segunda-feira, 30 de maio de 2016

Para que serve o "património"?

A lápide da Tourega

Pessoalmente, considero que um dos maiores defeitos da generalidade dos investigadores ou especialistas da área do património (arqueólogos, historiadores de arte, arquitectos, conservadores-restauradores e até os museólogos) é muitas vezes esquecerem que a sua actividade profissional tem afinal um propósito ou objectivo fundamental, sem o qual tudo o que fazem perde o sentido. Esse objectivo pode ter vários nomes, mas para simplificar chamemos-lhe "público". Reconheço com toda a naturalidade, que neste aspecto não serei muito diferente da maioria dos meus colegas e, frequentemente, terei dado total primazia ao que me dava gozo ou prazer no "meu trabalho", esquecendo que se ele não fosse útil para os outros (que ainda por cima o pagam de uma ou de outra forma) ele seria afinal uma "fraude". É certo que este sentido utilitarista não pode ser visto de forma simplista ou imediatista, havendo obviamente uma grande franja de trabalho, sobretudo na área da investigação, cujos resultados práticos podem tardar ou até desembocar, em becos sem saída. Pode até acontecer que nós próprios possamos estar convencidos de que aquilo que estamos a fazer é absolutamente prioritário e indispensável, mas mais tarde ou mais cedo, teremos de ser capazes de sair da nossa carapaça individual ou mesmo da nossa fortaleza corporativa (sim também temos os nossos interesses de grupo que cuidamos em preservar!) para nos submetermos ao crivo da crítica social, no que respeita ao efectivo interesse público daquilo que fazemos no nosso dia a dia com os meios que nos são disponibilizados.

A chegada ao novo Museu Nacional dos Coches

Vieram-me estas reflexões a propósito da visita de uma centena de "vizinhos" que acompanhei recentemente (mais como autarca do que como arqueólogo) aos Museus Nacionais dos Coches e de Arqueologia. A iniciativa da Junta de Freguesia (Tourega e Guadalupe) que contou com o apoio da Câmara Municipal de Évora e a cumplicidades amiga dos colegas responsáveis por aqueles museus (Silvana Bessone, directora do Museu Nacional dos Coches e António Carvalho, director do Museu Nacional de Arqueologia) tinha como pretexto, dar a conhecer aos vizinhos da Tourega, uma lápide romana que esteve vários séculos na sua igreja matriz (sede histórica da freguesia) e que o Bispo Cenáculo integrou na coleção que viria a dar origem ao Museu de Évora, a quem hoje pertence (ver a propósito). A inscrição que ostenta é de tal modo interessante e rara que a lápide integra a exposição Lusitânia Romana, origem de dois povos, uma iniciativa conjunta do MNA com o Museu de Arte Romana de Mérida que seguirá em breve para Madrid, onde será exposta no Museu Nacional de Arqueologia de Espanha.

A Directora do MNC, Silvana Bessone, recebe o grupo de vizinhos e dá as primeiras informações sobre o Museu e a sua coleção.

Foi pois com alguma emoção que me envolvi, não só na organização mas também a própria visita que proporcionou a gente muito pouco habituada a sair da sua terra (e normalmente com outros pretextos menos culturais), uma experiência bem diferente do seu dia a dia. Ainda que o grupo fosse bastante heterogéneo, era na sua maioria integrado por gente simples que raramente terá entrado em museus ao longo de uma vida de árduo trabalho, mas o interesse que demonstraram por tudo o que viram e a atenção com que acompanharam as explicações da própria Silvana nos Coches, ou da equipa do serviço educativo do MNA (coordenada pela Maria José Albuquerque), deixou-me aquela sensação agradável de dever social cumprido. Foi especialmente gratificante, ouvir os acertados comentários dos velhos trabalhadores agrícolas de Valverde, São Brás ou Guadalupe, comentarem com conhecimento de causa, a estrutura, a mecânica ou os arreios dos antigos meios de transporte de tração animal. Ou a, "redescoberta" na exposição da Lusitânia, da antiguidade dos velhos chocalhos, recentemente valorizados na vizinha vila de Alcáçovas. Ou, por fim, a atenção com que seguiram as detalhadas descrições sobre a carreira política imperial do senador Quinto Julio Maximo, proprietário da villa da Tourega.


O chamado Coche dos Oceanos, restaurado a quando da Expo





A visita ao Picadeiro Real, onde nasceu por iniciativa da Rainha D.Amélia e esteve instalado durante quase um século o Museu Nacional dos Coches.


A concentração à porta do Museu Nacional de Arqueologia
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Ao contrário da visita ao MNC, onde a largueza do espaço permitiu a visita em conjunto, no MNA organizaram-se quatro grupos, que com o apoio de colaboradoras do serviço educativo do Museu, visitaram não apenas a exposição da Lusitânia, mas também as restantes exposições com destaque para a Sala do Tesouro e para a Coleção Egípcia.


A lápide da Tourega





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