domingo, 2 de setembro de 2018


Uma nova vida para a Gruta do Escoural?


Após quase meio século de trabalho arqueológico, não é fácil cortar o cordão umbilical...

Assim este fim de semana resolvi fazer uma visita aos trabalhos que, persistentemente, o Rui Mataloto  teima continuar no Escoural, apesar dos meios escassos que vai conseguindo, até ver, exclusivamente da parte da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.

As novas escavações em curso no "povoado exterior" do Escoural, promovidas e dirigidas por Rui Mataloto (2017/2018) com o apoio da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo. 

Com efeito, quando se aproximava a idade da reforma, entre outras preocupações que me ocorriam pelo inevitável afastamento profissional que tal circunstancia implicaria, avultavam naturalmente as interrogações sobre o futuro do conjunto arqueológico do Escoural. Trata-se de um sítio a que estou ligado há três décadas e cuja situação fui acompanhado em várias fases. Aliás, nos últimos anos de serviço, nomeadamente a partir de 2011, tive oportunidade de coordenar um ambicioso e complexo projecto de renovação das estruturas de visita que, nas suas linhas gerais, correu de acordo com os objectivos. As minhas preocupações, no entanto, tinham e têm razão para existir, dada a conhecida atrofia de meios humanos e financeiros que nos últimos anos têm praticamente reduzido os serviços regionais de cultura, a meras estruturas burocráticas esvaziadas de toda e qualquer capacidade de intervenção prática. Dois exemplos apenas no que se refere ao Escoural, um monumento nacional propriedade do Estado e afecto à responsabilidade da Direção Regional de Cultura do Alentejo: a falta de manutenção regular é já visível nas estruturas instaladas há meia dúzia de anos, em particular no que respeita à iluminação; por outro lado, as escavações promovidas por Rui Mataloto desde o ano passado (que, para além do interesse científico poderão contribuir para a valorização o de novas vertentes de interesse patrimonial do conjunto visitável) não têm qualquer apoio financeiro ou logístico da parte daquela entidade.

De qualquer modo, coincidindo com a minha aposentação (formalizada finalmente em 31 de Dezembro de 2017), um conjunto de circunstâncias positivas acabaria por amenizar os habituais sentimentos pessimistas que lhe estão normalmente associados e que, quase sempre, são um subproduto do peso dos anos. Desde logo, o interesse demonstrado pelo Laboratório HERCULES da Universidade de Évora, em experimentar na "arte rupestre do Escoural" alguns dos seus moderníssimos equipamentos e que acabaria por me proporcionar a colaboração numa derradeira comunicação científica, presente ao II Congresso da Associação de Arqueólogos Portugueses, que teve lugar no Outono de 2017.



Figura 2 (Artigo o II Congresso da AAP) – Exemplos de aplicação do DStretch a alguns motivos pictóricos do Escoural, incluindo a pintura inédita (a – cabeça de auroque vermelha) descoberta em 2011


Mas, seria na confirmação do interesse científico que o conjunto arqueológico do Escoural continuava a despertar em vários colegas, que residiria a minha maior esperança no futuro. E de facto nos últimos tempos, tinha sido contactado por vários colegas, de várias faculdades e instituições, manifestando interesse e vontade em desenvolver novas linhas de investigação relacionadas directa ou indirectamente com a Gruta do Escoural. Naturalmente, em todos os casos, o avanço dos projectos estava condicionado à confirmação de indispensáveis apoios financeiros, desde logo a obter através dos concursos da FCT.

Para além do projecto proposto pelo Rui Mataloto e que se foca preferencialmente no estudo do Povoado Calcolítico reconhecido sobre a Gruta e parcialmente escavado nos anos 80/90 por Mário Varela Gomes e Farinha dos Santos, surgiram propostas da Universidade do Algarve, sugerindo a retoma dos estudos junto da entrada dita "primitiva" onde se reconhecera uma importante ocupação do Paleolítico Médio no âmbito do projecto Luso/Belga, coordenado por mim e por Marcel Otte. Pretendem os colegas da Universidade do Algarve, avaliar o potencial do Escoural para o estudo da problemática da transição Neanderthal/Sapiens. Infelizmente o projecto não viria a ser selecionado para financiamento por parte da FCT, tal como aconteceria aliás com dois outros projectos universitários que também partiam da realidade do Escoural.

Ainda que quase exclusivamente com base no espólio antropológico conservado no Museu Nacional de Arqueologia, uma equipa da Faculdade de Letras de Lisboa, propunha-se realizar novos estudos sobre a população neolítica alentejana, tirando partido do numeroso conjunto osteológico recolhido nos anos 60 na Gruta do Escoural e na altura apenas objecto de estudo muito sumário.

Por fim, na sequência dos últimos estudos analíticos realizados em colaboração com o Laboratório HERCULES, uma equipa do Instituto Politécnico de Tomar e do Museu de Arte Pré-histórica de Mação, propunha-se retomar os estudos da arte rupestre do Escoural, realizando para tal e com recurso às novas tecnologias, um novo "corpus integral" dos motivos rupestres (gravura e pintura) da cavidade. Infelizmente, nenhum destes três projectos, seria selecionado pela FCT no seu último e arrastado concurso...

Resta-nos por ora (ainda que tenhamos esperança que os promotores dos projectos não financiados venham a insistir na sua futura aprovação pela FCT), a boa vontade e teimosia do Rui Mataloto e sua equipa para manterem a chama da investigação bem acesa no Escoural. É que, na minha modesta opinião, um sítio arqueológico que deixe de suscitar "curiosidade" aos arqueólogos, é um sítio condenado a muito curto prazo.

Filha e netas, a companhia de mais uma visita ao Escoural. Para a Raquel foi um regresso ao seu próprio passado. Há quase trinta anos, ainda adolescente, foi a diligente "ajudante" de iluminação da arqueóloga belga Marilise Lejeune, durante os trabalhos de desenho rupestre para o seu "corpus" da Arte Rupestre do Escoural, que apesar de desactualizado continua a ser o único disponível (editado em francês pela Universidade de Liége -ERAUL 65- e em português pelo IPPAR- Trabalhos de Arqueologia, nº8)

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