segunda-feira, 9 de março de 2015

Ainda a propósito do Dia Internacional da Mulher e de Irisalva Moita..
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A Casa dos Bicos antes da intervenção da XVII Exposição europeia de arte, ciência e cultura



Tendo tomado boa nota, entre muitas outras referencias a propósito do Dia Internacional da Mulher, do comentário no facebook da colega Lídia Fernandes (arqueóloga da Câmara Municipal de Lisboa e actual responsável pelas Ruínas do Teatro de Olissipo) sobre a importância da arqueóloga Irisalva Moita (1924-2009), tomei talvez pela primeira vez consciência de como a história da arqueologia portuguesa, até data bastante recente, é essencialmente uma história no masculino. Não que me baseie para aquela conclusão em qualquer estudo sobre o assunto, ainda que a exploração de tal tema valesse a pena, e aqui fica o repto para que alguma arqueóloga ou arqueólogo se abalance a isso. Mas a propósito da memória de Irisalva Moita (deixando para outra ocasião algumas reflexões sobre o papel de Irisalva Moita e de outras mulheres da sua geração na Arqueologia portuguesa), não resisto a referir dois pequenos episódios dos tempos em que tive responsabilidades na área de Arqueologia no IPPC nos anos 80. Um está directamente relacionado com o teatro romano e teve que ver com um parecer que foi solicitado ao IPPC ao tempo da Presidência da Câmara de Lisboa do Eng. Krus Abecassis. Estava em causa um ambicioso projecto de “reconstrução” do teatro romano, com o fim de o colocar, a exemplo do que se passava em muitas outras cidades do antigo Império, ao serviço de espectáculos de índole variada. Uma pequena investigação no material de arquivo da antiga Junta Nacional de Educação, nomeadamente nos relatórios da responsabilidade de Irisalva Moita que ali dirigira trabalhos no tempo da gestão do General França Borges, permitiu-nos desde logo identificar graves insuficiências e incongruências do projecto que, aliás, se viria a confirmar, era antes mais uma manobra de propaganda política pré-eleitoral. Desde logo porque se ignoravam os antecedentes e o próprio historial do processo de redescoberta e escavação, ultrapassando a figura da sua principal responsável, ainda por cima alta funcionária da própria Câmara. Depois, porque a própria Irisalva Moita, posta anteriormente perante propostas semelhantes, havia já avaliado objectivamente todas as condicionantes, técnicas e sociais que era preciso resolver previamente à prossecução de um objectivo compreensível mas extremamente complexo. 


Soube mais tarde que a posição crítica então tomada pelo IPPC fora ao encontro da opinião da Irisalva Moita e o projecto a que estava ligado o arqueólogo Adriano Vasco Rodrigues, há muito retirado da actividade de campo mas politicamente próximo de Abecassis, acabaria por dar em nada. Já não me recordo se a propósito daquele assunto me cruzei com Irisalva Moita, ao contrário do que aconteceu no segundo caso que aqui refiro, relacionado com a recuperação da Casa dos Bicos em 1982/83, no âmbito da XVII Sétima exposição europeia de arte, ciência e cultura. Nessa altura tive a oportunidade de a acompanhar, juntamente com o meu antigo Professor de História de Arte Pedro Canavarro, bem como os Arquitectos Formosinho Sanches e, suponho, que Manuel Vicente, na primeira visita ao edifício antes do desenvolvimento do projecto e das obras em que a célebre casa manuelina, recuperou os antigos andares originais. Lembro que tivemos de esperar algum tempo que um empregado municipal desentaipasse uma das portas para, finalmente, a custo penetrarmos na casa, antigo armazém de bacalhau, sem uso desde que fora adquirida pela autarquia e que estava transformada num imenso e imundo pombal. Naturalmente, não participei directamente nas escavações que o Departamento de Arqueologia do IPPC ali viria a realizar sob a direcção de Clementino Amaro, com grande eficácia e relevantes resultados, ainda hoje observáveis “in situ”. Mas foi graças à compreensão e total apoio de Irisalva Moita, uma das grandes introdutoras da arqueologia urbana em Portugal, que nessa visita se se estabeleceu claramente o princípio da necessidade da intervenção arqueológica prévia à obra, o que há 3 décadas não era especialmente óbvio para toda a gente.

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