sexta-feira, 16 de dezembro de 2016


Tourega, património em meio rural

Exposição na Igreja do Salvador, Évora


Sem grandes pretensões e procurando apenas dar continuidade ao programa de divulgação e de envolvimento da comunidade local na salvaguarda e valorização do património cultural de Valverde e Guadalupe, a Direção Regional de Cultura do Alentejo, com a colaboração dos restantes parceiros (União de Freguesias, Paróquia e Câmara Municipal), organizou uma pequena exposição sobre os alguns bens móveis (imagens religiosas) da Igreja da Tourega, que foram objecto de conservação no âmbito deste projecto "piloto".

A mostra que irá estar patente ao público durante a época natalícia e o próximo mês de Janeiro, pode a partir de ontem (15 de Dezembro de 2016) ser visitada na lindíssima igreja do Salvador, na Praça do Sertório, em Évora. No acto da sua inauguração, para além das palavras de circunstância dos representantes das várias instituições, nomeadamente da Directora Regional de Cultura, Ana Paula Amendoeira, tivémos o grato prazer de poder escutar algumas modas de Cante Alentejano, proporcionadas pelas extraordinárias vozes do Grupo Coral de São Brás do Regedouro (pequena aldeia da freguesia, localizada entre a Tourega e as Alcáçovas), muito valorizadas pelas excelentes condições acústicas da Igreja do Salvador.

Deste evento simples mas pleno de significado, deixamos para registo algumas imagens bem como o LINK https://www.youtube.com/watch?v=fdzekVy4h9o&feature=share para uma das modas ontem ouvidas.

Como forma de documentação e divulgação para aqueles que não tiverem oportunidade de visitar a exposição, aqui deixamos também os "posters" e respectivos textos presentes na Igreja do Salvador.




















O SÍTIO
“É esta freguesia das mais antigas e a mais nobre do termo da cidade de Évora”
P. Manuel Vidigal (1736)
Perdem-se no tempo as origens da Tourega.
A proximidade à via de Ebora a Salatia (Alcácer do Sal), a abundância de águas, a qualidade dos solos ou a amenidade do clima remetem-nos, pelo menos, para a colonização romana.
Desconhecemos o fundamento das lendas que colocam neste local (Cova dos Mártires) os primeiros martírios cristãos, ainda em época romana. No entanto, as ruínas de uma antiga capela permitem supor a continuidade de ocupação deste local para além do final do Império Romano.
Mas a tradição manteve-se, explicando a fundação de uma nova igreja no Século XV, ainda hoje e apesar das muitas transformações, a matriz da paróquia da Tourega. Outras construções anexas, algumas muito arruinadas, testemunham a importância social deste local como centro religioso para as comunidades vizinhas, confirmado ainda no Século XIX com a construção do cemitério da freguesia.
O represamento das águas da Ribeira pela Barragem do Barrocal, já em pleno Século XX, transformou a paisagem envolvente mas trouxe outros atrativos à Tourega, enquanto local de lazer.
Hoje, tal como tantos outros sítios por todo o Alentejo, a Tourega agoniza como espaço humanizado.
A valorização das suas “memórias”, poderá propiciar-lhe uma nova, ainda que diferente vida?





AS RAÍZES ROMANAS
“Mostram hoje estas minas que foram antigamente lagos ou tanques de banhos dos que usaram os Romanos”
P. Manuel Vidigal (1736)
As mais antigas referencias escritas aos vestígios romanos da Tourega, remontam ao Século XVI, quando André de Resende fala de uma lápide que estaria na Igreja. Mas o reconhecimento das ruínas era anterior, explicando a origem da tradição martirológica do local.
A lápide funerária, hoje no Museu de Évora, foi recolhida no início do Século XIX, por Frei Manuel do Cenáculo, arcebispo de Évora e amante de antiguidades. A inscrição nela gravada, é dedicada por uma dama romana, aos filhos e ao marido Quinto Junio Maximo, um alto funcionário do Império cuja “villa” (casa de campo) se localizava na Tourega.
A dimensão das “termas” ou “banhos”, a parte melhor estudada e conservada destas ruínas, fazem supor a existência de uma grande casa agrícola, condizente com o elevado estatuto social dos proprietários.
Estas ruínas arqueológicas foram objeto de um programa de escavações conduzido nos anos 80 e 90 do século passado. Posteriormente a Câmara Municipal de Évora promoveu a respetiva “musealização”. Apesar de evidentes problemas de conservação, estas ruínas romanas são atualmente as únicas visitáveis no meio rural de Évora.





A TRADIÇÃO RELIGIOSA
“Foi esta Senhora da Gloria nos séculos antigos milagrosa donde concorriam romeiros de toda a parte do Alentejo”
P. Manuel Vidigal (1736)


A Igreja Matriz da Tourega remonta ao Século XV mas foi remodelada no final do Século XVI por iniciativa do Arcebispo de Évora, D. Teotónio de Bragança (1578-1602). A capela-mor recebeu então uma cobertura semi-esférica, com decoração de estuque, e um belíssimo retábulo de madeira lavrada com nove pinturas coevas.
O interesse pela Tourega de D. Teotónio e do seu antecessor Cardeal D. Henrique (1574-78), fundador do vizinho Convento do Bom Jesus de Valverde (Mitra), obedecia a um programa apologético da igreja eborense, legitimado pela presença das antiguidades romanas, assumidas como provas das lendas fundacionais do próprio Arcebispado. Os vestígios romanos, a par das ruínas da Ermida e da Fonte Santa, davam corpo às narrativas que colocavam nestas paragens os martírios de São Jordão, segundo Bispo de Évora e sucessor de São Manços, e das suas irmãs Santa Comba e Santa Inominata.
A Tourega ganharia então um estatuto especial como centro de concorrida devoção, centrada sobretudo na sua Fonte Santa, a “Cova dos Mártires”, a cujas águas eram atribuídas propriedades curativas.
No Século XIX, apesar da crescente perda de importância face à emergência de outros cultos, como a Senhora d’Aires, a Tourega manteve o estatuto paroquial, confirmado pela construção do cemitério.


Desta antiga e forte tradição religiosa, edificadas que foram no final do Século XX, uma nova igreja e um novo cemitério em Valverde, o povoado que cresceu à sombra da “Escola Agrícola da Mitra”, resta hoje apenas a antiga fama, evocada anualmente pela “missa de finados”.




TOUREGA_ PRESENTE E FUTURO
“É possível e desejável transformar o sítio da Tourega, outrora aprazível e habitado, num polo de visita turístico-cultural no contexto das rotas patrimoniais eborenses”
Prof. Vítor Serrão (2015)

A Tourega como sítio religioso, já não tem futuro, sobretudo a partir do momento em que o Cemitério também perder a sua função. Se a queremos preservar como “memória e património”, teremos de encontrar-lhe outros destinos.
Atualmente, ainda que conjugando boas vontades de vários parceiros (Junta de Freguesia, Paróquia, Câmara Municipal e Direção Regional de Cultura), as intenções são limitadas:
- estabilizar e conservar o património mais sensível da Igreja (imagens, retábulo, pinturas);
- manter limpas as ruínas romanas;
- divulgar a importância cultural deste património, através de iniciativas que envolvam a comunidade local;

Mas apenas um plano de recuperação do conjunto patrimonial e paisagístico da Tourega, integrado numa estratégia sustentável de valorização do património rural eborense, poderá salvar a Tourega do destino de outros núcleos semelhantes, hoje irremediavelmente perdidos:

- recuperação arquitectónica da Igreja Matriz e reintegração do seu património móvel;
- conservação, restauro e interpretação in situ das ruínas da Villa Romana da Tourega;
- estudo, consolidação e interpretação in situ das ruínas da Ermida de Sta Comba e da Fonte Santa;
- melhoria das condições da “morada” anexa à igreja, favorecendo a continuidade da sua habitabilidade, como condição fundamental de sustentabilidade do sítio;

- programa de arquitetura paisagista e valorização cultural, para o conjunto patrimonial da Tourega, prevendo áreas de estacionamento e de lazer; percursos de acesso às diversas ruínas e ao plano de água; núcleo interpretativo na Igreja;

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