quarta-feira, 20 de abril de 2016

Ainda Santarém, revisitando a Alcáçova

Há dois dias referi-me neste Blog (http://pedrastalhas.blogspot.pt/2016/04/o-novo-e-premiado-museu-diocesano-de.html) ao interessante Museu Diocesano de Santarém e por agradável coincidencia, no dia seguinte o Vitor Serrão divulgou no Facebook um seu artigo publicado há dias no Correio do Ribatejo  (cuja leitura recomendo ler aqui) sobre o novo Museu, a propósito do recente galardão que ao mesmo foi atribuído no âmbito do Prémio Europa  2016. Pessoalmente, para além da qualidade do projecto museográfico e arquitectónico (no domínio da requalificação do edificado pré-existente) gostaria de destacar o modelo de gestão da visita pública subjacente ao projecto, modelo que enquanto vulgar visitante me pareceu eficaz e sustentável, apesar de minimalista. Recordo que, muitas vezes, é neste aspecto que projectos museográficos interessantes acabam por sossobrar. Demasiada preocupação com o acto criativo em si e com a "inauguração", acaba por fazer esquecer o dia seguinte, descurando-se aquela que é a principal razão de ser dum projecto desta natureza: a relação com o público para quem é suposto dirigir-se. Neste caso, o plano de visita parece-me particularmente feliz, não esquecendo a visita à Catedral e à sacristia, e o modelo de "exploração" exequível com meios humanos restritos (tudo pode ser controlado pela recepcionista, incluindo a bem abastecida loja de souvenires) mostrando que nada foi deixado ao acaso.
São João de Alporão, o primeiro Museu de Arqueologia que visitei em toda a minha vida (certamente ainda de calções)...

Infelizmente, em Santarém, pelo que me foi dado ver em curta visita turística, abundam exemplos contrários, alguns dos quais muito pouco abonatórios para os profissionais do património, nomeadamente para os arqueólogos. A caminho da Porta do Sol (Alcáçova de Santarém) onde me interessava ver a integração de vestígios arqueológicos resultantes de prolongados projectos de investigação aí desenvolvidos, passei junto a São João de Alporão. Um sítio que para mim tem um especial significado pois é certamente o primeiro lugar chamado "Museu" em que me foi dado entrar, há mais de meio século, quando tinha pouco mais de 10 anos. As memórias desse tempo confundem-se certamente com visitas posteriores, algumas já a nível profissional (em meados dos anos 80, visitei Santarém em trabalho acompanhando o já falecido João Palma Ferreira, na altura Presidente do IPPC, visita em que o grande tema era a recuperação do Convento de São Francisco!). Mas, a imagem difusa que ainda conservo, é a de uma amálgama incoerente de pedras e inscrições, conferindo ao pequeno templo um ar de gruta de Ali Baba. Julgo que oportunamente (ou não) o Museu foi remodelado (1995, segundo consegui descobrir no "Google"...) mas, pelo o aviso improvisado que encontrei à porta, encontra-se encerrado aguardando nova reformulação. O mesmo parece acontecer logo em frente, na Torre das Cabaças, com o Museu do Tempo... Continuo a caminho da Alcáçova e a obrigatória passagem junto ao Teatro Rosa Damasceno, acaba por ser mais um sinal bem óbvio da decadencia dos nossos Centros Históricos (Évora, também tem bem no seu centro, a par de tanto comércio encerrado pela crise, o seu próprio teatro abandonado, o velho Salão Central!).
O abandonado teatro Rosa Damasceno, imagem da decadencia do centro histórico de Santarém

Apesar de tudo, neste contexto de problemas de gestão patrimonial, a situação que se me revelaria mais constrangedora, enquanto arqueólogo, viria a deparar-se-me na Alcáçova. Tendo acompanhado, à distancia e pela bibliografia, os importantes resultados científicos revelados em muitas campanhas de escavação  ali realizadas (umas preventivas outras de objectivos essencialmente científicos), que vieram confirmar a importância deste local estratégico para o controle da circulação no Tejo, desde pelo menos o início da Idade do Ferro (nos alvores do primeiro Milénio antes de Cristo, com a chegada dos Fenícios) até à época romana (Scalabis, teve um estatuto jurídico equivalente ao de Pax Julia, Beja), esperava encontrar algo que transmitisse ao público em geral essa informação relevante, não apenas para a valorização do local e da cidade, mas igualmente para o enriquecimento cultural dos visitantes. É essa a contrapartida que a Arqueologia deve à comunidade pelos recursos consumidos por quantos vivem dessa actividade. E de facto,ao aproximar-me do cuidado jardim das Portas do Sol, não me passou despercebida uma enorme mas bem integrada estrutura que adivinhei fazer parte de um projecto de valorização arqueológica de ruínas conservadas "in situ". Apesar da falta de qualquer elemento identificador ou sinalizador (o interessante desdobrável sobre o Cento Histórico de Santarém fornecido pelo turismo Municipal também nada acrescentava), não tive qualquer dúvida em para ali dirigir-me. Um equipamento de controle, já vandalizado e desactivado, instalado no acesso, confirmava que estava no caminho certo que levava a um largo varandim rodeando uma grande zona coberta, protegendo diversas estruturas arqueológicas. Mas, infelizmente, era tudo. Por mais que procurasse qualquer elemento interpretativo ou sequer identificador do que ali estava preservado, não encontrei sequer uma palavra, quanto mais uma linha. Olhando com alguma atenção, pareceu-me perceber a lógica que terá presidido à solução comunicativa. Uma caixa metálica suspensa, já oxidada pelo tempo, parecia esconder um projector de video, por certo há muito inoperacional, frente a um ecrã acrílico...Provavelmente, sempre que um visitante passava pelo equipamento de controle, aqui seria projectada a indispensável informação de apoio. Coisa que, pelo ar do equipamento, há muito que já não acontece...

Felizmente, pensei eu, a esmagadoura senão a totalidade dos muitos visitantes das Portas do Sol, delicia-se com a extraordinária vista da lezíria e, pura e simplesmente, ignora aquelas "ruínas musealizadas". E dali saí acabrunhado pela confrangedora situação. Não apenas por não ter conseguido interpretar as estruturas expostas, nem funcional nem cronologicamente (problema de arqueólogo pré-histórico), mas sobretudo por ter consciência que, dependendo do serviço onde trabalho há décadas,  e onde já fui responsável, também existem afinal situações semelhantes...




As ruínas conservadas e protegidas da Alcáçova de Santarém. Um projecto de qualidade a que falta "apenas" a indispensável interpretação.



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