quinta-feira, 25 de maio de 2017


Eduardo da Cunha Serrão e as "cerâmicas de ornatos brunidos"

Eduardo da Cunha Serrão, no Tejo  (Foto de António Martinho Baptista, finais dos anos 70)

Hoje mesmo, na Associação dos Arqueólogos Portugueses, no âmbito da apresentação pública dos três trabalhos de Arqueologia galardoados com o Prémio de Arqueologia "Eduardo da Cunha Serrão" (1ª edição), o meu amigo Vitor Oliveira Jorge proferirá uma intervenção sobre a importância e o papel daquele antigo presidente da AAP na Arqueologia portuguesa nas últimas décadas do século XX. Porque um dos trabalhos premiados e agora editados versa um tema muito caro a Cunha Serrão ("cerâmicas de decoração brunida") pareceu-me relevante aqui transcrever uma parte da introdução histórica da monografia do Castro dos Ratinhos  (Luis Berrocal Rangel e António Carlos Silva, MNA, 2010), em que se revela mais uma vez esse interesse de Cunha Serrão, pessoa com quem tive ainda o prazer de conviver, pela mão do Francisdo Sande Lemos e do Jorge Pinho Monteiro, e cuja casa de Campo de Ourique recordo, cada vez que passo junto ao Canas.



Em 1960, já depois de afastado há alguns anos da arqueologia de campo, o Castro dos Ratinhos cruza-se de novo com Fragoso de Lima. Isso acontece de novo por interposta pessoa, neste caso a estudante sua conterrânea, Wanda Rodrigues e Rodrigues, então também aluna de Manuel Heleno. Com efeito, no âmbito da preparação da respectiva tese de licenciatura, aquela estudante viria a realizar no Verão de 60 alguns trabalhos no Castro dos Ratinhos em circunstâncias que só muito recentemente nos foi possível registar, graças ao seu próprio testemunho[1]. Curiosamente, fora através de Afonso do Paço, à época Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses, que Wanda Rodrigues, numa visita de estudo à sede daquela Associação, tomara conhecimento da existência do Castro dos Ratinhos. Afonso do Paço, ao saber que a jovem estudante era natural de Moura e procurava tema para a “tese”, chamara-lhe a atenção para o potencial interesse do Castro dos Ratinhos. Como se sabe, Paço colaborava com Pires Gonçalves na zona de Reguengos de Monsaraz e Mourão e deveria ter visitado o Castro dos Pardieiros e, eventualmente, os próprios Ratinhos. Em todo o caso, não deixa de ser surpreendente que, dadas as sua péssimas relações com Manuel Heleno, tenha feito uma tal sugestão a uma inexperiente aluna deste. A não ser que Paço, com essa atitude, estivesse a enviar ao seu adversário uma qualquer mensagem indirecta, dando-lhe a perceber que conhecia bem as “riquezas” que aquele parecia afinal ignorar no seu próprio “território”. Wanda Rodrigues, sem a mínima suspeita do eventual “segundo sentido” da proposta, acaba por acolher a sugestão e após uma primeira visita ao Castro no Inverno de 1959-60, acompanhada por Manuel Farinha dos Santos, assistente e colaborador muito próximo de Heleno, decide aí proceder a escavações, às suas próprias custas. De referir que, fazendo fé no testemunho recente de Wanda Rodrigues, quer na sua percepção, quer na do próprio Farinha dos Santos, o “Castro” se limitaria à plataforma mais elevada (a que chamamos hoje de “acrópole”) o que, não sendo estranho para uma aluna inexperiente já é mais difícil de aceitar da parte do arqueólogo. De qualquer modo, as escavações, tuteladas por Farinha dos Santos que entretanto, na expressão da própria Wanda Rodrigues, “registara” o sítio arqueológico[2], viriam a ter lugar no Verão de 1960 e constaram, segundo a sua própria descrição, de um conjunto de pequenas “valas” abertas por trabalhadores rurais, na plataforma mais elevada, onde ainda hoje são observáveis pequenas depressões de 1x1m, próximas do respectivo talude, que poderão corresponder a estas mesmas sondagens.[3] Como metodologia e procurando seguir as instruções de Farinha dos Santos que não participaria directamente nos trabalhos, Wanda Rodrigues limitar-se-ia a acompanhar o trabalho dos cavadores, recolhendo as cerâmicas e anotando a profundidade a que as mesmas eram descobertas. A partir dos materiais recolhidos, que incluíram também duas “pontas de lança” em bronze, Wanda Rodrigues viria a apresentar e a defender tese de licenciatura na Faculdade de Letras[4]. Alguns desses materiais seriam entretanto depositados no Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, onde ainda hoje se encontram, instituição onde chegou a ser convidada para colaborar mas cujo “ambiente”, segundo nos confessou, lhe não terá agradado[5]. Em todo o caso, facilitaria os dados obtidos a José Fragoso de Lima, em particular os que diziam respeito às “cerâmicas de ornatos brunidos” cuja importância contextual destacara já na sua tese como veio a reconhecer aquele arqueólogo. (“Estamos de acuerdo en principio con las sugerencias y paralelismos observados por la señorita Wanda Rodrigues, y ciertos aspectos de estas cerámicas parecen recordar, dentro de determinados limites, cerámicas del Castro de Medeiros, Monterrey (Orense) y con estaciones portuguesas tales como la Gruta de Vimieiro; el Castro de Mangancha (cerca de Aljustrel): Mesa dos Castelinhos (Messejana). En la Cueva llamada Lapa do Fumo (Sesimbra) existen ejemplares que hasta cierto punto pueden relacionarse con la cerámica de Ratinhos” Lima, 1960,). O mérito de Fragoso de Lima residiria assim e em particular, na rápida divulgação da descoberta, quer por contacto pessoal junto de arqueólogos espanhóis, como Maluquer de Motes e Juan Carriazo, das Universidades de Barcelona e Sevilha, quer através da publicação, ainda esse mesmo ano de uma pequena mas oportuna Nota na conceituada revista Zephyrus (Lima,1960) de Salamanca, proporcionando deste modo o reconhecimento internacional do Castro dos Ratinhos.


Wanda Rodrigues, revisitando os Ratinhos em 2005

Com o auto-afastamento de Wanda Rodrigues e apesar da importância científica dos achados, o Castro dos Ratinhos cai de novo no esquecimento. Manuel Heleno que “controlava” a Arqueologia na região de Moura, dispersava a sua atenção por muitos outros projectos. Farinha dos Santos inclinava-se mais para a Pré-história Antiga, facto que se confirmaria com o com o seu envolvimento no estudo da Gruta do Escoural, descoberta pouco tempo depois (1963). Assim, só em 1970, por coincidência no ano da morte de Manuel Heleno, surgiria nova intenção de escavações no Castro dos Ratinhos, agora protagonizada por Eduardo da Cunha Serrão, um outro membro proeminente da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Com efeito, nas escavações da Lapa do Fumo de 1956, Cunha Serrão identificara pela primeira vez em território português, cerâmicas com “ornatos brunidos” tendo dado notícia da descoberta logo em 1958 na revista Zephyrus (Serrão, 1958). Atendendo às suas relações com Afonso do Paço e Pires Gonçalves na Associação dos Arqueólogos Portugueses,  Eduardo Serrão deverá ter tido notícia indirecta dos trabalhos de Wanda Rodrigues mas foi, certamente, através do artigo de Fragoso de Lima de 1960, que se terá apercebido da importância dos Ratinhos para o esclarecimento da origem e da cronologia daquelas cerâmicas. Por outro lado, conforme testemunho de Teresa Gamito, Manuel Heleno sabendo do interesse de Cunha Serrão por este tipo de cerâmicas, chegara a mostrar-lhe as cerâmicas dos Ratinhos depositadas no MNAE, mas sem identificar a sua origem, numa atitude que podemos interpretar de clara “demarcação territorial”[6]. Dados os antecedentes e circunstâncias, vale a pena transcrever integralmente, o requerimento enviado por Cunha Serrão ao Ministro da Educação Nacional, em 5 de Janeiro de 1970, solicitando autorização para escavar no Castro dos Ratinhos e referir, porque algum significado deverá ter, o facto do requerimento ter ficado sem resposta durante seis meses. Cunha Serrão que recebera quase de imediato um cartão manuscrito pelo próprio Ministro, José Hermano Saraiva, em que este agradecia as publicações anexas ao “requerimento” e informava ter remetido o assunto “à atenção do serviço competente”, vê-se na contingência de, na ausência de resposta, a enviar segunda via do pedido em 17 de Julho de 1970, acompanhada da cópia do cartão do próprio Ministro que ainda hoje consta do processo. Finalmente em 22 de Agosto de 1970, em parecer da 1ª sub-secção da 2ª Secção da Junta Nacional da Educação, assinado por Fernando de Almeida, sucessor de Manuel Heleno no Museu de Arqueologia e na Cadeira da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Cunha Serrão seria autorizado a escavar no Castro dos Ratinhos.

(Requerimento de Eduardo da Cunha Serrão, de 5 de Janeiro de 1970)
“Senhor Ministro da Educação Nacional
Excelência
Eduardo José de Miranda da Cunha Serrão. Licenciado em Ciências Económicas e Financeiras, tem realizado entre outros, vários estudos relativos a uma espécie cerâmica decorada com “ornatos brunidos” que pela primeira vez se evidenciou em Portugal em 1956 durante a exploração da Lapa do Fumo (Sesimbra) – estação que detectou e tem explorado- e, pouco depois, no Castro dos Ratinhos (Moura).
Uma possível variante desta cerâmica era conhecida em Espanha e havida sido recolhida em Carmona e Mesas de Asta. Quase na mesma altura em que foram exumados os exemplares da Lapa do Fumo, apareceu em grande quantidade na estação de El Carambolo (Sevilha), acompanhando o célebre tesouro considerado tartéssico, constituído por placas, braceletes e um colar, de oiro, peças de grande valor arqueológico e intrínseco, e de grande beleza.
A datação pelo método estratigráfico desta cerâmica andalaluza tem ocupado alguns arqueólogos espanhóis (Prof. J. de Mata Carriazo, Maluquer de Motes, J. Pedro Garrido, J.M. Blásquez, etc.), para o que realizaram várias e metódicas escavações, sendo possível colocá-la entre os séculos IX e IV a. C.
À variante portuguesa tem-se dedicado, com particular atenção, o signatário que, pelos dados estratigráficos da Lapa do Fumo, a considera pós-campaniforme, contemporânea dos recipientes da fase final do Bronze e imediatamente anterior às primeiras cerâmicas fabricadas com torno rápido.
Em Setembro p.p., o signatário deslocou-se a Sevilha, Carmona e Jerez de la Frontera, para avaliar o grau de paralelismo entre as duas variantes (se já podemos  considerá-las como variantes, pois podem não passar de sub-tipos de um tipo ainda mal identificado), tendo colhido elementos que lhe permitiram apresentar uma comunicação sobre o assunto nas Jornadas Arqueológicas promovidas em Novembro p.p., pela Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Mas, o problema que mais interessa agora é, à semelhança do que se tem feito em Espanha, obter dados sobre cronologia noutras estações do nosso território para os comparar com os da Lapa do Fumo e integrar no admissível quadro cultural respectivo, cuja área geográfica parece ser Portugal ao Sul do Tejo e a Andaluzia.
Ora o signatário está convencido de que o Castro dos Ratinhos (Moura), poderá ser a estação portuguesa que, depois da Lapa do Fumo, melhores esclarecimentos prestará a tal respeito, não só fundamentado nas sumárias descrições feitas pelo Dr. Fragoso de Lima (Zephyrus, 1960), mas também nas informações que amavelmente lhe prestou o Senhor Dr. Manuel Farinha dos Santos. Este último informou-o, ainda, de que em tempos, a exploração do Castro dos Ratinhos lhe foi entregue e que concedeu facilidades à licenciada Exmª Senhora D. Vanda Rodrigues para, sobre as respectivas cerâmicas com “ornatos brunidos”, elaborar a sua dissertação de licenciatura. Porém, tal dissertação não chegou a ser apresentada e a Senhora Vanda Rodrigues (que não se encontra presentemente na Metrópole) limitou-se a fornecer ao Sr. Dr. Fragoso de Lima os elementos que lhe permitiram o referido estudo sumário que publicou na Zephyrus.
Conhecedor destes factos, o signatário ofereceu ao Sr. Dr. M. Farinha dos Santos a sua colaboração para trabalhar no Castro dos Ratinhos, tendo obtido como resposta que o poderia fazer individualmente, dados os muitos trabalhos arqueológicos em que o Dr. M. Farinha dos Santos se encontra comprometido presentemente.
Uma vez que os problemas com das cerâmicas com “ornatos brunidos” do nosso território assumem apreciável importância e se os quisermos solucionar ao nível peninsular do qual não se pode desintegrar, conviria não protelar o estudo das estações conhecidas que, para tal efeito, melhor se prestam.
Portanto, o signatário solicita de V.Exª. se digne autorizá-lo a efectuar sondagens e escavações no Castro dos Ratinhos com o objectivo de confrontar os resultados que obtiver com os da Lapa do Fumo e com os elementos que, na Andaluzia, lhe foram prestados pelo Prof. Mata Carriazo Manuel Esteves Guerrero e Dr. H. Schubart.
Como plano de trabalhos, de momento, apenas pode declarar que pretende:
     1º- Examinar, com a devida atenção, o Castro dos Ratinhos (que ainda não conhece), para poder avaliar a sua estrutura geral e quais os locais onde poderá realizar prospecções e explorações;
     2º- Concretizado o que acaba de expor, proceder a uma exploração na zona que lhe parecer mais prometedora de bons resultados;
     3º - Na exploração que efectuar, colocará em primeiro plano a obtenção de dados estratigráficos que lhe permitam obter uma cronologia relativa para a cerâmica “com ornatos brunidos” do Castro dos Ratinhos, estação esta que, pela sua posição geográfica (próximo da fronteira), deve fornecer elementos que estabelecem a relação entre as variantes portuguesa e andaluza.
     4º - De todos os resultados obtidos, dará conhecimento a V.Exaª em relatórios circunstanciados a elaborar oportunamente.
     5º- Todo o material que vier a ser recolhido será entregue, devidamente inventariado, ao Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, ou à instituição que Vossa Excelência, no seu alto critério, se dignar determinar.
     Quanto ao seu curriculum, o signatário permite-se remeter V.Exª para os elementos que, a tal respeito, acompanharam outros pedidos de exploração que apresentou (da Lapa do Fumo, por exemplo) e a acrescentar que, presentemente, desempenha as seguintes funções todas relativas à investigação arqueológica: Director do Museu Arqueológico Municipal de Sesimbra; Delegado da Junta de Educação Nacional da Educação no Concelho de Sesimbra; Presidente da Secção de Pré-história da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Mas, se Vossa Excelência, assim o desejar apresentará uma relação de todos os estudos que, até hoje, publicou individualmente ou de colaboração com outros arqueólogos. Apenas junta, agora, os dois que mais interessam ao caso.
Submeto o assunto à apreciação de Vossa Excelência, aguardo o favor de uma resposta e apresento cumprimentos de elevada consideração.
Lisboa, 5 de Janeiro de 1970
Eduardo da Cunha Serrão”

Cunha Serrão, no entanto, nunca chegaria a tirar partido da autorização para escavar no Castro dos Ratinhos. Antes de mais por falta dos meios e condições adequadas a uma intervenção num sítio então, praticamente, sem acessos[7]. Por outro lado, porque um ano depois, seria arrastado por um grupo de jovens aspirantes a arqueólogos que apadrinhava, para a aventura de estudo e salvamento da “Arte Rupestre do Vale do Tejo”, cujos primeiros núcleos foram descobertos em Fratel, Vila Velha de Ródão, em Outubro de 1971[8]. O Castro dos Ratinhos, apesar de algumas citações ocasionais, especialmente de autores estrangeiros (Schubart, 1971,1975; Frankenstein, 1997; Coffyn, 1985) e de uma ou outra visita de arqueólogos ou mesmo de “pesquisadores de tesouros”[9], entraria em novo período de olvido. Em todo o caso o seu prévio reconhecimento e os ecos das diversas referências entretanto feitas, permitiu que passasse quase incólume às grandes transformações verificadas na sua envolvente quando em 1976, se iniciaram os trabalhos preparatórios para a construção da Barragem do Alqueva, com o desvio do curso do Guadiana e a construção da respectiva ensecadeira.
Entretanto em 1981, durante os trabalhos de inventariação e reorganização das colecções do Museu Nacional de Arqueologia, promovidos pela direcção de Francisco Alves, um dos colaboradores nessa tarefa, João Ludgero, reencontrou as cerâmicas do Castro dos Ratinhos que Manuel Heleno tão ciosamente guardava na sua secretária, fazendo chegar essa informação a Teresa Gamito e José Morais Arnaud. No âmbito de preparação da respectiva tese de Doutoramento, Teresa Gamito interessava-se então pelos castros da Idade do Ferro na envolvente do Guadiana, enquanto José Morais Arnaud, encontrara cerâmicas semelhantes em sondagens realizadas em meados dos anos setenta na Corôa do Frade, um outro grande povoado do Final da Idade do Bronze, situado nos arredores de Évora (Arnaud, 1979). Justificando o especial interesse por este tipo de cerâmicas bem como sobre o sítio da sua origem, Teresa Gamito viria a estudar aquela pequena colecção dos Ratinhos, em artigo que publicaria mais tarde na revista do Museu, O Arqueólogo Português (Gamito, 1990-92). Nesse trabalho, depois de destacar o papel de Cunha Serrão na identificação das cerâmicas de ornatos brunidos e de traçar o estado da questão no que respeita ao Sudoeste Peninsular, Teresa Gamito propõe uma original e pertinente relação entre os padrões geométricos dos respectivos motivos decorativos e a decoração dos “torques” de ouro maciço, peças de ourivesaria características do Bronze Final do Sudoeste Peninsular. Ainda que o objectivo daquele trabalho estivesse especialmente centrado nesta cerâmica, a Teresa Gamito que procedera com José Arnaud a um reconhecimento prévio de contextualização do próprio Castro, se deve também o mérito de nova e decisiva chamada de atenção para este importante sítio, nas vésperas de arranque dos Projectos Arqueológicos do Alqueva. Pelas razões já antes referidas, o Castro dos Ratinhos não mereceria no âmbito dos numerosos trabalhos arqueológicos associados à obra da Barragem, qualquer atenção especial. Mas a partir do momento em que as comportas se fecharam (Fevereiro de 2002) iniciando a formação do gigantesco Lago do Alqueva junto à sua vertente Norte, a forte presença do Castro e da sua “acrópole” ganhou especial relevância na paisagem transfigurada. A decifração dos enigmas que escondia sobre o fim da Pré-História e o início da História, impôs-se-nos então como um desafio a que não podíamos deixar de corresponder.





[1] Em visita ao Castro dos Ratinhos efectuada em 10 de Novembro de 2005 e acompanhada por um dos autores (ACS).
[2] Ainda que nos arquivos da JNE, não apareçam quaisquer registos, o que não é de estranhar, já que sendo a respectiva “subsecção de arqueologia” presidida por Manuel Heleno, este deveria dispensar-se a si e aos seus colaboradores dos procedimentos legais já então previstos na lei. Farinha dos Santos não terá participado directamente nas “escavações” que foram conduzidas no terreno apenas por Wanda Rodrigues.
[3] Na chamada “terceira linha”, duas dezenas de metros a Oeste das Sondagens 2004-05 (localizadas no sector I16 , segundo a nova nomenclatura) há vestígios de outras sondagens antigas que inicialmente atribuímos a Wanda Rodrigues, hipótese entretanto descartada pelo seu testemunho.
[4] Segundo informação de Santiago Macias que fez pesquisas nesse sentido ,ao contrário do que seria habitual não se conserva qualquer exemplar na respecyiva Biblioteca. Wanda Rodrigues, tão pouco, conserva cópia da mesma, tendo perdido entretanto a maior parte da documentação, nomeadamente as fotografias.
[5] Wanda Rodrigues, viria a iniciar a sua carreira como professora no Liceu de Moura entre 1961 e 65, afastando-se definitivamente da Arqueologia, meio onde ainda privou com colegas da sua geração como Maria Amélia Horta Pereira, Irisalva Moita ou Maria Luisa Estácio da Veiga. Em 1965 parte para Moçambique onde continua a carreira de professora liceal de onde só regressa em 1976 para se fixar em Setúbal e ensinar no respectivo Liceu, onde se viria a reformar. Conserva ainda na sua posse alguns registos e alguns materiais das “escavações” de 1960 que projecta vir a oferecer ao Museu Municipal de Moura.
[6] Teresa Gamito refere que Eduardo Cunha Serrão lhe contara que por volta de 1970, no decorrer de uma visita efectuada anos antes ao Museu Nacional de Arqueologia,  “Manuel Heleno lhe havia mostrado uma série de fragmentos de cerâmica de ornatos brunidos provenientes de um “castro” da região de Moura que guardava ciosamente numa gaveta da sua secretária” (Gamito, 1990)
[7] Como a generalidade dos arqueólogos da altura, ECS tinha outra profissão (economista) e a Arqueologia, apesar da sua exemplar competência e seriedade, era realizada nos tempos roubados ao descanso e por isso, preferencialmente focalizada na envolvente dos locais de residência ou de trabalho. Por outro lado, não existia ainda a infra-estrutura rodoviária relacionada com a Barragem do Alqueva.
[8] Um dos autores (ACS) enquanto colaborador naquele projecto, foi testemunha directa do desinteressado e generoso envolvimento de Eduardo Cunha Serrão nos trabalhos de salvamento da Arte Rupestre do Vale do Tejo.
[9] Para além de ténues vestígios na “acrópole” relacionados com os trabalhos de Wanda Rodrigues, os Ratinhos apresentam ainda alguns sinais de sondagens (?) de autoria “incógnita”, para além de diversas marcas de actividade prospectiva ilegal (“detectores de metais”). Não é por isso de excluir que os metais publicados por João Cardoso, uma ponta de lança e dois contos do Bronze Final, adquiridos por terceiros num antiquário e Setúbal e atribuídos a um “achado ocasional” na zona da Barragem do Alqueva, sejam de facto produto de actividade de pesquisa ilegal efectuada no próprio Castro dos Ratinhos (Cardoso et allii, 1992).

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