Coches e arqueólogos, seis anos depois…
Conheci vagamente as instalações
militares existentes na Avenida da Índia, frente à estação de Belém, a quando
do meu serviço militar em 1978, pois aí me desloquei uma ou outra vez em
serviço da minha unidade de Queluz… Recordo apenas que tinham que ver com a
reparação de viaturas (num escalão superior ao possível nas unidades do
exército) .
Por isso resolvi ir à INTERNET pedir ajuda para as minhas memórias. No site oficial
do exército encontrei logo o que procurava:
(http://www.exercito.pt/sites/OGME/Historial/Paginas/default.aspx)
O início das Oficinas
Gerais de Material de Engenharia remonta ao ano de 1916 a 1 de Novembro, com
outra nomenclatura, o P.A.M. Parque Automóvel Militar, instalado no prédio
Militar N.º 23 de Lisboa, situado em Belém com entrada pela Av. da Índia N º
136, frente a Estação da C.P.
Convém no entanto relembrar que nesse local estiveram
instaladas as Cocheiras Reais que serviam o Palácio que remonta ao reinado de
D. João V.
Posteriormente o Estado
tomou posse por acto de entrega pela Administração da Casa Real ao Ministério
da Guerra, em 14 de Dezembro de 1885.
Era ao tempo limitado o
espaço, a Norte pela Rua da Junqueira, a Sul pela antiga Rua Marginal do Tejo a
Este pela Praça D. Fernando e a Leste pelo Largo da Alfândega Velha.
Com o aterro do Tejo
foram aumentados os espaços e erguidos vários edifícios de uma interessante arquitectura industrial
onde se realça um, em estrutura de ferro com uma área bastante vasta coberta.
Nesse local estiveram
ainda instalados o Depósito de Forragens, o Picadeiro do Regimento de Cavalaria
N.º 4 e o Quartel da 3ª Companhia de Administração Militar, o que lhe dá também
um relevo Histórico e Militar.
O P.A.M. (Parque
Automóvel Militar), surge no inicio do século XX, contemporâneo dos primeiros
veículos Automóveis e tinha por finalidade proceder à reparação de Hipomóveis e
Automóveis do Exército. Nascido administrativamente em 9 de Fevereiro de 1918,
pela Portaria Nº 1.223. O seu Brasão em 1920 era composto por uma viatura
automóvel de capota amovível, com uma chave de parafusos cruzada com um
martelo.
No entanto por ordem do
Ministério da Guerra, o P.A.M. é extinto em 31 de Julho de 1928, com base em
razões de ordem financeira.
Surgem então as Oficinas
Gerais de Material de Engenharia, (O.G.M.E.) conhecidas militar e popularmente
como as Oficinas Gerais de Belém por
Decreto Nº 16.629 de 19 de Março de 1929.
O seu brasão era
composto por uma roda dentada, apoiada num sem-fim horizontal cortada no topo a
1/5, onde surgia uma imagem de castelo, tendo mantido no interior da roda
dentada o martelo e a chave de parafusos traçadas.
Com uma área total de
16.540 m2 e uma área coberta de 12.111 m2 e cerca de 280 trabalhadores as
instalações foram cedidas em 7 de Dezembro de 1994 por protocolo do Ministério
da Defesa Nacional (M.D.N.) à Secretaria de Estado da Cultura.
Poderíamos acrescentar a este
breve historial do sítio que após aquela data (embora se falasse na possibilidade
da sua adaptação a picadeiro da escola equestre portuguesa, a funcionar no Palácio
de Queluz) serviu primeiro de armazém do IPPAR e do IPM, tendo finalmente aí
sido instalado em 1997, o Instituto Português de Arqueologia, criado pelo Ministro Manuel Maria Carrilho, na sequencia de todo o historial mediático
ligado ao Côa. O novo Instituto, ocupou apenas o antigo edifício do Comando,
com ligeiríssimas adaptações, bem como a grande nave industrial referida no
texto transcrito pelo seu interesse arquitectónico. Aqui Francisco Alves,
responsável pela Arqueologia Subaquática nos primeiros anos do IPA, sem
necessidade de qualquer obra, tiraria partido da amplidão do espaço da antiga
oficina para instalar, à vontade, todos os “seus” equipamentos, alguns de
grande porte, como os tanques de tratamento para grandes objectos recolhidos
nas intervenções subaquáticas. Aliás, o espaço das antigas oficinas gerais,
pela sua amplidão estrutural, parecia adequar-se na perfeição ao espírito de
grande informalismo e voluntarismo pragmático, que imperava no novo Instituto,
que se auto intitulava de “estrutura leve e económica” (e de facto sempre o
foi), orientada no essencial para o cumprimento da sua missão de “salvaguarda
dos registos materiais da cultura humana contidos no subsolo”. Diga-se de
passagem que a única obra de efectiva adaptação, entretanto absurdamente realizada
quase nas vésperas do respectivo “despejo”, acabaria por ser para instalação
da excelente Biblioteca de Arqueologia que o IPA herdara do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, após a extinção da delegação de Lisboa do DAI (Instituto
Arqueológico Alemão). Como é sabido, como instituição autónoma o IPA teria
curta vida, tendo sido extinto em 2007, absorvido pelo IPPAR que se transformou
em IGESPAR, no âmbito do socrático processo do PRACE. No entanto, os serviços
de arqueologia preventiva, de arqueologia subaquática e de apoio à investigação arqueológica manter-se-iam ainda em funcionamento nas antigas oficinas gerais. Nesse
período, em concreto no segundo semestre de 2007, a pedido do meu amigo e
colega João Pedro Cunha Ribeiro que fora nomeado Subdirector do IGESPAR,
acompanhei de muito perto a actividade das antigas equipas do IPA ainda
instaladas na Av. da Índia, onde todos os dias me deslocava vindo do Palácio da Ajuda para, na qualidade de Director de
Serviços, despachar os assuntos correntes com a Jacinta Bugalhão (chefe de divisão da Arqueologia
Preventiva). Por uma questão temperamental, por vezes algo conservadora, nem
sempre fora um incondicional apoiante da abordagem voluntarista “tipo IPA”, que
me parecia nalgumas situações poder vir a revelar-se contraproducente, mas nas
longas e por vezes acaloradas sessões de despacho, ganhei respeito a
muitos jovens colegas, em particular os que, quase isoladamente defendiam o
património arqueológico nas recônditas “extensões” espalhadas pelo país, hoje integradas nas
Direcções Regionais de Cultura.
Manifestação frente ao nº 136 da Avenida da Índia. Á esquerda o antigo edifício de comando das Oficinas Gerais de Belém, sede do efémero IPA, entre 1997 e 2007 |
Mas, inevitavelmente face aos poderosos
interesses instalados, era o fim de uma época tão curta como intensa… Pouco
mais de um ano depois, arqueólogos e outros técnicos, alguns vindos ainda do
IPPC, outros do IPPAR e do extinto IPA, juntavam-se à porta do nº136 da Avenida
da Índia para protestarem contra a decisão da demolição das instalações das
Oficinas Gerais para a construção no local de um novo, arquitectónicamente interessante mas desnecessário Museu
dos Coches. Recorde-se que na altura outras e ainda mais graves ameaças se perfilavam
no horizonte da Arqueologia. Abrindo o “jogo” a um antigo desejo do “almirantado”
na reserva, o governo parecia disponível para “despejar” dos Jerónimos o
centenário Museu Nacional de Arqueologia, oferecendo como alternativa não um
edifício de raíz tipo “Coches” (para isso não havia dinheiro) mas uma quimérica
adaptação da velha fábrica da Coordoaria, um magnifico exemplar de Arqueologia
Industrial, mas decididamente impróprio para instalação de um Museu Nacional de
Arqueologia. Como diz a cantiga “pra pior já basta assim”.
O Museu dos Coches, antes e depois em Ana Marques |
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204217835582248&set=a.1153046622512.2022343.1118052037&type=1&theater
Seis anos depois, a crise salvou
(?) o MNA, mas infelizmente não impediu a loucura financeira do novo Museu dos
Coches. Numa área em que os poucos recursos disponíveis, já mal chegam para a
gestão do dia a dia, agravando-se dramaticamente o deplorável estado de
conservação de monumentos e colecções públicas um pouco por todo o país, em
especial fora do eixo Ajuda-Belém, a Cultura conseguiu (ou permitiu) a proeza acrescentar ainda maior
e mais incontrolável despesa que, a acreditar nos insuspeitos números oficiais,
jamais será coberta mesmo por um previsível aumento de receitas.
Aspectos da manifestação (arqueológica) de 18 de Março de 2009 |
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