terça-feira, 3 de novembro de 2015

Os "fornos" do Xerez e o MNA



No último sábado, dia 31 de Outubro, no contexto das actividades paralelas à exposição "Alqueva, 20 anos de obra 200 Milénios de História" e seguindo o modelo de palestras no Museu Nacional de Arqueologia a propósito d' "A peça do mês", os Professores da Faculdade de Letras de Lisboa, Victor Gonçalves e Ana Catarina de Sousa proferiram naquele Museu uma intervenção sobre a importância e significado das "estruturas de combustão" descobertas pela equipa que ambos dirigiram no âmbito dos trabalhos de salvamento arqueológico do Alqueva, algumas das quais se encontram expostas com grande destaque na referida exposição. Da informação-convite do MNA transcrevemos o texto de apresentação das referidas estruturas, também conhecidos pela gíria arqueológica como "fornos do Xerez (ou Xarez, na grafia menos usual mas preferida pelo Prof. Victor Gonçalves) e cuja descoberta veio confirmar a extrema importânca da planície em causa, encaixada entre as colinas de Monsaraz e o Guadiana, e onde para além de múltiplos vestígios megalíticos, já anteriormente conhecidos, os trabalhos do Alqueva vieram revelar uma vasta miríade de sítios comprovando uma intensa e sucessiva ocupação humana em todas as épocas pré-históricas.

Sobre este sítio, gostaria no entanto, de referir alguns dados pouco referenciados mas que merecem registo. Antes de mais lembrar que o Xerez 12 foi identificado, graças à presença de alguns materiais de superfície, por uma equipa de prospecção ao serviço da EDIA, dirigida por José Perdigão e que no segundo semestre de 1996, sob minha coordenação, procedia no campo à revisão (parcial) dos dados de inventário arqueológico disponíveis sobre o território a inundar pela futura barragem. Esta "baixa do Xerez", hoje totalmente alagada, foi precisamente uma das zonas então selecionada para adensamento da prospecção por haver consciência da sua particular importância (eu próprio com Luis Raposo ali fizera sondagens no final dos anos 70, num sítio que denominámos "Xerez de Baixo"). Diga-se, em abono da verdade que mesmo assim, algumas equipas, nomeadamente as equipas responsáveis pelo estudo do Paleolítico ou da Pré-história recente, viriam a identificar novos e importantes sítios nesta zona, já em plena actividade de minimização, mostrando que a prospecção nunca está completa... 

Um outro dado importante que não pode ser ignorado, relacionado com o Xerez 12, tem que ver precisamente com a operação de "remoção e armazenamento" de algumas das estruturas identificadas nas escavações de Victor Gonçalves e Ana Catarina de Sousa. No processo de reflexão e decisão pré-inundação que promovemos e uma vez garantido o "registo possível" dos dados observados nas centenas de escavações empreendidas no Vale do Guadiana, mais do que a remoção e descontextualização de estruturas ou fragmentos de estruturas escavados (exceptuando, naturalmente os "artefactos" e outras "amostragens" com vista à posterior análise laboratorial) foi nossa preocupação proceder a um conjunto de trabalhos de "selagem in situ" que, teoricamente contribuíssem para aumentar as hipóteses de sobrevivência desses sítios aos efeitos catastróficos da inevitável inundação (aliás, a propósito do Castelo da Lousa, já neste Blog citei o artigo onde com Delgado Rodrigues e Joaquim Garcia, abordo essa experiência).
Naturalmente, também neste caso não deixou de haver algumas excepções. O caso mais conhecido é o do "Cromeleque do Xerez" que após inconclusivas escavações de Mário Varela Gomes, decidimos desmontar e remover para nova localização, respeitando no essencial a antiga interpretação "reconstrutiva" do seu descobridor original, o Dr Pires Gonçalves, apesar de todas as críticas e polémicas (ver o "post" que dedicámos a esse assunto:
http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/05/para-historia-do-cromeleque-do-xerez-o.html ). Mas, de algum modo, o Xerez 12 destaca-se na curta lista de sítios onde foi decidido amputar e guardar uma parte, pensando sobretudo no seu potencial interesse museológico. A par da recuperação e conservação museológica de uma secção de um "corte estratigráfico" do sítio da Barca do Xerez (também agora exposto no MNA, uma tarefa concretizada no campo em colaboração com a equipa de arqueologia da STEA, dirigida pela arqueóloga Ana Cristina Araújo) foi decidido por proposta da equipa de Victor Gonçalves, proceder à consolidação, destacamento e transporte de algumas das estruturas ou fornos escavados em Xerez 12. Essa operação, seria concretizada no terreno (2002/2003?) por uma equipa do MNA dirigida pelo técnico Mário Jorge Almeida, no âmbito de um protocolo estabelecido entre a EDIA e aquele Museu expressamente para esse efeito. Num momento em que, finalmente, mais de uma década depois, o público tem oportunidade de observar estas estruturas, pareceu-me que seria de toda a justiça aqui referir também este aspecto, aproveitando a oportunidade para divulgar o Relatório produzido posteriormente pelo seu responsável e a quem aqui agradeço a sua disponibilização para esse efeito.

Texto de apoio ao convite do MNA para a palestra de 31 de Novembro de 2015
Xarez 12 (Reguengos De Monsaraz, Évora) e as primeiras arquitecturas de terra do centro e sul de Portugal: as estruturas de combustão e os seus contextos

Comentada por Victor S. Gonçalves e  Ana Catarina Sousa
Durante largas décadas, o Neolítico antigo do interior alentejano era virtualmente desconhecido no registo arqueológico. A enorme visibilidade do Megalitismo na região (antas, menires e cromeleques) contrastava com os ténues indícios do povoamento mais antigo, nomeadamente das fases iniciais do Neolítico.

Reguengos de Monsaraz, território com um extenso historial de pesquisas, é paradigmático desta realidade. Até ao início dos trabalhos do Alqueva, apenas se conheciam as antas e menires da região, com um longo trabalho de pesquisa, desde os trabalhos pioneiros de Georg e Vera Leisner nos anos 40 até aos trabalhos da UNIARQ, a partir de meados dos anos 80 do século XX.

Muitas antas, pouca gente?                           

Os trabalhos de minimização do impacto da construção da barragem do Alqueva na Arqueologia permitiram identificar as fases anteriores ao eclodir do Megalitismo na região, nomeadamente na transição Mesolítico/Neolítico. Na curva do Rio Guadiana, longe da principal concentração de antas, foram escavados entre 1998 e 2002 quatro habitats integráveis na transição Mesolítico/Neolítico (6º milénio a.n.e.): Carraça, Fonte dos Sapateiros, Xarez 4 e Xarez 12.

Em dois destes sítios (Xarez 12 e Carraça 1), foram identificadas estruturas de argila, revelando uma complexidade e sequência pouco conhecidas para este período.

Xarez 12 corresponde ao sítio com melhor preservação. A localização privilegiada sobre a margem direita do Guadiana atraiu grupos humanos numa longa cronologia, em regime de ocupação sazonal. A funcionalidade do sítio durante essa longa diacronia deverá ter-se mantido constante, relacionada com a caça (evidenciada na fauna e na abundância de projéteis – armaduras geométricas) e com a concentração de estruturas para combustão (no total: 33).

As estruturas associadas à fase mais antiga teriam uma funcionalidade de forno culinário, registando-se a presença de ossos de suídeos e conchas de amêijoa de rio no interior  (carne de porco à alentejana no Neolítico?).    

Face à importância científica e patrimonial dos fornos de Xarez 12, quando as águas da Barragem já quase atingiam a cota de 136 m (altitude média do sitio) foram removidas 7 das 33 estruturas de argila. Foram depositadas no Museu Nacional de Arqueologia e 13 anos depois são exibidas pela primeira vez.

A «peça» do mês é entendida num sentido mais lato, porque os Museus de Arqueologia são sempre museus de sítios, e porque temos uma parte do sítio no Museu.

Relatório de Mário Jorge de Almeida

















1 comentário:

  1. Obrigado António Carlos e obrigado à EDIA e ao MNA, por terem acreditado no método proposto e na equipa, num desafio que resultou bem, anteriormente "ensaiado" por mim e com sucesso, na remoção de outras estruturas de combustão, de muito menores dimensões, em Vale Pincel.
    Mário Almeida

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