segunda-feira, 13 de março de 2017

LARZAC


O "disco-memória" da manifestação de 1973 

Larzac 74 (Foto ACS)

"Larzac"...Esta palavra pouco dirá hoje à maioria das pessoas (trata-se de uma região francesa, próximo de Bergerac) e mesmo procurando na Internet é preciso saber o que se busca para não ficarmos pela geografia turística; mas nos anos 70 do século passado "Larzac" foi sinónimo de luta política não violenta, sendo actualmente considerado como um marco no nascimento dos movimentos de luta ecológica. No site  Global Nonviolent Database é possível encontrar um resumo histórico sobre este movimento, desde 1971, quando o Ministro da Defesa francês decidiu alargar o Campo Militar do Larzac de 3 000 para 17 000 hectares, à custa da expropriação forçada de uma centena de explorações agrícolas, até 1981 quando o Presidente eleito Mitterrand finalmente reverteu aquela decisão. 
Larzac 1974- Banca de apoio à luta do povo chileno (Foto ACS)
Mas o que é que o Larzac tem que ver com um blog de memórias arqueológico-patrimoniais? É que, na sequencia de uma primeira experiencia de arqueologia em França em 1973, ainda como estudante (em Pincevent, Montereau, sob a direcção de André Leroi-Gourhan), tive oportunidade de regressar de novo a França, nesta ocasião um pouco mais a Sul (Haute-Garonne), para participar nas escavações de uma pequena gruta pré-histórica (La Tourasse, Saint-Martory) no âmbito de um projecto conduzido por Michel et Éliane Orliac, um casal de arqueólogos antigos alunos de Gourhan, que conhecera em Pincevent. Ainda que essa aventura peri-pirenaica aqui mereça, oportunamente, registo mais detalhado hoje por motivação musical (decorrente da re-arrumação da pequena colecção de discos de vinil que guardo em casa e onde existem alguns exemplares alusivos então adquiridos) é o LARZAC que quero recordar. Até porque reencontrei também as fotos que então fiz (slides) e que aproveitei para digitalizar e aqui divulgar, numa reportagem com 43 anos de atraso.

Aspecto geral da manifestação de 1974 (Foto ACS)
O ambiente "à Woodstock" é notório. (Foto ACS)
Com efeito, num fim de semana das escavações, Michel e Éliane, ex-activistas do Maio de 68, propuseram que toda a equipa fosse a Larzac, correspondendo ao apelo "Tous au Larzac", onde estava marcada a 17 e 18 de Agosto, uma grande manifestação de apoio à luta dos camponeses. Coube-me na logística da viagem acompanhar uma estudante local, num velhíssimo e muito francês "dois cavalos", que apesar de vários percalços (incluindo a quebra do cabo do acelerador rapidamente subsituido por uma arame) resistiu aos 500 km de ida e volta... Quanto à manifestação (segundo os créditos históricos, a maior jamais realizada no Larzac, com mais de 100 000 presenças), e apesar do meu baptismo político ter acontecido três meses antes em Lisboa com o histórico 1º de Maio de 1974, a experiência acabaria por ser inolvidável. O local onde esta teve lugar, era um planalto inóspito e longe de tudo, situação que era agravada por uma organização e logística mínimas. Aliás, as "organizações" aderentes, tirando partido da situação, eram claramente dominadas por anarquistas e trotskistas, logo secundadas pelas maoístas (incluindo uma pequena "banca" do MRPP, a única presença portuguesa "organizada" que vislumbrei...). Salvava a situação a organização dos camponeses locais, no que respeita ao estabelecimento de um mínimo de ordem, indispensável na gestão de uma multidão no deserto. Foram aliás os camponeses do Larzac, os primeiros e últimos interessados no que ali estava verdadeiramente em causa que, recorrendo a máquinas agrícolas, salvaram François Mitterrand (então Presidente do PS francês, na oposição) de apanhar uma valente sova dos anarcas que, ao aperceberem-se da sua presença em Larzac (sim Miterrand também apareceu, penso que no dia 18 de Agosto) o perseguiram durante largos minutos com ameaçadoras palavras de ordem "Mitterrand, rappelle toi l'Algérie", recordando-lhe à exaustão o papel que tivera na repressão aos nacionalistas na guerra da independência argelina, duas décadas antes.

Prova da única presença organizada portuguesa: a bandeira do MRPP (Foto ACS)


Até porque a música também esteve presente na noite de 17 para 18, dir-se-ia que estas grandes manifestações do Larzac (72, 73, 74) e os gigantescos acampamentos associados (onde tudo podia acontecer...) foram uma espécie de Woodstock europeu, ao contrário. Primeiro a política e só depois a música e a diversão meio psicótica...  No entanto, pelo menos em 1974, a componente musical não deve ter sido particularmente interessante. De facto, para além da presença de grupos musicais chilenos recém-exilados na Europa na sequencia do golpe de Pinochet e que tantas vezes veríamos actuar no Portugal do pós 25 de Abril, recordo apenas ter finalmente sido vencido pelo cansaço, ouvindo uma longa e monótona intervenção de um grupo masculino basco que cantando "a capella", me fazia lembrar  (ainda que em ritmo bem mais lento...) o distante cante alentejano...
Cartaz de um filme recente sobre o movimento do Larzac (2011)

A luta dos camponeses do Larzac prolongar-se-ia por toda a década, nos tribunais e no terreno, chegando estes a marchar sobre Paris com as suas máquinas agrícolas e a acampar sob a Torre Eiffel. Apenas terminaria em 1981 com a eleição de Mitterrand  para a Presidência da República francesa. E apesar do susto com os "anarcas", de que fui testemunha directa em 1974, este cumpriu a sua promessa. Hoje, segundo percebi por notícias relativamente recentes que encontrei na NET, a pressão dos interesses militares coloca-se de novo no Larzac, ainda que com contornos diversos.  ver aqui


Um dos discos que comprei no Larzac, também em apoio da causa chilena.




A minha reportagem fotográfica da Manifestação de 17/18 de Agosto de 1974, no Larzac

















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