terça-feira, 26 de abril de 2016

Arte chocalheira no Monte das Pedras



Para mim o "Ti Bento" do Monte das Pedras, já há muito fazia parte do "património" local, enquanto sobrevivente do trio de trabalhadores rurais que, sob as ordens e orientação do Eng. Miguel Fernandes Soares, antigo proprietário da Herdade dos Almendres, haviam procedido aos primeiros trabalhos de re-ereção de menires do hoje muito conhecido Cromeleque dos Almendres, no início dos anos 60 do século passado. Desse grupo fez parte também o Ti Samina, desaparecido há alguns anos mas com quem tive o prazer de conviver ainda (e muito aprender) no Monte das Pedras e um outro trabalhador residente na Boa Fé, António Canaverde, que já não conheci. Aliás, há pouco mais de um ano, o malogrado Pedro Alvim, por minha sugestão, teve ainda oportunidade de "in loco", recolher o testemunho directo do Ti Bento, sobre a metodologia seguida nesses primitivos "restauros" realizados nas "Pedras Talhas" e que basicamente passaram por, apenas com recurso a instrumentos manuais (enxadas e alavancas), repôr na vertical as grandes pedras (menires) semi-tombadas pelo tempo, mas ainda com a sua base cravada na "cama" original. Apenas algum tempo depois, algures no Verão de 1964, o conjunto de menires dos Almendres seria reconhecido arqueologicamente por Henrique Leonor de Pina, que promoveria entretanto o seu levantamento topográfico e proporia a respectiva classificação.

O Ti Bento, talhando em azinho mais um badalo de chocalho. Um pisador de alho talhado também pelo Ti Bento

Mas afinal o Ti Bento, no que respeita a patrimónios, joga também noutros campeonatos... Já lhe conhecia os dotes no trabalho da madeira, através da qualidade estética de alguns detalhes decorativos nos instrumentos de trabalho por si preparados.  Ignorava, no entanto, as suas qualificações específicas no domínio da "arte chocalheira", uma arte popular recentemente reconhecida pela UNESCO (1/12/2015), como fazendo parte do Património Cultural Imaterial da Humanidade, com necessidade de salvaguarda urgente. É que o Ti Bento, conforme descobri há dias, é especialista na produção dos badalos para os característicos chocalhos, nos quais se usa em exclusivo, a madeira de "azinho", essencialmente por razões que têm que ver com a respectiva dureza e densidade, factores que se reflectirão, por sua vez, no característico efeito sonoro pretendido.

Vivendo não muito longe das Alcáçovas e sendo há muitos anos amigo do antropólogo Paulo Lima, responsável científico por esta candidatura, foi com natural curiosidade que acompanhei o seu desenvolvimento e o seu grande sucesso, não necessariamente garantido, tendo em conta a singeleza do objecto em si. Mas foi obviamente com alguma estupefacção que me deparei com mais esta aptidão do meu vizinho Bento, acrescendo como motivo de especial interesse, o facto de, neste caso, o seu  trabalho resultar da "encomenda" de uma Herdade vizinha, em vias de renovação dos "meios de sinalização" do respectivo gado vacum.


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