quinta-feira, 18 de maio de 2017

O vigésimo aniversário do IPA


Em mensagem hoje mesmo colocada no ARCHPORT, a Jacinta Bugalhão veio recordar (com algum atraso conforme ela própria reconheceu) o vigésimo aniversário da publicação da lei orgânica que institucionalizaria o IPA, o Decreto-lei 117/97 de 14 de Maio. Já agora, em maré de efemérides, poderiamos também recordar que em 29 Março passado, passou o 10º aniversário da extinção do mesmo IPA, por força do PRACE socrático (DL 96/2007, fusão do IPPAR com o que restava do IPA e da DGEMN), pondo termo a uma experiência que, apesar de aspectos menos positivos, marcou decisivamente a arqueologia portuguesa contemporânea.


 Antes de aqui transcrever, com todo o gosto, as palavras escritas pela Jacinta, aproveito para recordar que o IPA, de algum modo seria o corolário de todo um processo de transformação da Arqueologia portuguesa, verificado no último quartel do Século XX, processo que várias vezes tenho evocado neste blog, carreando para a história do mesmo, alguns documentos menos conhecidos ou pouco acessíveis. Processo que teve os primeiros episódios logo a seguir ao 25 de Abril (como se evocou há dois anos em sessão organizada pelo MNA), que se continuou com a criação dos Serviços Regionais de Arqueologia do IPPC  no início dos anos 80 e que culminaria com toda a crise desencadeada pelas descobertas de arte rupestre no Côa, divulgadas em 1994. A vitória de António Guterres nas eleições de 1995 viria finalmente a criar as condições para o cumprimento de algumas promessas avançadas na campanha eleitoral, nomeadamente a paragem das obras na barragem e a criação de estruturas de arqueologia autónomas. Este último processo, porém, não seria linear nem pacífico. Em Novembro de 1995, o Ministro Manuel Maria Carrilho nomearia o Vitor Oliveira Jorge para dirigir uma Comissão Instaladora de um futuro Instituto de Arqueologia, para a qual seriam também convidados o Luiz Osterbeck e eu próprio.



Recortes do Público e do Expresso de 18 de Novembro de 1995, anunciado a criação da Comissão Instaladora do IPA sob a direcção do Prof. Vitor Oliveira Jorge


 Divergências quanto ao modelo do novo Instituto, em parte condicionadas também por restrições de ordem financeira e não apenas por diferentes visões técnicas, acabariam por levar ao afastamento da Comissão Instaladora original (já reduzida a dois elementos, pois eu a partir de Maio de 1996 estava já no Alqueva a dirigir os trabalhos de arqueologia). João Zilhão, designado por Carrilho para coordenar os trabalhos no Côa que levariam ao reconhecimento da Arte Rupestre como Património da Humanidade, acabaria por liderar o processo na sua fase final e ser o primeiro Director do IPA, coadjuvado pelo António Monge Soares, quando este foi finalmente criado em Maio de 1997.

A mensagem da Jacinta Bugalhão:

Colegas

Com alguns dias de atraso (distraí-me), serve a presente para relembrar os 20 anos que passaram sobre a criação do IPA, cuja curta existência e intervenção foram um dos factores principais de mudança e evolução da arqueologia portuguesa das últimas décadas.

Para além da lei-orgânica que envio em anexo, permito-me transcrever, aqui, em directo, o preâmbulo, cujo texto bem ilustra a densidade de conteúdos envolvidos em toda a história do IPA que trespassaram para a arqueologia nacional no passado recente.

Que nos sirva de inspiração, nestes tempos mais sombrios, em que parece tudo correr bem à nossa volta, mas no património cultural, não se nota mesmo nada...

Saudações arqueológica,

Jacinta Bugalhão

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Preâmbulo do Decreto-lei que criou o IPA

O estado incipiente de desenvolvimento e de estruturação em que se encontra a actividade arqueológica em Portugal tem sido causador de prejuízos acentuados para o País, tanto pela perda de património e informação de interesse relevante, nacional ou mesmo internacional, como pela perda de investimentos vultosos decorrente da identificação tardia de bens  patrimoniais a cuja preservação o Estado Português está obrigado pela Constituição, pelas leis da República e pelos acordos internacionais de que é signatário.

Existindo já na Administração Pública organismos em cujas atribuições se encontra incluída a salvaguarda de determinados bens de natureza arqueológica, nomeadamente o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) e o Instituto Português de Museus (IPM), comprovadamente a sua natureza e vocação não lhes permite, porém, tratar adequadamente da detecção, preservação e gestão da categoria de vestígios arqueológicos mais abundante e potencialmente mais prenhe de informação sobre o passado: a dos contextos sem valor monumental que documentam a actividade das populações pré-históricas e a vida quotidiana das populações rurais e da gente comum dos centros urbanos de época histórica.

As necessidades da vida moderna tornam inevitável a realização de intervenções profundas na paisagem, que afectam a integridade do «arquivo de terra» em que está contida essa informação. Nos últimos decénios, generalizou-se assim, em todos os países desenvolvidos,

a prática de fazer preceder essas intervenções dos estudos arqueológicos necessários à recuperação do máximo de informação que, pelos padrões científicos do momento, é possível extrair dos «arquivos», cuja destruição é, após a sua detecção e reconhecimento, considerada permissível em caso de necessidade.

Por analogia com o princípio do «poluidor pagador», e em conformidade com a Lei n.o 13/85, de 6 de Julho, e com a Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico (La Valetta, Malta, 1992), de que o Estado Português é signatário, os custos decorrentes da adopção de uma política de gestão deste património arqueológico não monumental devem ser afectados aos promotores das intervenções que venham eventualmente a causar a respectiva destruição física, e não ao Estado. A este último deve caber a definição da legislação e das regras por que se deverá pautar a actividade, fiscalizá-la e recolher e pôr à disposição dos intervenientes a informação relevante disponível a cada momento nas bases de dados constituídas por sua iniciativa.

Não há política adequada de gestão, tanto no que se refere ao património monumental como ao não monumental, que não decorra de uma avaliação, a qual, por sua vez, depende de um estado de conhecimentos. Neste último se baseará, por sua vez, a definição de prioridades de investimento ou de conservação.

Deste modo, a gestão do património arqueológico em todas as suas vertentes é indissociável do apoio à investigação científica, apoio tanto mais necessário quanto, hoje em dia, a exploração adequada da informação arqueológica exige crescentemente o recurso a métodos derivados da física e das ciências naturais, competindo à administração central, na situação presente, desempenhar um papel de forte impulsionador do respectivo desenvolvimento.

Do mesmo modo, a importância crescente que tem vindo a ser revelada por duas categorias de vestígios arqueológicos com características próprias, que têm sido tradicionalmente objecto de menos atenção — a arte rupestre e o património cultural náutico e subaquático —, justifica a criação de serviços próprios dedicados especificamente às tarefas ligadas ao seu registo, estudo, divulgação e exploração científica.

O enquadramento de uma política de prevenção, de salvamento, de investigação e de apoio à gestão do património arqueológico imóvel e móvel (incluindo o que se encontra à guarda do IPPAR e do IPM) exigiu a criação de um organismo a isso especialmente dedicado.

Esse organismo deve ser dotado de meios humanos e financeiros e de uma estrutura orgânica à altura da tarefa.

Para esse efeito se criou na Lei Orgânica do Ministério da Cultura o Instituto Português de Arqueologia, cujas atribuições, competências e estrutura agora se definem.


Alguns documentos sobre a "Pré-história" do IPA:

Uma nota pessoal, dando conta de documentos a serem presentes ao Ministro Manuel Maria Carrilho em reunião agendada para 15 de Fevereiro de 1996

Memorando preparatório da Lei Orgânica do IPA, produzido pela Comissão Inistaladora (Fevereiro de 1996)

- de destacar que nesta proposta consta já a criação de estruturas dependentes para a Arqueologia Subaquática e para a Gestão do Parque Arqueológico do Côa, para além de 5 serviços regionais de arqueologia. Na lei finalmente aprovada em 1997, seria contemplada a criação de um serviço de arte rupestre, a par do Parque Arqueológico do Côa, mas não seriam criados serviços regionais. Esta grave lacuna na capacidade de intervenção do IPA seria resolvida "provisoriamente" com as chamadas "extensões". Nesta proposta surge também, como mera hipótese de trabalho sem qualquer sequencia posterior, a possibilidade de integração no IPA dos Museus de Arqueologia dependentes do Estado (Museu Nacional, Museu de Conimbriga e D.Diogo de Sousa).















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