terça-feira, 24 de maio de 2016



Arqueologia em Arraiolos


Ruínas da Ermida da Sra das Necessidades e Alto do Sargacinho (1993)

Por iniciativa da Câmara Municipal realizam-se amanhã naquela vila as "Jornadas do Património" subordinadas ao tema da Arqueologia no concelho. Será, certamente uma ocasião para se fazer o ponto da situação sobre a recente evolução dos conhecimentos neste domínio, que de facto conheceram significativos progressos nas duas últimas décadas. Por estranho que possa parecer, pese embora a proximidade de Évora, quando há um quarto de século tive oportunidade de apoiar o respectivo município através da compilação, para efeitos do respectivo PDM, dos dados bibliográficos então disponíveis, confirmei que se tratava afinal de um território muito pouco conhecido, arqueologicamente falando. Das 120 referencias arqueológicas que então foi possível compilar, mais de 80% diziam respeito a monumentos megalíticos e quase todas provinham de uma mesma fonte: o monumental inventário do megalitismo ibérico da autoria de Georg e Vera Leisner, publicado pelo Instituto Arqueológico Alemão na década de 50. A par deste peso do megalitismo, surgiam também numerosas referencias às ruínas do "templo romano de Santana do Campo", conhecidas pelo menos desde que a elas se referiu no século XVIII em memória dirigida à Academia Real de História (1734) Frei Afonso da Madre de Deus. Por outro lado, não alterava esta situação, o facto de ser natural de Arraiolos um dos primeiros grandes arqueólogos do Século XIX, de seu nome Cunha Rivara, responsável por grandes escavações em torno do Templo de Évora em meados do Século XIX, quando dirigia a vizinha Biblioteca Pública. Apesar de Rivara dedicar uma monografia a Arraiolos, dela não se extraíam grandes informações arqueológicas. Apesar de pequenos contributos de Possidónio da Silva no megalitismo e de Gabriel Pereira, no Romano, é a Virgílio Correia que devemos um primeiro olhar de arqueólogo interessado sobre estas terras. Enquanto conservador do Museu Etnológico e colaborador de Leite de Vasconcelos, antes de rumar a Coimbra, Virgílio Correia estudou a pré-história do Alentejo Central na segunda década do Século XX, conduzindo várias escavações na zona de Pavia, entre Arraiolos e Aviz. Data dessa época o seu interesse pelo santuário romano de Santana do Campo que vem a referir depois em várias publicações e a identificação dos primeiros vestígios rupestres na região, na célebre "Pedra das Gamelas", próximo de Santana. 

A "Pedra das Gamelas", penedo insculturado referenciado por Virgílio Correia, nas proximidades de Santana do Campo, aqui a ser observada por José Perdigão.

Aliás seria também o Megalitismo, nomeadamente a explicação sobre as suas origens, que atrairiam a esta região nos anos 30, o sucessor de Leite de Vasconcelos, Manuel Heleno. Este centra grande parte da sua frenética actividade de campo (referem-se quase três centenas de antas escavadas!) no concelho de Montemor, mas avançando também para Norte (Coruche) e para Leste (Sabugueiro e São Pedro da Gafanhoeira, já Arraiolos). É com base nos dados de Correia e de Heleno, complementado por um ciclópico trabalho de campo, que os Leisner irão em meados do século inventariar cerca de uma centena de antas no território do concelho de Arraiolos, preenchendo quase monotematicamente a respectiva Carta Arqueológica. Posteriormente, até aos anos 90, quando com José Perdigão retomei trabalhos de prospecção na área, a arqueologia de Arraiolos registava apenas novas referencias a Santana do Campo por Jorge de Alarcão e José d'Encarnação, este mais centrado na questão das inscrições romanas, a que acrescentaria dados inéditos, face a achados na Herdade da Ravasqueira. Ocasionalmente, Afonso do Paço chamara nos anos 60, a atenção para o Castelo de Arraiolos, como possível povoado proto-histórico, o que viria a ser confirmado posteriormente por sondagens de Gustavo Marques e investigações recentes. Entretanto já na década de 80, e no contexto de colaboração entre o ex Serviço Regional de Arqueologia do Sul e a autarquia, uma tradição que se prolongaria até hoje, José Olívio Caeiro então assistente na Universidade de Évora, viria a realizar alguns trabalhos, sem continuidade noutros sítios romanos entretanto identificados no concelho. Aliás, a densidade do povoamento romano, desde época republicana, com sítios ainda com alguma monumentalidade (caso do mal conhecido "Castelo do Mau Vizinho"), parece ser uma realidade que só agora começa a ser descortinada.


Era esta a situação que se nos deparava em 1993 (encerrado o projecto Luso-belga na Gruta do Escoural) quando decidi com José Perdigão propor à autarquia a execução da Carta Arqueológica de Arraiolos, partindo da tal base bibliográfica já referida. Por questões práticas, seguindo uma metodologia já comprovada por outros colegas (nomeadamente Rui Parreira nos anos 80 em Vila Franca de Xira ou Fernando Lanhas e Domingos Pinho Brandão, no Porto, nos anos 60), organizámos o trabalho de campo e o tratamento dos dados, com base em "oitavos" das folhas 1:25 000 da Carta Militar Portuguesa, qualquer coisa como parcelas de 20 Km2. Localizados os poucos dados disponíveis, avançávamos para a prospecção registando e localizando com a precisão possível nhas cartas militares (erro de +- 50 m) os novos dados observados. Ainda no arranque do projecto, por proposta do Prof. António Lamas, meu antigo Presidente no IPPC, e na altura director dum novo curso do IST (Arquitectura e Planeamento do Território?), articulariamos a certa altura os nossos trabalhos de campo,  com  uma equipa de estudantes do referido curso dirigidos pelos Engenheiros geógrafos João Matos e Miguel Baio. ( ver aqui uma especial referencia ao GPS e a Arqueologia). Julgo que pela primeira vez se aplicou entre nós à arqueologia, a tecnologia GPS então a dar os primeiros passos no domínio civil. 

A experiencia de Arraiolos, um projecto limitado no que dizia respeito a meios humanos, acabaria por ficar confinada a uma área específica (a folha 437 da CMP), tendo duas décadas depois sido retomada por uma equipa da Universidade de Évora, dentro de moldes diferenciados. Ainda assim, julgo que aquele projecto dos anos 90 terá correspondido a um momento de viragem importante na Arqueologia de Arraiolos que conheceria entretanto novo fôlego, como certamente ficará demonstrado pelas jornadas de amanhã. Para além do reforço significativo de novos dados (de 120 registos em todo o concelho, passaríamos apenas nesta zona, cerca de 1/6 da área total do concelho, para 265), foi organizada uma pequena exposição sobre o projecto e publicado em livro o respectivo relatório e inventário. 

Mas como corolário final do projecto, há um dado que é pouco conhecido e que é significativo. Enquanto colaborador, em representação da Direcção Regional de Évora do IPPAR (1994/95) na equipa que concebeu a base de dados ENDOVÉLICO (dirigida pelo Prof. Ribeiro da Costa da Universidade Nova de Lisboa), os resultados do projecto da Carta Arqueológica de Arraiolos (folha 437), conjuntamente com a informação de campo que estava a ser recolhida no Vale do Côa, no âmbito do conflituoso processo de construção da respectiva Barragem, serviriam de material de teste para os primeiros preenchimentos de dados de inventário arqueológico automaticamente georeferenciados. Tratava-se então de um avanço inédito, não só em Portugal, como a nível internacional, como pude confirmar, ao apresentar na Primavera de 1995 o projecto ENDOVÈLICO, num colóquio em Oxford, organizado pelo Conselho da Europa, sobre inventários arqueológicos.

Os dados da CAA ainda hoje sobressaem (São Pedro-Arraiolos) nos dados georeferenciados da Base de Dados ENDOVÉLICO (dados disponíveis mas não actualizados)







Os Eng. João Matos e Miguel Baio, posicionando vestígios arqueológicos com recurso ao GPS (1993)

No campo (1993) com a equipa de estudantes do IST






Sem comentários:

Enviar um comentário