Maltravieso, "pedreira para cal", nos anos 50 do Século XX

A recente visita ao Escoural de Hipolito Collado, arqueólogo da Junta da Extremadura e responsável científico pela Gruta de Maltravieso, para além de ajudar a perspectivar próximas colaborações transfronteiriças em torno dos dois sítios "vizinhos e afins", recordou-nos que estamos afinal perante duas cavidades que, sob um olhar "antropogénico", poderíamos quase considerar como “irmãs gémeas”, tendo em conta as circunstancias da sua descoberta, a sua natureza e até o seu destino arqueológico. Se não vejamos…


A Gruta do Escoural, "pedreira de mármore", nos anos 60 do Século XX
Ainda que a sua descoberta esteja separada por uma década (Maltravieso 1951, Escoural 1963), em ambos os casos o achado foi fortuito, resultando da exploração de pedreiras calcárias.  No caso Extremenho, para o fabrico de cal, no caso do Alentejano, para a extração de blocos de mármore.  Nas duas situações o que alertaria os trabalhadores para a natureza arqueológica dos achados seria a presença de esqueletos e cerâmicas antigas, denunciando a existência de uso funerário das cavidades que os arqueólogos, em ambos os casos, atribuiriam posteriormente ao período Neolítico tendo em conta os materiais recolhidos. Ainda que outros factos venham a aproximar de novo as duas grutas, a sorte imediata após a descoberta foi, no entanto, bem diversa. No caso de Maltravieso, pese embora os alertas dos arqueólogos, em particular de Carlos Callejo Serrano, um erudito local, a exploração da pedreira continuaria ainda por vários anos levando mesmo à destruição da sala inicialmente descoberta. No Escoural, porém, a actuação decidida do Arqueólogo Manuel Farinha dos Santos, com o apoio de Manuel Heleno, o “poderoso” e “influente” director do Museu Etnológico, levaria à rápida desactivação da pedreira. Numa fase inicial, e com parecer favorável dos Serviços Geológicos de Portugal (G. Zbyzewski e O.Veiga Ferreira) esta ainda laboraria numa frente alternativa (a Nascente da actual entrada), mas após a classificação da Gruta como Monumento Nacional (ainda em 1963, seis meses após a descoberta, o que deve ser um “record” absoluto…) a pedreira seria definitivamente abandonada. Por comparação e coincidência, refira-se que Maltravieso apenas seria classificada como Monumento Histórico nesse mesmo ano de 1963. Mas nem esse facto melhorou a respectiva situação, tendo continuado a construção na sua envolvente, facto que faz hoje de Maltravieso um caso raro de “gruta pré-histórica localizada em pleno meio urbano” (Cáceres) com todos os problemas que isso acarreta.

Localização da Gruta de Maltravieso, actualmente em plena área urbana de Cáceres


Uma outra singularidade partilhada por ambas as cavidades encontra-se na presença de vestígios rupestres paleolíticos, cuja descoberta seguiu passos semelhantes. Em ambos os casos, esse reconhecimento foi posterior às primeiras pesquisas arqueológicas e a respectiva notícia recebida com algum cepticismo pelas respectivas comunidades arqueológicas, dado o afastamento geográfico destas duas grutas relativamente aos grandes centros de arte paleolítica cantábrico-pirenaicos.  Ainda assim no caso de Maltravieso pouco depois da notícia da existência de arte rupestre, grandes nomes da Arqueologia espanhola como Martin Almagro ou Francisco Jordá Cerda (uma figura que conheci pessoalmente em circunstancias muito gratificantes ver aqui), confirmariam a importância do achado  (1956-59) o que daria a Maltravieso o título de gruta com arte paleolítica mais Ocidental da Europa, título que pouco depois perderia para o Escoural. Já no caso da gruta alentejana, apesar de Farinha dos Santos ter anunciado a descoberta de arte rupestre em 1964, quer na imprensa (Diário de Notícias de 20/7/1964), quer em revista científica (O Arqueólogo Português, 1964), na falta de antecedentes nacionais, seria necessário esperar pela visita em 1965 do arqueólogo francês André Glory (estudioso de Lascaux que  Maltravieso) para a aceitação geral da respectiva datação paleolítica.
(sobre A.Glory e o Escoural ver aqui)
André Glory (ao centro) na Gruta do Escoural, em 1965

Martin Almagro, Callejo Serrano e Francisco Jordá Cerdá em Maltravieso (1959?)



Já no que respeita à situação presente, ainda que seja possível mais uma vez encontrar pontos comuns, o cenário é algo distinto. Curiosamente, em ambos os casos, os processos de concepção, instalação e abertura de Centros Interpretativos, foi praticamente contemporâneo (neste campo as "modas" também são transfronteiriças). 1999 no caso Extremenho e 2000, no caso alentejano. A grande diferença residiu, no entanto, na localização. No caso do Escoural a opção passou pela localização do CI na povoação vizinha de Santiago do Escoural, a 3 km de distância da Gruta (opção compreensível com algumas vantagens e outras tantas desvantagens), já no caso de Maltravieso, o CI está localizado junto à própria Gruta. A grande diferença a nível da ligação ao público e que resulta das circunstancias de conservação que são bem diversas em ambos os casos, reside no facto da Gruta de Maltravieso estar há muito encerrada ao público. Já a Gruta do Escoural, ainda que com limitações, continua a ser possível ser visitada (há no entanto que, previamente proceder à respectiva marcação).

Os vídeos de Maltravieso 

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