quarta-feira, 13 de maio de 2015

Lembrando  Celino Silva

O reconhecimento de certas coincidências poderá ter algum significado? Serão apenas meros acasos circunstanciais ou sequenciais, ou a sua percepção como tal, resultará de algo latente na nossa própria (sub)consciência? Tudo a propósito de 3 factos recentes, todos eles ligados à memória do amigo Celino Silva, desaparecido em Outubro de 2013.

O Celino Silva comigo no lançamento do livro "Escoural, Uma Gruta Pré-histórica no Alentejo", em 31 de Julho de 2011. (foto que encontrei no SITE da SPE-Sociedade Portuguesa de Espeleologia)

Facto 1.  A 14 de Abril, aproveitando uma ida a Montemor, dei uma saltada ao Castelo, onde não ia há algum tempo. Queria ver os arranjos finais do novo parque de estacionamento, das escadinhas do Quebra Costas e da calçada Conde de Valenças, todo um conjunto de obras há muito planeadas e projectadas e finalmente executadas. Aproveitei ainda para entrar no Castelo, rever as ruínas da vila medieval em escavação de grande fôlego e ainda em curso pela Manuela Pereira, colega  de uma geração bastante mais recente e finalmente visitar a Igreja de Santiago, em boa hora recuperada pela Câmara Municipal (estava transformada em "barracão de apoio à jardinagem") para nela se instalar o Centro Interpretativo do Castelo. Se no caso dos arranjos exteriores me recordei em particular do Arquitecto José Garret, saudoso colega de (tertúlia) da Comissão de Arte e Arqueologia de Évora e técnico da C.M. de Montemor responsável pelo planeamento urbano, no interior do Castelo era o Celino Silva, desaparecido em Outubro de 2013, que a cada esquina parecia vir ao meu encontro com aquele sorriso afável de quem já viveu muita coisa mas que espera ainda dar o empurrão para que as coisas não parem. E de facto, enquanto interlocutor da parte da Direcção Regional de Cultura, foi com o Celino, na qualidade de Coordenador do Projecto do Castelo, que tive tantas reuniões de trabalho no próprio Castelo. Algumas com resultados à vista de todos, como o caso da Igreja de Santiago, um exemplo de conjugação de esforços, desde a fase de projecto de arquitectura, ao restauro das magníficas pinturas descobertas em obra, até à montagem da exposição, num espaço cultural infelizmente ainda pouco divulgado. Outras, não menos interessantes, mas ainda a aguardar   concretização, como foi o caso das longas e acaloradas reuniões de trabalho com a equipa do coreógrafo Rui Horta, com vista à preparação do caderno de encargos do concurso entretanto "abortado" para a concretização no Convento da Saudação do ambicioso projecto do "Espaço do Tempo". Felizmente nem tudo se perdeu (o Rui não perdeu até a esperança de ver recuperado o Convento...), tendo sido possível fazer estudos arqueológicos dirigidos pela Manuela Pereira na cerca do convento, sondagens geológicas e até um detalhadissimo levantamento arquitectónico do Convento e das Muralhas pelo muito especial "topógrafo" Alberto Martinez.
As escavações no Castelo de Montemor-o-Novo

O centro interpretativo do Castelo, na Igreja de Santiago requalificada para o efeito (2008 ?)

A orquestra de anjos descoberta na abóbada do altar-mor de Santiago, escondida durante séculos por sucessivas camadas de cal

Facto 2. No passado dia 8 de Maio, li nas notícias,que  a CIMAC (Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central) comemorou 30 anos homenageando todos os autarcas eleitos na região após o 25 de Abril. Nessa cerimónia foram também recordados os já falecidos, tendo sido um dos momentos mais emotivos, a intervenção evocativa de Celino Silva feita pela sua própria filha. Ainda que mal tenha conhecido o Celino Silva nos seus tempos de vereador em Évora (1979-1985) sei da consulta do processo que teve um papel decisivo no apoio aos projectos de intervenção arqueológica da época, em especial no caso dos Almendres, tendo estado ligado à decisão de investimento na construção da estrada municipal que traria, décadas depois este monumento para a visibilidade mundial.
Celino Silva- foto de Fátima Moreira, publicada por Dores Correia no blog A Cinco Tons, em 6 de Outubro de 2013


Facto 3. A realização na semana passada em Montemor-o-Novo do 1º simpósio de Arqueologia Virtual. Estou certo que os seus jovens e dinâmicos organizadores concordarão na observação que vou fazer. Se há quem sentiria orgulho nesta iniciativa e no sucesso que teve, seria o Celino Silva se ainda fosse vivo. Afinal e a Manuela Pereira poderá corroborar, o Celino não sendo arqueólogo e não tendo formação de base em história ou património (era licenciado em sociologia mas já depois de se aposentar resolveu, num acto de grande dignidade e corajosa humildade, frequentar o Mestrado em Património Cultural da Universidade de Évora ) foi durante algum tempo na Câmara de Montemor, o esteio fundamental de defesa do projecto de arqueologia do Castelo perante uma autarquia que, face a outras prioridades, por vezes parecia vacilar no reconhecimento do respectivo potencial.


A reconstituição exterior do lagar medieval escavado por Manuela Pereira, no Castelo de Montemor-o-Novo (ruínas da vila medieval, intra-muros), resultado da Maratona de Arqueologia Virtual no âmbito do 1º Simpósio de Arqueologia Virtual (ver site http://montemorbase.com/noticia/obrigado-1-o-simposio-de-arqueologia-virtual/



NOTA "a posteriori". Aqui fica, para registo, o certeiro comentário da arqueóloga Manuela Pereira.

Homenagem mais que merecida, António Carlos Silva. E durante este simpósio lembrei-me muitas vezes dele. Andaria nervoso, a afagar a barba e a assegurar-se que tudo corria na perfeição. Ou como ele dizia "a olear a máquina". Sempre se debateu pela valorização dos técnicos com quem trabalhava e pelos projectos onde entrava. Apesar de por diversas vezes estarmos em desacordo aprendi muito com ele e devo-lhe muitos dos princípios que me norteiam enquanto profissional e funcionária pública. 
O Celino haveria de ter gostado de ver a adega reconstituída e sobretudo da reconstituição da Igreja Matriz de Santa Maria do Bispo. Mas haveria sobretudo de ter gostado de assistir à união daquelas pessoas que, oriundos de vários pontos do país e de Espanha, se juntaram com o objectivo comum de trabalhar o património e que, sem nada ganharem em troca, e num verdadeiro trabalho e espírito de equipa conseguiram em dois dias dar a Montemor um contributo notável para a valorização do seu património.
Foi por isto que o Celino sempre se debateu, por uma arqueologia democratizada entendível por arqueólogos, mas sobretudo pela população, porque em último caso é para ela que todos trabalhamos.


2 comentários:

  1. Obrigada pela homenagem. Pelo reconhecimento do homem que era o meu pai e do seu trabalho. Sentir que a sua dedicação, paixão e esforço foram sementes que floresceram e que crescerão para o futuro.

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    1. Olá Anarita. Embora só tenha privado mais de perto com o seu pai nos últimos anos, talvez pela proximidade de pontos de vista no que respeitava ao património e à cultura, senti de modo muito particular a sua inesperada partida.

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