sábado, 12 de agosto de 2017


O Engenheiro António Guterres e a Arqueologia



A recente visita (privada e em contexto de férias familiares) do Secretário Geral da ONU  a um sítio arqueológico alentejano (Povoado dos Perdigões, Reguengos de Monsaraz) _ não é propriamente, notícia. Mas justifica-se e compreende-se que o António Carlos Valera, o coordenador do projecto ali em curso vai para 20 anos  ver aqui , registe o facto com evidente satisfação num dos vários blogues que mantem regularmente e onde vamos sabendo as últimas novidades das sucessivas campanhas arqueológicas. ver aqui o texto em causa e a reportagem fotográfica.

E a personalidade em causa, não é de facto um visitante qualquer, até sob a perspectiva da  própria Arqueologia. Com efeito, se bem se recordam, foi o XIII Governo Constitucional  presidido por António Guterres que, numa das suas primeiras resoluções após a tomada de posse em Outubro de 1995, tomou a corajosa e inédita decisão (mesmo a nível internacional) de suspender as obras de uma grande barragem (Côa), já em avançado estado de construção, o que acabaria por ser decisivo para o futuro da Arte Rupestre do Vale do Côa, hoje classificada como Património da Humanidade. Seria também esse mesmo Governo que instituiria ainda nesse mesmo ano de 95, no âmbito do Ministério da Cultura, dirigido por Manuel Maria Carrilho, uma Comissão Instaladora com vista à criação de um Instituto Português de Arqueologia, instituição que apesar da sua efemeridade (seria extinta uma década depois) revolucionaria a actividade arqueológica em Portugal na mudança do século. Tive oportunidade de testemunhar directamente o ambiente de verdadeira mudança que então se vivia no Palácio da Ajuda, uma vez que por sugestão do Vitor Oliveira Jorge integrei durante alguns meses essa Comissão Instaladora, pela qual passava também a gestão do escaldante "dossier Côa". Mas seria alguns meses depois, a partir de Maio de 1996, já responsável pela arqueologia do Alqueva, que me aperceberia melhor das nova atitude face ao património, por parte dos gestores das grandes obras públicas. A proverbial capacidade de trabalho de Guterres não seria suficiente para que ele tivesse qualquer interferência directa no dossier "Arqueológico" do Alqueva mas a inequívoca e corajosa orientação política que imprimira à resolução do caso do Côa, terá sido determinante para a abertura e total cooperação que senti da parte da administração da EDIA, nomeadamente da parte do meu chefe directo, o Joaquim Marques Ferreira e que permitiu pôr em marcha no Guadiana um projecto considerado como exemplar.

Aliás, seria já no âmbito dos trabalhos arqueológicos de campo no Alqueva que viria a tomar conhecimento de uma pequena história, que não resisti a transmitir ao António Valera quando este partilhou connosco as imagens da visita do Secretário Geral da ONU, às suas escavações dos Perdigões. Julgo que em 1997 ou 1998, houve uma deslocação do então primeiro ministro António Guterres a Mourão, mais propriamente a um sítio chamado Ferrarias, onde chegou a estar prevista a instalação de uma fábrica de papel que deveria ter substituído a velha unidade fabril junto à Práia da Carraça, entretanto desmantelada por causa da Barragem. Ali perto das Ferrarias, o Carlos Tavares da Silva e a Joaquina Soares, escavavam o Povoado Calcolítico do Porto das Carretas, um sítio paradigmático da Pré-história recente do Guadiana (descoberto por eles próprios nos anos 80). Como se sabe, CTS e JS, enquanto arqueólogos contratados pelo antigo Gabinete da Área de Sines, tinham sido percursores em Portugal da Arqueologia em contexto de grandes obras públicas, tendo desenvolvido um trabalho de reconhecido mérito científico na costa alentejana nos anos 70 e 80 do século passado. O que é pouco conhecido, segundo me confessaram então aqueles arqueólogos, é o facto de António Guterres enquanto técnico do Gabinete da Área de Sines entre 1973 e 1974, graças à sua vasta cultura e conhecimento directo de muitos sítios arqueológicos, ter tido um papel decisivo para a excepcional amplitude que os trabalhos de arqueologia viriam a assumir no âmbito do projecto de Sines. Este facto ganha entretanto especial relevância se lembrarmos que a primeira legislação sobre avaliação e minimização de impactes ambientais apenas surgiu em Portugal em meados dos anos 80 e que a imputação dos encargos com a Arqueologia às próprias obras só viria a concretizar-se no final dos anos 90... E isso só aconteceria com o IPA, no âmbito do XIII Governo Constitucional, presidido por António Guterres.





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