sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Caçadores-recolectores do Vale do Guadiana_ os primeiros alentejanos!

Quando se iniciaram os trabalhos arqueológicos de campo relacionados com o Alqueva, muito pouco sabíamos sobre a Pré-história Antiga desta região. É certo que Abel Viana acompanhara nos anos 40 as campanhas de cartografia geológica dos terraços quaternários conduzidos a juzante do Ardila por Mariano Feio, desde logo confirmando pelas suas recolhas de superfície, a presença do Homem paleolítico na região. Entretanto as prospecções realizadas nas décadas de 70 e 80, já a montante do Ardila, por causa do projecto do Alqueva, pouco mais adiantariam a essa noção básica. Bem pelo contrário, algumas observações confirmadas posteriormente por sondagens que realizei em colaboração com o Luís Raposo em 1980 na baixa do Xerez, perto da Ponte de Mourão, até apontavam para o cuidado que havia que ter com muita da pedra lascada, tradicionalmente atribuída ao Paleolítico e que afinal poderia ser bastante mais recente, nomeadamente já Neolítica. Daí a importância que o estudo desta temática assumiu no âmbito do projecto Arqueológico do Alqueva (1997-2002), traduzido na edição de dois volumes da 2ª Série das Memórias d'Odiana que fazem parte do lote de 14 a serem apresentados no MNA no próximo dia 5 de Dezembro, pelas 16h.

Finalmente, a presença ou a frequência ocasional de caçadores-recolectores ao longo das margens do Guadiana, está hoje confirmada pelo menos a partir do Paleolítico Médio, portanto numa época anterior à chegada dos primeiros representantes da nossa própria espécie. A forte relação destas comunidades com o Rio e com as faunas cinegéticas que este atraía, acabaria por confirmar-se no Paleolítico Superior, quer pelas raras mas importantes manifestações rupestres de estilo zoomórfico entretanto descobertas quer pela identificação e escavação de alguns sítios com materiais tipologicamente atribuíveis ao final do Paleolítico. Mas, sem dúvida, a mais importante descoberta feita neste âmbito aconteceu na "Barca do Xerez de Baixo", um sítio atribuído ao Mesolítico (fase de transição entre o Paleolítico e o Neolítico) localizado num barranco hoje algo afastado do Rio mas com este directamente relacionado e que, pela proximidade de um antigo vau (onde até há pouco funcionava uma barca tradicional), terá servido como base de apoio para comunidades de caçadores-recolectores, talvez as últimas deste território a viverem exclusivamente da recolecção. As excepcionais condições de conservação do sítio, protegido por sedimentos fluviais aí acumulados, proporcionaram a realização de uma escavação em área, com resultados muito importantes para o conhecimento do modo de vida destas comunidades, datadas por métodos absolutos de cerca de 7 000 anos aC, e hoje integralmente publicados por Ana Cristina Araújo e Francisco Almeida.

Para além da escavação, atendendo a que o sítio pela sua relação com o Rio iria ficar irremediavelmente submerso, foi decidido aqui ensaiar uma operação pouco usual. Recuperar uma "fatia" de um dos cortes obtido em escavação e no qual era possível observar uma lareira em "couvete" (visível no sector K34) associada a instrumentos de pedra lascada e restos da fauna consumida pelos grupos que acamparam na Barca do Xerez. Actualmente o corte original pode ser observado em Beja no átrio da recepção da empresa do Alqueva (EDIA).


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