quinta-feira, 28 de maio de 2015

Coches e arqueólogos, seis anos depois…

Conheci vagamente as instalações militares existentes na Avenida da Índia, frente à estação de Belém, a quando do meu serviço militar em 1978, pois aí me desloquei uma ou outra vez em serviço da minha unidade de Queluz… Recordo apenas que tinham que ver com a reparação de viaturas (num escalão superior ao possível nas unidades do exército) .
Por isso resolvi ir à INTERNET pedir ajuda para as minhas memórias. No site oficial do exército encontrei logo o que procurava:

(http://www.exercito.pt/sites/OGME/Historial/Paginas/default.aspx)

O início das Oficinas Gerais de Material de Engenharia remonta ao ano de 1916 a 1 de Novembro, com outra nomenclatura, o P.A.M. Parque Automóvel Militar, instalado no prédio Militar N.º 23 de Lisboa, situado em Belém com entrada pela Av. da Índia N º 136, frente a Estação da C.P.
Convém no entanto relembrar que nesse local estiveram instaladas as Cocheiras Reais que serviam o Palácio que remonta ao reinado de D. João V.
Posteriormente o Estado tomou posse por acto de entrega pela Administração da Casa Real ao Ministério da Guerra, em 14 de Dezembro de 1885.
Era ao tempo limitado o espaço, a Norte pela Rua da Junqueira, a Sul pela antiga Rua Marginal do Tejo a Este pela Praça D. Fernando e a Leste pelo Largo da Alfândega Velha.
Com o aterro do Tejo foram aumentados os espaços e erguidos vários edifícios de uma interessante arquitectura industrial onde se realça um, em estrutura de ferro com uma área bastante vasta coberta.
Nesse local estiveram ainda instalados o Depósito de Forragens, o Picadeiro do Regimento de Cavalaria N.º 4 e o Quartel da 3ª Companhia de Administração Militar, o que lhe dá também um relevo Histórico e Militar.
O P.A.M. (Parque Automóvel Militar), surge no inicio do século XX, contemporâneo dos primeiros veículos Automóveis e tinha por finalidade proceder à reparação de Hipomóveis e Automóveis do Exército. Nascido administrativamente em 9 de Fevereiro de 1918, pela Portaria Nº 1.223. O seu Brasão em 1920 era composto por uma viatura automóvel de capota amovível, com uma chave de parafusos cruzada com um martelo.
No entanto por ordem do Ministério da Guerra, o P.A.M. é extinto em 31 de Julho de 1928, com base em razões de ordem financeira.
Surgem então as Oficinas Gerais de Material de Engenharia, (O.G.M.E.) conhecidas militar e popularmente como as Oficinas Gerais de Belém por Decreto Nº 16.629 de 19 de Março de 1929.
O seu brasão era composto por uma roda dentada, apoiada num sem-fim horizontal cortada no topo a 1/5, onde surgia uma imagem de castelo, tendo mantido no interior da roda dentada o martelo e a chave de parafusos traçadas.
Com uma área total de 16.540 m2 e uma área coberta de 12.111 m2 e cerca de 280 trabalhadores as instalações foram cedidas em 7 de Dezembro de 1994 por protocolo do Ministério da Defesa Nacional (M.D.N.) à Secretaria de Estado da Cultura.


Poderíamos acrescentar a este breve historial do sítio que após aquela data (embora se falasse na possibilidade da sua adaptação a picadeiro da escola equestre portuguesa, a funcionar no Palácio de Queluz) serviu primeiro de armazém do IPPAR e do IPM, tendo finalmente aí sido instalado em 1997, o Instituto Português de Arqueologia, criado pelo Ministro Manuel Maria Carrilho, na sequencia de todo o historial mediático ligado ao Côa. O novo Instituto, ocupou apenas o antigo edifício do Comando, com ligeiríssimas adaptações, bem como a grande nave industrial referida no texto transcrito pelo seu interesse arquitectónico. Aqui Francisco Alves, responsável pela Arqueologia Subaquática nos primeiros anos do IPA, sem necessidade de qualquer obra, tiraria partido da amplidão do espaço da antiga oficina para instalar, à vontade, todos os “seus” equipamentos, alguns de grande porte, como os tanques de tratamento para grandes objectos recolhidos nas intervenções subaquáticas. Aliás, o espaço das antigas oficinas gerais, pela sua amplidão estrutural, parecia adequar-se na perfeição ao espírito de grande informalismo e voluntarismo pragmático, que imperava no novo Instituto, que se auto intitulava de “estrutura leve e económica” (e de facto sempre o foi), orientada no essencial para o cumprimento da sua missão de “salvaguarda dos registos materiais da cultura humana contidos no subsolo”. Diga-se de passagem que a única obra de efectiva adaptação, entretanto absurdamente realizada quase nas vésperas do respectivo “despejo”, acabaria por ser para instalação da excelente Biblioteca de Arqueologia que o IPA herdara do Ministério dos Negócios Estrangeiros, após a extinção da delegação de Lisboa do DAI (Instituto Arqueológico Alemão). Como é sabido, como instituição autónoma o IPA teria curta vida, tendo sido extinto em 2007, absorvido pelo IPPAR que se transformou em IGESPAR, no âmbito do socrático processo do PRACE. No entanto, os serviços de arqueologia preventiva, de arqueologia subaquática e de apoio à investigação arqueológica manter-se-iam ainda em funcionamento nas antigas oficinas gerais. Nesse período, em concreto no segundo semestre de 2007, a pedido do meu amigo e colega João Pedro Cunha Ribeiro que fora nomeado Subdirector do IGESPAR, acompanhei de muito perto a actividade das antigas equipas do IPA ainda instaladas na Av. da Índia, onde todos os dias me deslocava vindo do Palácio da Ajuda para, na qualidade de Director de Serviços, despachar os assuntos correntes com a Jacinta Bugalhão (chefe de divisão da Arqueologia Preventiva). Por uma questão temperamental, por vezes algo conservadora, nem sempre fora um incondicional apoiante da abordagem voluntarista “tipo IPA”, que me parecia nalgumas situações poder vir a revelar-se contraproducente, mas nas longas e por vezes acaloradas sessões de despacho, ganhei respeito a muitos jovens colegas, em particular os que, quase isoladamente defendiam o património arqueológico nas recônditas “extensões” espalhadas pelo país, hoje integradas nas Direcções Regionais de Cultura. 
Manifestação frente ao nº 136 da Avenida da Índia. Á esquerda o antigo edifício de comando das Oficinas Gerais de Belém, sede do efémero IPA, entre 1997 e 2007


Mas, inevitavelmente face aos poderosos interesses instalados, era o fim de uma época tão curta como intensa… Pouco mais de um ano depois, arqueólogos e outros técnicos, alguns vindos ainda do IPPC, outros do IPPAR e do extinto IPA, juntavam-se à porta do nº136 da Avenida da Índia para protestarem contra a decisão da demolição das instalações das Oficinas Gerais para a construção no local de um novo, arquitectónicamente interessante mas desnecessário Museu dos Coches. Recorde-se que na altura outras e ainda mais graves ameaças se perfilavam no horizonte da Arqueologia. Abrindo o “jogo” a um antigo desejo do “almirantado” na reserva, o governo parecia disponível para “despejar” dos Jerónimos o centenário Museu Nacional de Arqueologia, oferecendo como alternativa não um edifício de raíz tipo “Coches” (para isso não havia dinheiro) mas uma quimérica adaptação da velha fábrica da Coordoaria, um magnifico exemplar de Arqueologia Industrial, mas decididamente impróprio para instalação de um Museu Nacional de Arqueologia. Como diz a cantiga “pra pior já basta assim”.
O Museu dos Coches, antes e depois em Ana Marques
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Seis anos depois, a crise salvou (?) o MNA, mas infelizmente não impediu a loucura financeira do novo Museu dos Coches. Numa área em que os poucos recursos disponíveis, já mal chegam para a gestão do dia a dia, agravando-se dramaticamente o deplorável estado de conservação de monumentos e colecções públicas um pouco por todo o país, em especial fora do eixo Ajuda-Belém, a Cultura conseguiu (ou permitiu) a proeza acrescentar ainda maior e mais incontrolável despesa que, a acreditar nos insuspeitos números oficiais, jamais será coberta mesmo por um previsível aumento de receitas.
Aspectos da manifestação (arqueológica) de 18 de Março de 2009




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