quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A encenação do passado


Esta estranha foto remete-nos para a Primavera de 1995. Dir-se-ia um acampamento improvisado face a uma qualquer crise de refugiados. 

No entanto, estas tendas às portas do Museu Nacional de Arqueologia e do Mosteiro dos Jerónimos, em pleno coração turístico de Lisboa, eram então sinal da radicalização da luta dos arqueólogos e de uma parte significativa da sociedade (uma conjugação rara e quase improvável, tornada possível face ao apelo mediático do extraordinário slogan das "gravuras que não sabiam nadar"), contra a construção da Barragem do Côa. 

Reencontrei há dias a foto que, pelos seus múltiplos significados, usei para ilustrar um artigo publicado no Diário de Notícias de 1 de Junho de 1995. O tema era a Idade do Bronze, e a plausível "encenação do poder", algures Mil anos antes de Cristo..., a propósito de uma exposição em curso no MNA. 

Apesar do texto ter sido mais tarde publicado pela Europa-América, em obra de parceria com Luis Raposo ("A Linguagem das Coisas", 1996, pp 169), pareceu-me interessante, revisitar a sua versão original e a imagem que a acompanhava. Que melhor representação/ encenação/ discurso de poder face aos Jerónimos? Não é isso que afinal, os arqueólogos fazem no dia a dia ao "reinventar" um passado que só existe afinal através da palavra?

O seguimento da história, é bem conhecido. O tema do Côa, muito com a ajuda de Mário Soares, acabou por estar muito presente na Campanha eleitoral desse Verão. E o Outono de 95, acarretaria o fim do Cavaquismo e a vitória de Guterres. O cumprimento da promessa de abandono da Barragem do Côa, seria uma das primeiras decisões do novo governo.

PS_ por pura coincidência, já depois de "publicado" o presente post, chegou ao meu conhecimento que hoje mesmo (30 de Novembro de 2016) saíu no Diário da República a resolução do Conselho de Ministros para a Viabilização da Fundação Côa Parque. Mais um passo na já longa e por vezes difícil caminhada de duas décadas. Para além do Link directo para o PDF do diploma em causa, anexa-se me imagem o texto da resolução

https://dre.pt/application/conteudo/105283925

Lisboa-Belém, Maio de 1995












segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Registos da arqueologia eborense, nos anos 30


Em fim de semana de chuva, reencontrei alguns recortes da imprensa eborense dos anos 30 do século passado ("Notícias d'Évora") que julgo merecerem alguns comentários. São quase todos assinados por alguém que usa o pseudónimo de "Tito Lívio Eborense" mas cujo nome real desconheço. Aceita-se ajuda para esclarecer o mistério...

Duas pequenas notícias de 1937 (Outubro e Dezembro) referem a descoberta de um povoado Neolítico, próximo da cidade de Évora, não sendo porém citado qualquer topónimo que nos permita identificar o local em causa. Julgo ser de descartar a hipótese do "Alto de São Bento de Cástis", uma vez que esse  sítio com vestígios pré-históricos, seria objecto de referencias deste mesmo autor já em 1938. A descrição de 37 aponta para um sítio com características diversas (ver a esse propósito uma entrada de Mário carvalho no Blog Carta Arqueológica de Évora) como se deduz dos recortes que divulgamos referentes ao Alto de São Bento (de Maio de 1938).

O que destaco nestas pequenas notícias, é a insistência no nome de Manuel Heleno, (ou nos sócios do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia, o que ia dar ao mesmo...) apontado sempre como grande especialista, cuja visita à Évora se aguarda mas que parece nunca acontecer. Manuel Heleno na década em causa vinha regularmente a Montemor-o-Novo (ver o recorte de Junho de 1938), onde procedia a numerosas (e demasiado rápidas) escavações nas antas da zona, em particular nos núcleos a Norte daquela localidade, já nos limites de Coruche ou Mora. É natural que ocasionalmente viesse também a Évora, e de facto parece haver uma pequena nota no conhecido trabalho de Saavedra Machado (Subsídios para a História do Museu Etnológico...) que a certa altura coloca Heleno na Herdade das Atafonas (entre Torre de Coelheiros e São Manços). Este sítio que surge também nos recortes que agora relembramos (Abril de 1938) é referido pela descoberta de importantes vestígios romanos no decurso de trabalhos agrícolas. Pelos dados da notícia, que fala do aparecimento de colunas de mármore e mosaicos, deveria estar-se em presença de uma importante villa romana, infelizmente nunca objecto até hoje de qualquer intervenção arqueológica. As circunstancias fazem recordar a descoberta da Villa de Torre de Palma uma década mais tarde (ver aqui) que então seria acompanhada de forma muito estreita por Heleno e pelos seus colaboradores do Museu Etnológico. Só que nos anos 30, Manuel Heleno tinha outros interesses e a villa romana das Atafonas, mesmo que tenha sido por si visitada, acabaria por ficar no esquecimento, até hoje.

E de facto, a primeira metade do Século XX não seria muito frutífera no que se refere à arqueologia nos territórios de Évora. Apesar do reconhecimento precoce da riqueza megalítica do Concelho, graças sobretudo a Emile Cartaillac, Leite de Vasconcelos e Gabriel Pereira (final do Século XIX, início XX), seria necessário aguardar pelos trabalhos de Georg e Vera Leisner nos anos 40, ainda que muito centrados no inventário das antas, para se ter finalmente uma noção da extraordinária riqueza arqueológica desta região. Em 1949 Georg Leisner, publica na revista A Cidade de Évora (com reedição em livro pela Nazareth) o livro "Antas dos Arredores de Évora", com a referencia e descrição de 152 antas localizadas num perímetro de cerca de 20 km em torno da cidade. Prenunciava-se desta forma uma época de importantes descobertas e investigações pré-históricas na região que, de algum modo, teriam o seu ponto alto nos anos 60, com a identificação da Gruta do Escoural, da Anta Grande do Zambujeiro e dos Cromeleques dos Almendres e Portela de Mogos, entre outros.




16 de Outubro 1937

30 Dezembro 1937


6 de Abril de 1938

14 de Abril de 1938



20 de Maio de 1938



1 de Junho de 1938

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

AS PEDRAS TALHAS DOS ALMENDRES

nas memórias dos mais velhos


Recentemente a União de Freguesias da Tourega e de Guadalupe, estrutura administrativa que abrange um território conhecido pela sua riqueza megalítica, única em todo o país, promoveu a gravação dos depoimentos de três dos seus habitantes, visando o registo das suas memórias pessoais sobre o Cromelque dos Almendres, ou "Alto das Pedras Talhas", como localmente era conhecido. Com efeito, a identificação arqueológica dos Almendres, apenas aconteceria em 1964 quando o local foi visitado pela primeira vez por Henrique Leonor de Pina, conduzido pelo guarda da Mitra "António Gadunhas", um "verdadeiro camponês arqueólogo", nas palavras do próprio Pina. A divulgação científica aconteceria alguns anos mais tarde, no II Congresso Nacional de Arqueologia que teve lugar em 1971 na cidade de Coimbra.

À data daquele reconhecimento, já todos os três entrevistados eram homens adultos, residentes em Guadalupe e interessava-nos ouvir as suas próprias experiências relativamente ao "antes", ao "durante" e ao "depois". Com efeito o Ti Bento Rosa Calhau, nascido em 1936 na Torre dos Coelheiros, viria ainda criança para a Herdade dos Almendres, onde fez de tudo um pouco como "jornaleiro". É o único sobrevivente do trio de trabalhadores (integrado também por Jacinto Samina, do Monte das Pedras e António Canaverde, da Boa Fé) que por volta de 1959, às ordens e sob a orientação do proprietário da Herdade, Eng. Miguel Soares, procedeu aos primeiros levantamentos de menires no Cromeleque. Ainda que sem qualquer enquadramento científico, presume-se que às motivações de Miguel Soares, estaria já subjacente algum reconhecimento empírico da natureza pré-histórica do local. Cruzando várias informações, incluindo entrevista realizada em 2014 com o Ti Bento, o malogrado arqueólogo Pedro Alvim (falecido em 2015), chegara à conclusão que aqueles trabalhos de 1959, incidindo sobre menires semitombados e realizados apenas com meios tradicionais e força humana, não terão desvirtuado no essencial, a estrutura básica do monumento, posteriormente completada com os trabalhos arqueológicos de Mário Varela Gomes.





Sobre Joaquim Feliz Casquinha, mais conhecido por Joaquim Cristéta, já aqui tinhamos deixado anterior notícia ( http://pedrastalhas.blogspot.pt/2016/11/o-ti-cristeta-e-as-pedras-talhas.html ). Nascido em 1925, é o mais idoso dos três entrevistados. Já aposentado de uma longa vida de trabalhador rural, foi um entusiástico colaborador nas escavações realizadas nos anos oitenta no Cromeleque e dirigidas por Mário Varela Gomes, com a colaboração de Francisco Serpa. Era importante registar o seu testemunho pessoal sobre essa sua experiência, que inclui até algumas "quadras" dedicadas ao Cromeleque.




Por fim, seria também importante recolher o testemunho de Manuel Estevão, nascido em 1935 no Monte da Pedreira, ao Escoural. Tal como os outros entrevistados, Manuel Estevão trabalhou desde criança na agricultura, onde fez de tudo um pouco. Ainda jovem já era pastor mas a dureza daquela vida ("estava meses sem poder ir a casa") levaram-no a procurar outros trabalhos após o serviço militar. Viria a especializar-se como "canteiro", profissão que chegou a exercer na emigração. No entanto seria como funcionário da pedreira municipal da Fiúza (Évora) que viria a ser chamado no final dos anos 80 para colaborar nos grandes trabalhos de restauro coordenados por Mário Varela Gomes e promovidos pela autarquia eborense (na altura a Herdade dos Almendres estava ainda integrada na UCP de Guadalupe). À sua experiencia e conhecimento técnico se ficou a dever não apenas a reerecção de diversos menires mas também a remontagem e colagem de alguns que se encontravam partidos. Reconhecida a qualidade do seu trabalho, viria a colaborar também no restauro do vizinho Cromeleque da Portela de Mogos, e mais tarde, há cerca de duas décadas, na delicada operação de remontagem do gigantesco menir de Meadas em Castelo de Vide. Interessava pois também gravar as suas memórias pessoais das Pedras Talhas.





À esquerda João Bacelar, o operador de câmara, e Panagiotis Sarantopolos (arqueólogo da Câmara Municipal de Évora), durante a recolha dos depoimentos




sábado, 19 de novembro de 2016


O Ti Cristéta e as Pedras Talhas_ testemunho na primeira pessoa



LINK para o testemunho do Ti Cristéta, disponível no YOUTUBE:



Recentemente, acolhendo uma minha proposta, a União de Freguesias da Tourega e de Guadalupe, promoveu a recolha em vídeo dos testemunhos pessoais de três habitantes já idosos da freguesia os quais, de alguma maneira, têm que ver com o CROMELEQUE DOS ALMENDRES. Desde logo o Ti Bento (Bento Calhau) residente no Monte das Pedras que, ainda jovem, participou nos primeiros levantamentos de pedras megalíticas no sítio das Pedras Talhas, mesmo antes da sua identificação pelo arqueólogo Henrique Leonor de Pina, trabalhos executados à ordem do Engenheiro Miguel Soares, antigo proprietário da Herdade. Nesses trabalhos participaram também o Ti Samina, que ainda conheci no Monte das Pedras mas falecido vai quase para duas décadas e António Canaverde, do aldeia vizinha da Boa Fé, onde faleceu há muitos anos. Foi também recolhido o testemunho de Manuel Estevão, "canteiro" reformado da Câmara Municipal de Évora, responsável pelo restauro de alguns dos menires dos Almendres, intervenção promovida pela Câmara Municipal de Évora no final dos anos 80 e coordenada por Màrio Varela Gomes. A qualidade técnica e eficácia do trabalho de Manuel Estevão não passou despercebida na altura e ele viria mais tarde a ser "requisitado" para outros importantes restauros megalíticos, desde logo no vizinho Cromeleque da Portela de Mogos, mas também na reerecção do gigantesco Menir de Meadas, em Castelo de Vide, trabalho coordenado por Jorge Oliveira, há duas décadas atrás.

Guardando a divulgação dos testemunhos destes intervenientes para mais tarde, hoje darei especial destaque ao decano do trio, Joaquim Feliz Casquinha, mais conhecido por Ti Cristéta por razões que ele próprio explica no vídeo. A sua especial ligação às Pedras Talhas, que ele conhecia desde menino como toda a gente em Guadalupe, viria a acontecer pela sua participação nas escavações ali realizadas em meados dos anos 80 por Mário Varela Gomes. Trabalhador rural toda a vida, praticamente sem escolaridade, o Ti Cristéta mostra ainda hoje, apesar da sua idade, um discurso organizado e informado, por vezes arrumado em versos, produto de uma vasta cultura popular adquirida na escola da vida. É aliás notória a nostalgia e o respeito com que fala da sua participação nos trabalhos arqueológicos nos Almendres, como algo de muito especial que aconteceu na sua longa vida de trabalho. Esta é uma situação muito comum e que pode ser testemunhada por todos os arqueólogos que já recorreram a trabalhadores rurais nas suas escavações. Eu próprio recordo a emoção do meu falecido vizinho Samina quando há muitos anos soube que eu era arqueólogo e que conhecia o José Arnaud, o Martin Hock ou Leonor de Pina. É que Samina colaborara com aqueles arqueólogos nas escavações do início dos anos 70 na Corôa do Frade e posteriormente na Anta Grande do Zambujeiro, conservando ainda excelente memória em relação a essas experiências. Guardava até velhos recortes de jornais da época que se referiam a essas escavações.

O Ti Cristéta hoje já pouco sai da sua casa de Guadalupe e já quase não consegue cuidar do seu grande quintal. Mas não consegue estar quieto e por isso, passa boa parte do dia a fazer pequenos objectos de madeira, recordações materiais da sua própria vida e que vai guardando no seu pequeno "museu privado". No final da recolha do seu testemunho nos Almendres, convidou-me a visitar esse pequeno santuário de memórias e lembranças de toda uma vida de trabalho. 

Para além de algumas imagens que testemunham esta experiência proporcionada pelo Ti Cristéta, deixo também a transcrição das "quadras" por ele recitadas de memória na gravação agora divulgada, e que terão sido por si imaginadas num dos intervalos das escavações nos Almendres. Nelas, para além da referencia ao arqueólogo Mário Varela Gomes, aparece citada outra figura, o Francisco Serpa, um velho amigo de Reguengos de Monsaraz, à época colaborador próximo do Mário Varela. O Xico radicou-se há muitos anos no Algarve (foi durante anos o zeloso guardião da capela de Nª ª de Guadalupe, entre Lagos e Sagres) mas teve nos anos oitenta um papel que não pode ser esquecido na valorização dos Almendres (em cujo "velho monte" viveu largas semanas...) e que oportunamente aqui procurarei destacar.

Aqui ficam as "quadras do Ti Cristéta"

Se estas pedras falassem
Contavam aos visitantes
Com relações sexuais
Aqui estiveram dois amantes
Estava alguém a observar
Esta grande barracada
Aqui mesmo ao pé da estrada
E isto em pleno dia

Ele já a trazia
Atracada pela cintura
E inda qu’ela se queixasse
Mas isto tudo diria
Se esta pedra falasse

O Cromeleque dos Almendres
Merecia uma sentinela
Foi restaurado plo Xico Serpa
E plo Doutor Mário Varela

Está uma obra muito bela
Foi feita por seres humanos
Diz que tem cinco mil anos

Respeitem-no bem visitantes
Porque a abusar um bocadinho
Já aqui estiveram dois amantes

O sítio das Pedras Talhas
Fica-lhes em recordação
Ela não se quis deitar no chão
E tinha medo de se sujar
Mas assim vieram abusar
Dum monumento nacional
Não devem cá voltar mais
A este sítio onde tiveram

Relações sexuais

O Ti Cristéta no seu "museu", talhando uma colher em madeira.








terça-feira, 15 de novembro de 2016

Almendres _ documentos para a história de um monumento

Foto publicada em 1974 na revista francesa "Les dossiers de l'Archéologie" (nº 4 Maio-Junho de 1974) e que documenta a situação do Cromeleque dos Almendres após os trabalhos de 1970 de Henrique Leonor de Pina
Numa altura em que dúvidas e indefinições se adensam relativamente ao futuro deste monumento, actualmente um dos sítios arqueológicos mais visitado no Alentejo, aqui iremos divulgando alguns documentos que nos contam a sua atribulada história, desde que há pouco mais de meio século (1964) Henrique Leonor de Pina, guiado pelo guarda da Mitra António Rebocho (mais conhecido por António Gadunhas) reconheceu nas "Pedras Talhas" um extraordinário monumento megalítico, até então único em toda a Ibéria. Começamos por uma notícia de 1970 do jornal eborense A Defesa. Divulgamos também um Parecer de Manuel Farinha dos Santos (o arqueólogo do Escoural) datado de 1971 que dá conta das difíceis relações com o proprietário da Herdade à época (Eng. Miguel Soares). Por fim, um Relatório de 1981 assinado pelo meu malogrado colega de curso, Jorge Pinho Monteiro- 1950-1982, com quem partilhei trabalhos de campo, ainda como estudantes, no levantamento da arte rupestre do Vale do Tejo (no início dos anos 70). Este relatório, pedido então pelo IPPC, apesar de muito sintético, revela à época uma rara capacidade de análise e de percepção dos principais problemas de conservação deste monumento, alguns dos quais (como a arenização dos menires ou a erosão do solo) ainda representam hoje ameças importantes. Refira-se que boa parte das medidas por ele propostas em 1981, viriam a ser postas em prática por Mário Varela Gomes, também nosso colega das lides arqueológicas do Tejo, poucos anos depois com o apoio da Câmara Municipal. É em grande parte aos trabalhos de Mário V.Gomes, seguindo de perto as propostas de Pinho Monteiro, e concretizadas com o apoio financeiro e logístico da Câmara Municipal de Évora (nomeadamente ao nível do restauro) que se deve a situação actual de excepcional monumentalidade dos Almendres. 


Notícia publicada no jornal de Évora, "A defesa", em 12 de Setembro de 1970 e que dá conta dos trabalhos de Henrique Leonor de Pina 



Parecer de Manuel Farinha dos Santos que propõe que o processo de classificação do Cromeleque como Imóvel de Interesse Público, aberto por despacho de 21 de Agosto de 1970, seja alargado  aos menires dos Almendres e de Vale de Cardos. Este processo seria concluído com a publicação apenas em 21.12.1974. Recentemente (4 de Março de 2015) o Cromeleque foi reclassificado como Monumento Nacional.


Relatório assinado pelo arqueólogo Jorge Pinho Monteiro (1950-1982), então assistente na Universidade de Évora. Infelizmente, Pinho Monteiro faleceria um ano depois e não pôde levar à prática um plano que revela, tendo até a época em que é feito, a sua elevada preparação técnica e científica. O mesmo seria anos mais tarde desenvolvido pelo seu amigo e colaborador, Mário Varela Gomes, com o apoio da Câmara Municipal de Évora.




sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O tesouro da Lameira Larga (Penamacor) e a villa romana de Torre de Palma (Monforte). Histórias de uma ligação improvável

A patera do Tesouro da Lameira Larga (foto do Museu Nacional de Arqueologia)

Há dias, por acaso, tropecei num texto da minha colega Filomena Barata, suponho que apenas disponível na internet ( http://ascidadesdalusitania.blogspot.pt/2015/07/o-tesouro-romano-de-lameira-larga.html ), no qual a arqueóloga retoma um seu anterior trabalho sobre o conjunto de objectos conhecido como Tesouro de Penamacor ou Tesouro da Lameira Larga. Trata-se, como é sabido, do espólio de uma sepultura descoberta durante a surriba para uma vinha, em 10 de Abril de 1907, no lugar da Lameira Larga, próximo da Aldeia do Bispo, Penamacor. Recolhidos pelo proprietário do terreno (João da Costa Martins), os objectos  acabariam na posse de Francisco Costa Falcão, que aproveitando uma ida a banhos à Figueira da Foz, os mostrou a Santos Rocha. É este conhecido arqueólogo que, logo em 1909, os publica na revista "O Arqueólogo Português". Apesar de se tratar de um conjunto de 10 objectos (prata, vidro e cerâmica), a peça que ressalta do mesmo, a ponto de se esquecer tudo o mais, é uma "patera em prata", de finíssimo trabalho de ourivesaria, representando uma conhecida cena mitológica: Perseu matando a Medusa. Mas sobre o interesse e significado desta peça, verdadeiro "tesouro nacional", actualmente exposto no MNA, remetemos para o texto acima citado. Hoje interessa-nos recordar a forma pouco usual como sete décadas após a sua descoberta, aquele conjunto (a que faltavam já duas peças, uma lucerna e um disco de prata com inscrição) chegou à posse do Estado, assunto que é mal conhecido, mesmo nos meios arqueológicos. Eu próprio apenas me aperceberia da situação de forma algo recambolesca.
Gravura original do artigo de Santos Rocha de 1909, À direita o disco de prata que já estava "perdido" quando o Estado adquiriu o conjunto em 1973

Com efeito, a "patera de Perseu" dada a sua qualidade artística e técnica e que cientificamente era conhecida desde a publicação de Santos Rocha, foi selecionada desde o primeiro momento, para integrar a exposição permanente da nova Sala do Tesouro instalada no MNA na segunda metade de 1980, um dos trabalhos do "caderno de encargos" assumido por Francisco Alves ao aceitar o convite de Vasco Pulido Valente para Director do Museu e do Departamento de Arqueologia do IPPC (ver http://pedrastalhas.blogspot.pt/2016/10/da-paternidade-da-arqueologia.html ). Embora integrando a equipa do Francisco, não acompanhei directamente o processo de seleção e acondicionamento do extraordinário conjunto de ourivesaria antiga (pré e proto-histórica ou clássica) que viria a integrar a exposição que ainda hoje, 36 anos depois, constitui uma das principais atrações do Museu. A essa tarefa dedicou-se em especial o meu colega Rui Parreira, há muitos anos na Direcção Regional de Cultura do Algarve. Desconheço portanto, se a "patera da Lameira Grande" ou da "Medusa" estava já no Museu ou noutro local. O assunto só me interessaria um pouco mais tarde (algures em 1983?), quando o IPPC já se encontrava (mal) instalado no Palácio da Ajuda. Eventualmente por necessidade de um qualquer estudo de contextualização alguém se interessou pelo paradeiro das restantes peças da sepultura da Lameira Larga e que ninguém conseguia localizar no Museu. Havia notícia que o conjunto havia sido adquirido pelo Ministério da Educação Nacional pouco antes do 25 de Abril de 1974, pelo que não foi difícil encontrar nos arquivos da Junta Nacional da Educação, a respectiva documentação. Da consulta da mesma, porém, não resultava o esclarecimento sobre o respectivo paradeiro se bem que, em última análise, o Museu seria o seu destino, pois a proposta da sua aquisição partira do então Director, Fernando d'Almeida... Em contrapartida, a consulta daquela documentação (de que aqui publicamos alguns documentos pelo seu interesse de registo) trazia um dado que, pelo menos para nós que acabáramos de integrar a equipa do Departamento de Arqueologia, era então desconhecido. A família "Falcão" que tinha na sua posse, há várias gerações, o "tesouro da Lameira Grande", era também proprietária da Torre de Palma, Herdade localizada em Monforte e onde nos anos 40,  Manuel Heleno (sucessor de Leite de Vasconcelos na direcção do MNA) descobrira a villa romana de Torre de Palma, ali escavando e pondo à vista os mais importantes mosaicos até então encontrados em Portugal. Ao contrário do que por vezes acontecia (mesmo num tempo em que o Estado era objectivamente bem mais forte) os proprietários não ofereceram resistência às escavações de Manuel Heleno nem à saída para Lisboa, uma vez destacados por técnicos italianos, dos melhores painéis de mosaicos, como o das musas ou o dos cavalos. Pelo menos é o que se depreende do publico louvor e agradecimento que o Ministro da Educação Nacional, certamente por sugestão de Heleno, fez publicar no Diário da República em Maio de 1949. 


Ora, Fernando Almeida, ao propor a aquisição do "Tesouro" por 1350 contos (cerda de 50 000 dólares) uma pequena fortuna à época (valor pretendido pelos proprietários baseados em supostas ou reais ofertas "estrangeiras"), sabia que não seria fácil defender tão elevado preço junto do Ministro da Educação. Avança por isso com uma inteligente cartada que resolvia dois problemas de uma só penada (e que hoje estariam a marinar no limbo da crise financeira, como acontece com outros importantes sítios arqueológicos, incluindo alguns "monumentos nacionais", ainda na posse de proprietários, sem glória nem proveito para ninguém...). Propõe que na transação e sem aumentar o valor pedido pelo "tesouro", sejam também incluídos os quatro hectares da "Torre de Palma", ocupados com as ruínas romanas. A proposta, submetida através da Junta Nacional de Educação, conforme documento anexo, é aceite e homologada pelo Ministro em 17 de Fevereiro de 1973, consumando-se no mesmo acto a aquisição da Villa Romana da Torre de Palma (hoje afecta à Direção Regional de Cultura do Alentejo ainda que com guardaria assegurada pela Câmara Municipal de Monforte) e a compra do "Tesouro da Lameira Magra".

Uma década depois, no entanto, continuava por esclarecer o paradeiro das peças arqueológicas de menor valor daquele conjunto. Até que, em conversa ocasional com o sr. Vítor Pereira, durante décadas o eficiente e comunicativo "Tesoureiro" do IPPC  (o algarvio a quem os arqueólogos de todo o país tanto devem nos anos 80 e 90, pela sua preocupação em disponibilizar as "verbas" para os trabalhos de campo, tão breve quanto a burocracia lhe permitia...) este me falou numa misteriosa "caixa" que se encontrava há anos no "cofre" da Tesouraria, um daqueles velhos e pesados cofres típicos das repartições públicas. Só que o cofre, perdida a sua utilidade na tesouraria, estava agora no "bar provisório" das instalações recentemente ocupadas pelo IPPC na Ajuda. Rapidamente esclareceríamos o assunto. No interior do cofre mas em compartimento próprio, encontrámos a tal caixa que ali ficara com alguns dos objectos que, por algum motivo, não tinham acompanhado a "patera" quando esta foi levada para o Museu e que, na inevitável confusão por que passaram os serviços públicos nos anos imediatos ao 25 de Abril, acabaram por ficar esquecidos ainda que seguros, no velho cofre.

A título de curiosidade e completando este relato memorialista, diga-se que na época em que finalmente congregávamos as peças do tesouro adquirido à Família Falcão, eram também retomados trabalhos arqueológicos na villa romana de Torre de Palma. Os restantes terrenos da Herdade estavam então ocupados por uma Cooperativa e o Monte com a sua magnífica "Torre" (hoje hotel de luxo) serviria durante alguns anos de base e apoio às novas escavações. Estas eram promovidas pelo Dr. Caetano Melo Beirão, director do Serviço Regional de Arqueologia do Sul que conseguira atrair para este local remoto, a atenção da americana Stephanie Maloney (da Universidade de Louisville, Kentucky), arqueóloga que literalmente se "apaixonaria" por este sítio e a cujo estudo e salvaguarda se dedicaria , praticamente até aos dias de hoje. Aqui publicamos também alguns documentos que assinalam o já distante início dessa frutuosa cooperação. Assinam a "certidão" emitida pela Comissão Nacional Provisória de Arqueologia, de 27 de Junho de 1983, o José d'Encarnação, como relator, eu próprio que dirigira os trabalhos da sessão e a Dra Natália Guedes, a primeira Presidente do IPPC. Homológa o Ministro da Cultura, à época António Coimbra Martins, se não me engano (IX Governo Constitucional).









terça-feira, 8 de novembro de 2016


O "sagrado" e o "público", entre pedras e latifúndios


Na sequencia dos trágicos incêndios florestais do último Verão, quando se discutiam as causas de tamanha calamidade, vinha sempre à baila o estado de abandono dos campos e a necessidade de se encontrarem soluções legais que permitissem uma maior intervenção pública para responder à raiz do problema mas (e lá vinha sempre a adversativa até de personalidades aparentemente mais à esquerda) sem pôr em causa o “direito sagrado da propriedade” (sic.). Foi por isso com algum espanto que ouvi recentemente num interessante programa de televisão  (http://www.rtp.pt/play/p2888/reforma-agraria) o depoimento de um antigo latifundiário, conhecida figura de direita  mas por quem tenho alguma consideração intelectual (http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/05/para-historia-do-cromeleque-do-xerez-o.html), afirmar com (aparente) convicção que “o único direito sagrado é à vida, o resto é tudo espontâneo”. 

E de facto, apetece-me acrescentar, não só não é coisa sagrada, como pouca coisa será afinal tão devassa como o grande latifúndio alentejano... Com origens quase sempre “incógnitas” ou no mínimo duvidosas, sustentado com o sangue, suor e lágrimas de gerações e gerações de proletários que, momentaneamente, o ousaram “expropriar” numa apertada mas libertadora curva da História; devolvido na contracurva imediata aos antigos donos,  acompanhado de “indemnizações chorudas” (pagas por todos nós) por "perdas e danos morais"; logo revendido aos novos capitalistas emergentes e oferecido qual meretriz, como garantia de generosos empréstimos mal parados, por conta de especulativos e absurdos empreendimentos turístico-imobiliários, para finalmente ajudarem à crise da banca que, mais uma vez, todos nós pagamos e aguentamos (ai aguentamos, aguentamos...).

Afinal face a este “direito sagrado” de uns poucos, onde para o “direito público” ao património supostamente de todos e que o próprio Estado qualifica de Nacional? Como explicar aos leigos quando, como arqueólogos, somos questionados sobre o estado de abandono do Cromeleque dos Almendres, um dos primeiros monumentos "públicos" do nosso território com mais de 5 000 anos ou sobre a degradação e eminente colapso da Anta Grande do Zambujeiro, verdadeira catedral do Megalitismo Ibérico, só para falarmos dos casos mais à vista?

Em tempos revisitei, do ponto de vista da memória e do registo histórico, esta problemática no âmbito de uma reflexão sobre a Arqueologia e a Reforma Agrária.  Actualmente, como membro de uma pequeníssima comunidade, Guadalupe, que também viveu através dos seus membros mais idosos, aquela libertadora mas utópica" curva da estrada", busco soluções concretas que sem "beliscar" o tal "sagrado direito" (que afinal não é tão sagrado como isso...) permitam uma qualquer forma de salvaguarda de um património que, objectivamente, se encontra abandonado e votado à sua sorte. Oportunamente aqui divulgarei as propostas avançadas pela Junta de Freguesia e as (não) respostas obtidas.

https://www.academia.edu/6072556/Arqueologia_e_reforma_agraria


"Ministro da Cultura assume salvaguarda de Monumento Nacional após "acidente" com Menires  com 7 000 anos? Esperamos sinceramente que não seja necessário chegar a este ponto...







sexta-feira, 4 de novembro de 2016

JORNADA CULTURAL NA TOUREGA (2)


Cumprindo os objectivos preconizados, chamando a atenção da população local para a importância do sítio, decorreu no passado dia 1 de Novembro a Jornada Cultural na Tourega. Nela participaram algumas dezenas de "vizinhos", trazendo alguma animação a um sítio hoje esquecido e quase abandonado mas que, como tantos outros nos arredores das cidades e vilas do Alentejo, era regularmente procurado por razões religiosas, culturais e até sociais ou económicas. Temos consciência de que, face ao progressivo despovoamento do interior, cada vez será mais difícil  evitar o abandono e ruína destes locais, muitos dos quais são já hoje pura "arqueologia". Mas não deixa de ser reconfortante ver congregar esforços, por vezes com motivações diferentes é certo, que prolongam um pouco mais a vida destes sítios: as senhoras da vizinha aldeia de São Brás que na véspera procederam a uma limpeza geral da Igreja (como esta já não via há muito) mas que lamentaram o facto do altar (retábulo) não estar "douradinho como novo" como esperavam, face aos trabalhos de conservação em curso e de que ouviram falar... Os funcionários da Junta que cortando as ervas da villa romana, recordaram a sua participação (há mais de 20 anos) nas escavações de Luisa Ferrer Dias, Catarina Viegas e Inês Vaz Pinto...Os membros do Coro Eborae Musica que apesar de residirem em Évora,  a pouco mais de uma légua, desconheciam este sítio etc...

Para memória futura desta jornada, aqui ficam algumas imagens em jeito de reportagem, que agradeço ao meu colega e amigo Panagiotis Sarantopoulos (o grego mais alentejano que conheço) que também colaborou nesta jornada, acompanhando aqueles que aproveitaram para "descobrir" as ruínas romanas da Tourega.

Uma "ocupação" especial.

Um ensaio improvisado (à porta do cemitério) enquanto decorria a missa


Desta vez não era preciso pedir a chave ao sr. "Charuto"

A missa de "Todos-os-Santos"


O sr. "Charuto", o antigo funcionário da Junta hoje reformado, que habitando no local com a restante família, tem obstado que a degradação seja maior.


Algumas palavras antes do Concerto


O Concerto propriamente dito, já ao lusco-fusco da tarde