sexta-feira, 10 de outubro de 2014


Fundamentalismos, há muitos...

Era expectável que a realização de uma pequena intervenção arqueológica nos Almendres, no âmbito de um projecto de investigação aprovado pelas tutelas (DGPC/DRCALEN), causasse alguma curiosidade ou mesmo alguma perplexidade nas dezenas de visitantes que ali passam todos os dias. Por essa razão, sugeriu-se que o responsável disponibilizasse através de meios adequados um mínimo de informação ao público ocasional sobre as circunstâncias e objectivos da acção. Tendo estes trabalhos coincidido, por mero acaso, com a passagem de mais uma Lua Cheia, como vai sendo hábito não faltaram nos Almendres os numerosos frequentadores alternativos que, sem interferirem com a arqueologia e muito menos importunados pelos arqueólogos, ali manifestaram de forma livre e patrimonialmente responsável, as convicções místicas que sentem ou reconhecem neste local. Foi pois com algum espanto que a equipa de arqueologia se viu a certa altura confrontada, com enorme agressividade, por um indivíduo de nacionalidade estrangeira, manifestando-se em inglês, contra o que considerava uma grave e intolerável profanação de um local sagrado. Foi aliás com alguma dificuldade que se explicou ao indivíduo, claramente alterado que, sem pôr em causa as suas convicções, aquele "local sagrado e inviolável", tal como hoje se nos apresenta, era antes de mais uma (re) construção feita pelos vários arqueólogos que desde há meio século ali vinham investigando e fazendo trabalhos de escavação e restauro. E que, afinal, isso não impedia que todos e cada um dos muito visitantes, fizessem daquele sítio as suas próprias leituras e interpretações, sempre no respeito pelas convicções dos outros. 
São conhecidos e compreensíveis à luz de outras tradições e culturas, os problemas deste tipo com que os arqueólogos se podem confrontar nalgumas partes do mundo. Em Israel, por motivos de ortodoxia religiosa, é praticamente impossível realizar escavações em necrópoles. Nos Estados Unidos, alguns museus são hoje compelidos a devolver, supostamente às tribos de origem, esqueletos e artefactos de antigas escavações, por se considerar que estas teriam violado as suas ancestrais tradições. Pessoal e presencialmente, porém, esta foi a minha primeira experiência na matéria.






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