terça-feira, 8 de novembro de 2016


O "sagrado" e o "público", entre pedras e latifúndios


Na sequencia dos trágicos incêndios florestais do último Verão, quando se discutiam as causas de tamanha calamidade, vinha sempre à baila o estado de abandono dos campos e a necessidade de se encontrarem soluções legais que permitissem uma maior intervenção pública para responder à raiz do problema mas (e lá vinha sempre a adversativa até de personalidades aparentemente mais à esquerda) sem pôr em causa o “direito sagrado da propriedade” (sic.). Foi por isso com algum espanto que ouvi recentemente num interessante programa de televisão  (http://www.rtp.pt/play/p2888/reforma-agraria) o depoimento de um antigo latifundiário, conhecida figura de direita  mas por quem tenho alguma consideração intelectual (http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/05/para-historia-do-cromeleque-do-xerez-o.html), afirmar com (aparente) convicção que “o único direito sagrado é à vida, o resto é tudo espontâneo”. 

E de facto, apetece-me acrescentar, não só não é coisa sagrada, como pouca coisa será afinal tão devassa como o grande latifúndio alentejano... Com origens quase sempre “incógnitas” ou no mínimo duvidosas, sustentado com o sangue, suor e lágrimas de gerações e gerações de proletários que, momentaneamente, o ousaram “expropriar” numa apertada mas libertadora curva da História; devolvido na contracurva imediata aos antigos donos,  acompanhado de “indemnizações chorudas” (pagas por todos nós) por "perdas e danos morais"; logo revendido aos novos capitalistas emergentes e oferecido qual meretriz, como garantia de generosos empréstimos mal parados, por conta de especulativos e absurdos empreendimentos turístico-imobiliários, para finalmente ajudarem à crise da banca que, mais uma vez, todos nós pagamos e aguentamos (ai aguentamos, aguentamos...).

Afinal face a este “direito sagrado” de uns poucos, onde para o “direito público” ao património supostamente de todos e que o próprio Estado qualifica de Nacional? Como explicar aos leigos quando, como arqueólogos, somos questionados sobre o estado de abandono do Cromeleque dos Almendres, um dos primeiros monumentos "públicos" do nosso território com mais de 5 000 anos ou sobre a degradação e eminente colapso da Anta Grande do Zambujeiro, verdadeira catedral do Megalitismo Ibérico, só para falarmos dos casos mais à vista?

Em tempos revisitei, do ponto de vista da memória e do registo histórico, esta problemática no âmbito de uma reflexão sobre a Arqueologia e a Reforma Agrária.  Actualmente, como membro de uma pequeníssima comunidade, Guadalupe, que também viveu através dos seus membros mais idosos, aquela libertadora mas utópica" curva da estrada", busco soluções concretas que sem "beliscar" o tal "sagrado direito" (que afinal não é tão sagrado como isso...) permitam uma qualquer forma de salvaguarda de um património que, objectivamente, se encontra abandonado e votado à sua sorte. Oportunamente aqui divulgarei as propostas avançadas pela Junta de Freguesia e as (não) respostas obtidas.

https://www.academia.edu/6072556/Arqueologia_e_reforma_agraria


"Ministro da Cultura assume salvaguarda de Monumento Nacional após "acidente" com Menires  com 7 000 anos? Esperamos sinceramente que não seja necessário chegar a este ponto...







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