Memórias de infância
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A aldeia do Carvalhal da Aroeira e a Serra d'Aires |
Há tantos anos a morar e a trabalhar no Alentejo, a maior parte dos meus amigos e conhecidos pensam que sou alentejano. E na verdade já me sinto como tal. No entanto todas as minhas origens familiares, tanto quanto sei (nunca me interessou muito a genealogia), estão numa pequena aldeia, Carvalhal da Aroeira, nas fraldas nascentes da Serra d'Aire, a meia dúzia de quilómetros de Torres Novas. Dali saí, com 3 anos levado pelo fluxo migratório para os subúrbios de Lisboa dos anos 50, ainda antes da explosão migratória para França que ao longo dos anos 60 esvaziou quase por completo aquela e muitas outras aldeias do Centro e Norte. Mas, felizmente, não perdi logo o contacto a aldeia. Desde muito cedo que a minha mãe me levava à antiga paragem da "carreira" que havia em Sacavém, à porta da Fábrica da Louça, e me entregava aos cuidados do "condutor" (o pica bilhetes....) que me deixava algumas horas depois na paragem junto á venda do Galinha, o ponto mais próximo do Carvalhal em relação à "estrada nova" (alcatroada...), onde algum dos numerosos tios (a minha mãe era uma das irmãs mais velhas de dez irmãos) me havia de apanhar, com burro ou a pé. Assim passei longos períodos das férias grandes, em casa da minha avó, ajudando os meus tios mais novos que ainda com ela viviam, nos trabalhos da casa (ir à água aos distantes poços públicos, tarefa hercúlea diária) ou do campo (sobretudo a apanha da uva e dos figos secos, as"passas", a principal fonte de subsistência à época), lendo os meus primeiros livros á noite, à luz do candeeiro, recolhidos na Biblioteca itinerante, e sobretudo brincando livremente pelos campos com os miúdos da mesma idade. Recordo em particular um amigo, exacatamente do meu ano, que vivia na casa ao lado da minha avó, e que viria a saber mais tarde, seria mias uma das vítimas da guerra colonial, como tantos outros que pontuam o cemitério da pequena aldeia.
Não sonhava então, longe disso, com arqueologias, nem na aldeia do Carvalhal parecem existir indícios interessantes (com excepção de hipotéticos vestígios paleolíticos nos terraços da Ribeira vizinha do Alvorão, pelo menos na avisada opinião do meu colega Francisco Almeida, com ligações à região, mas que actualmente se encontra a viver e trabalhar na Austrália) mas as férias na aldeia deram-me oportunidade de conhecer ainda a realidade do mundo rural que estava então a desaparecer muito rapidamente, com a emigração para Lisboa, a guerra colonial e finalmente a emigração massiva para a França. Alemanha, Canadá etc.... Como dizia o meu amigo Benjamim Pereira quando trabalhámos juntos nos estudos e levantamentos do Alqueva relacionados com a Aldeia da Luz e o respectivo Museu, "entre a época romana e os anos cinquenta do século XX, salvo uma ou outra tentativa de mecanização isolada, as condições de vida, os meios e os ritmos do trabalho nos campos portugueses, muito pouco haviam mudado". Daí a extraordinária importância do trabalho de levantamento e registo da equipa de Jorge Dias, em que Benjamim Pereira ainda participara, feito nos anos 50/60 no limiar do desaparecimento desse mundo. Daí a "sorte" de eu próprio ter tido ainda a experiência da aldeia sem estrada, sem eletricidade e sem água. Do colchão com palha que era preciso revolver ou mudar, do telhado sem forro, ou do chão de terra batida. Mas também das festas populares a que ninguém faltava. É verdade que não se pode ter saudades de condições de vida tão duras e por isso quando a brecha surgiu ninguém foi capaz de tapar a torrente... e hoje a aldeia, outrora cheia de vida, é hoje um conjunto de casas, por vezes apalaçadas, onde se vem dormir à noite ou nas férias de verão.
Veio tudo isto a propósito de um livro que me ofereceram, editado pela Câmara Municipal de Torres Novas em 2014, e onde fui encontrar através de algumas centenas de fotos particulares, pacientemente recolhidas por Luis Correia de Sousa, as memórias de uma aldeia desaparecida mas que ainda conheci. Foi também pretexto, para revisitar algumas das fotos que herdei dos meus pais...
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O livro editado em 2014 pela CM de Torres Novas |
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A "carreira" dos Claras, anos 30 (pg.158) |
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O burro com a canga e as bilhas para ir ao poço à água (pg 109) |
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A escolha dos figos secos ("passas") nos tabuleiros de secagem. (pg. 105) |
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O amanho da terra, como na época romana....como dizia Benjamim Pereira (pg.116) |
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Festa com cortejo de "fogaças", a versão local dos "tabuleiros" de Tomar (pg.317)
Pg.201 |
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Grupo de raparigas da JOC (Juventude Operária Católica) junto á Igreja do Carvalhal, no início dos anos 40. Foram obtidas na mesma altura, sem dúvida. A de cima está publicana no livro "Escrito no tempo". Esta recolhi-a nas coisas da minha mãe (em cima a última à direita, em baixo, a 2ª a partir da esquerda).
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Grupo, pg 23 |
São numerosas as fotos de grupo publicadas no livro "Escrito no tempo", mas o autor não teve acesso a esta interessantíssima foto que herdei do meu pai (no meio do grupo, de camisola e cigarro na boca).
Fotos acrescentadas em 17 de Maio de 2018
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À porta da casa do meu Tio Manuel, na Rua da Saudade (ao Cemitério do Carvalhal), com os meus primos e as minhas irmãs. Início dos anos 60. |
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Não me recordo do nome do "ciclista". A foto tem interesse porque mostra a situação inacabada da Igreja Nova nos anos 60 que, por falta de meios, assim ficou durante largos anos...
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Início dos anos 60 do século XX. No "poço" de uma fazenda logoa abaixo da Igreja Nova, então ainda não concluída. Não recordo o nome do rapaz da foto (José Augusto?), um pouco mais velho do que eu mas com quei me cruzei ainda no seminário de Santarém ou Almada. |
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Olá, bom dia,
ResponderEliminarFui eu que fiz a recolha das fotografias antigas e a organização da edição; tenho ainda muitas mais fotografias, mais de 1000; se pudesse enviar-me as que tem, relacionadas com a nossa aldeia, agradecia imenso; eventualmente organizaremos outro volume, ainda não sei.
Cumprimentos
Luís Correia de Sousa
esqueci-me de enviar os meus contactos:
ResponderEliminariconografo@gmail.com
tel. 966237399
Recordar é viver o passado que nos ajuda a intender e viver o presente.
ResponderEliminarCaro Adelino. Certamente conhecemo-nos pessoalmente mas, ao fim de tantos anos de afastamento do Carvalhal (com curtas e tristes visitas para funerais) já não consigo restabelecer coordenadas familiares ou outras. Em todo o caso, um grande abraço.
EliminarAmigo ACS, pelos dados que encontro aqui também não consigo reconhecer de quem se trata. Também eu deixei o Carvalhal a partir de 1962. Vi a foto com a Senhora que diz ser a sua mãe mas não me ocorre quem seja, pois reconheço todas as outras Senhoras da foto. Dizia atraz que deixei o Carvalhal, é verdade mas a partir de 1975 habito no Entroncamento que como sabe fica relativamente perto. O meu avô está na foto "grupo pg 23", é o único que tem cajado. Se estiver interessado talvez consigamos mais dados para nos reconhecermos.
EliminarAcho que o meu avô está na última foto
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