quinta-feira, 26 de março de 2015

René Desbrosses (1930-2015)




Tal como as conversas, a INTERNET também é como as cerejas. Atrás de um assunto vem sempre outro. Foi o que aconteceu com a recente “entrada” sobre o IV Congresso Nacional de Arqueologia (http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/03/memoria-dos-4-congressos-nacionais-de.html).
Por causa de uma foto, acabei por tomar conhecimento da morte em data muito recente (29 de Janeiro de 2015) de René Desbrosses, um arqueólogo francês, velho amigo do GEPP (Grupo para o Estudo do Paleolítico Português), uma associação informal que nos anos 70 congregava vários estudantes e jovens arqueólogos particularmente interessados na temática Paleolítica. Muito críticos em relação à escola tradicional demasiado enfeudada à Geologia, que limitara durante várias décadas os avanços dos conhecimentos neste domínio, aqueles jovens procuravam “lá fora” aquilo que a arqueologia portuguesa não lhes podia dar. E, por motivos vários, esse "lá fora", era então a França. Quer por tradição cultural, quer pelo domínio da língua e facilidade de acesso à bibliografia, quer sobretudo pela pujança da investigação paleolítica francesa à época, reconhecida mundialmente, graças a nomes como André Leroi-Gourhan (1919-1986), François Bordes (1919-1981), Jacques Tixier ou Henry de Lumley, só para citar alguns. Não admira pois, que após a descoberta da arte rupestre do Vale do Tejo em Outubro de 1971, por uma equipa do GEPP, estes tenham procurado em Paris, junto de André Leroi-Gourhan, informação actualizada sobre a melhor metodologia para o seu registo urgente, dada a ameaça pendente da Barragem do Fratel. Trouxeram então informação sobre as técnicas de moldagem praticadas na Argélia (Tassili) pelo seu assistente Michel Brézillon (1924-1993) que iriam aplicar no Tejo, mas sobretudo trouxeram contactos e abertura dos seus "chantiers de fouilles" à participação de estudantes portugueses. Logo nesse mesmo Verão de 1972, Francisco Sande Lemos participaria nas escavações de Pincevent dirigidas por Gourhan e Brézillon, a que se seguiram outros colegas nos anos seguintes, não apenas em Pincevent, mas noutros sítios franceses, como “Tautavel”, nos Alpes, sob a direcção de Henry de Lumley, La Tourasse, nos Pirinéus, sob a direcção de Michel Orliac, etc…


Foi nesse contexto que surgiu também a oportunidade de envolvimento no projecto que René Desbrosses conduzia desde o início dos anos 70 nas margens do Rio Ain, ao Sul de Lyon (Fouilles Prehistoriques de L’Ain). Desbrosses, antigo professor liceal de História, estava desde 1974 ligado ao Laboratório de História Natural e ao CNRS. Nesse âmbito desenvolveu importantes escavações nos níveis do Paleolítico Superior e Epipaleolítico do “Abri Gay”, um sítio vizinho da gruta de La Colombière, tornada célebre pelos seixos com gravuras paleo e epilpaleolíticas, descobertos alguns anos antes nas escavações do americano H.L.Movius, professor em Harvard. No Verão de 1978, coincidindo com um período em que o GEPP desenvolvia já um projecto de investigação paleolítica no Ródão, com sondagens em sítios como Vilas Ruivas, Monte Famaco ou, posteriormente, Foz do Enxarrique, tive oportunidade de participar nas escavações então conduzidas por René Desbrosses na Gruta de la Colombiére, conjuntamente com Luis Raposo, Francisco Sande Lemos, José Mateus e Maria João Coutinho. Essa experiência seria particularmente interessante para nós no que respeitava à logística de uma intervenção em gruta, pois Desbrosse instalara toda uma série de equipamentos mecânicos de apoio, quer na escavação quer no tratamento posterior dos sedimentos recolhidos, alguns dos quais replicaríamos depois nas escavações do Ródão. Também se revelou muito importante para a nossa formação, a componente social e educativa do projecto. Instalado num Castelo propriedade pública (Chateau de Chenavel), as escavações coincidiam com as férias escolares de modo a que os estudantes, de vários graus de ensino e alguns com problemas especiais, pudessem participar activamente. Em paralelo com o trabalho de campo e gabinete (recordo que todas as manhãs, logo a seguir ao pequeno almoço e antes da partida para o campo, a cada participante era entregue uma amostra de sedimentos lavados, para separação rápida da micro fauna e dos restos de talhe lítico…) havia conferencias e projecções de slides ou filmes didáticos e o próprio Castelo, onde se mantinham exposições sobre a Pré-história, estava aberto á visita pública. Naturalmente, Chenavele acabava por ser uma espécie de Centro de Investigação, onde se cruzavam investigadores de várias disciplinas. Nesse Verão tivemos a sorte de conhecer e trabalhar na Colombière com outro grande pré-historiador francês, Jacques Tixier, que tal como François Bordes, se especializara no talhe experimental. Dessa relação de amizade surgiu mais tarde, nos anos oitenta, a concretização de uma célebre sessão de talhe experimental, conduzida pelo próprio Tixier, no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa.
O Chateau de Chenavel, sede do projecto "Fouilles Prehistoriques de LAin, dirigido por René Desbrosses


Verão de 1978: Luis Raposo, José Mateus (à esquerda), Maria João Coutinho, sentada ao centro, e Francisco Sande Lemos, à direita, na esplanada do Castelo de Chenavele
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Estação de "crivagem a água" de sedimentos, nas margens do L'Ain




Estação de "crivagem a água" nas margens do Tejo (Foz do Enxarrique).





















Ainda que outros colegas tenham posteriormente participado nas escavações de Chenavele e tenham mesmo mantido relações de amizade muito próximas com René Desbrosses, o meu último contacto pessoal aconteceria em Maio de 1980, em Faro. Encorajado pelas excelentes relações com os estudantes portugueses, Desbrosses resolveu participar no IV Congresso Nacional de Arqueologia, suponho que com uma comunicação jamais publicada, em que realçava a importância, para ambas as partes, desta atípica colaboração internacional, afinal tão distante do formalismo burocrático que envolve na actualidade este tipo de projectos.



René Desbrosses confraternizando com os colegas portugueses, em Faro, num intervalo do IV Congresso Nacional de Arqueologia (Maio de 1980). Da esquerda para a direita: José Mateus, A.Carlos Silva (encoberto) Ana Raposo, José Arnaud, Desbrosses, Luiz Oosterbeek e João Zilhão.




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