terça-feira, 26 de maio de 2015

Pedro Alvim (1970-2015)
 
Pedro Alvim, nas sondagens dos Almendres, em Outubro 2014


Não sou a pessoa mais indicada para fazer o obituário do malogrado arqueólogo Pedro Alvim, a quem há uma semana, um fulminante ataque cardíaco roubou a vida aos 45 anos. Mas, ainda chocado pelo seu abrupto desaparecimento, não posso deixar de aqui registar tão triste evento para a Arqueologia Pré-histórica alentejana. Conheci-o pessoalmente apenas nos últimos 2 ou 3 anos, embora já estivesse familiarizado com o seu trabalho em Arqueologia, graças à excelente documentação escrita e gráfica disponibilizada no desaparecido “site” do Grupo de Estudos do Megalitismo Alentejano (GEMA), de que era um dos principais obreiros. Gostava em particular e a ela recorria quando necessário, da sua tese de mestrado de 2006, “Menires, Paisagem, Paisagens- os Almendres e a Serra de Monfurado” , certamente o trabalho mais completo sobre o Cromeleque dos Almendres e o seu contexto histórico, arqueológico e paisagístico, tema que agora se preparava para desenvolver na tese de doutoramento que iria defender proximamente na Universidade de Durhan com a orientação do Prof. Chris Scarre, um dos maiores especialistas mundiais em megalitismo. Em contrapartida, desconheço totalmente o seu percurso profissional enquanto arquitecto (foi colega de curso da minha amiga Patrícia Bruno, outra arquitecta que se aventurou pela investigação em arqueologia) e ignoro ainda mais a sua veia artístico-musical de que só agora tomei consciência graças a uma referencia da própria. 

O Pedro Alvim, começara a interessar-se há muitos anos pelos Menires do Alentejo Central, no âmbito da colaboração estabelecida com Manuel Calado, depois continuada com Leonor Rocha (que hoje mesmo se lhe refere no Blog “O Estado das Antas 
com quem colaborou em diversos projectos e escavações. Recentemente, com escassos recursos e colaboração de alguns voluntários, iniciara trabalhos “a solo”, nos Menires do Monte do Álamo em Montemor-o-Novo e nos próprios Almendres, certamente já a pensar na tese de doutoramento a realizar em Inglaterra. No Recinto Megalítico dos Almendres, procedera em Outubro do ano passado a algumas sondagens para recolha de amostras de sedimentos que pudessem datar a época da implantação dos menires através de OCL (optically stimulated luminiscense). A escolha dos menires a sondar obedecera entretanto a um trabalho prévio de indagação das circunstâncias que acompanharam não só anteriores trabalhos arqueológicos de Mário Varela Gomes e Leonor de Pina, mas sobretudo, as intervenções não arqueológicas bem mais antigas, conduzidas no sítio das Pedras Talhas, pelo proprietário da Herdade e de que existe ainda uma testemunha viva, o Ti Bento do Monte das Pedras. Sobre este tema da “historiografia do sítio”, um assunto que me interessa particularmente, chegáramos mesmo a acordar preparar em conjunto alguma coisa que assinalasse o cinquentenário da “descoberta arqueológica” dos Almendres (1964-2014). Por todas as razões a oportunidade perdeu-se...
Capa da Tese de Mestrado de Pedro Alvim, inédita

Infelizmente, sem grandes perspectivas profissionais numa área já de si difícil, o Pedro Alvim parecia deixar conduzir-se essencialmente por uma grande paixão e curiosidade por uma matéria que, passando pelo reconhecimento, estudo e entendimento das primeiras formas de "edificação", no limite se cruzava afinal com a sua própria formação de base em arquitectura. Tirando partido das suas especiais competências em matéria de registo tridimensional, com recurso às enormes possibilidades trazidas pela era do digital, o Pedro Alvim vinha procedendo a levantamentos detalhados dos menires que estudava, produzindo imagens e cartografia de nível científico mas de elevada qualidade estética. Pessoalmente, reconhecia no Pedro Alvim a garantia de que o estudo do recinto megalítico dos Almendres (ao contrário do que infelizmente sucede com a Anta Grande do Zambujeiro, ultimamente muito esquecida pela investigação) estava em excelentes mãos e que, a muito breve trecho, teríamos dados inovadores sobre a estrutura do monumento e a sua íntima relação com a paisagem envolvente, que certamente muito enriqueceriam a nossa visão sobre as comunidades que o haviam construído, contribuindo assim para a sua cada vez maior divulgação e salvaguarda. 

Pedro Cura e Pedro Alvim, nos Almendres, na Festa do Solstício de 2014
Aproxima-se mais um Solstício de Verão e  a exemplo do que sucedera o ano passado, a aldeia de Guadalupe iria de novo desafiar o Pedro Alvim para nos acompanhar em mais uma jornada de divulgação do agora monumento nacional dos Almendres, tirando partido da tradição que já começa a formar-se em torno desta celebração (será a 4ª festa megalítica do solstício de verão). Recordo, a propósito, as excelentes reações que me chegaram o ano passado, dos mais variados participantes, que me perguntavam quem era aquele “arqueólogo grisalho” que conduzira de forma simples mas muito expressiva e informada, a visita aos Almendres?  Essa maneira de estar, que quase parecia pedir desculpa por existir, era uma das características que mais me impressionava no Pedro e que é muito rara numa área, em que por vezes se peca por excesso de espalhafato…  Infelizmente, o colega grisalho não nos irá acompanhar, fisicamente, nesta visita. Não deixará, no entanto de estar presente nesta e em muitas outras ocasiões, através dos resultados das suas pesquisas que colegas e amigos não deixarão certamente de trazer a lume, se necessário com o apoio da comunidade local. Pela minha parte, enquanto membro da Assembleia de Freguesia da Tourega e Guadalupe, não deixarei de dar o contributo que tiver ao meu alcance.
Conduzindo a visita ao Cromeleque dos Almendres, na Festa do Solstício de 2014



4 comentários:

  1. Bem hajas, António Carlos, por esta bem sentida e elucidativa evocação. Pesa-nos termos de nos despedirmos assim de quem nos ajudou a viver melhor. Que o seu exemplo frutifique e que não se repitam as circunstâncias que dia a dia cada vez mais nos acicatam e levam a que o coração não resista! Descanse em paz!

    ResponderEliminar
  2. Estou profundamente chocado com esta notícia. O desaparecimento tão precoce do Pedro representa a perda de um grande investigador e, fundamentalmente, de uma grande pessoa. Colaborei com ele há uma década na escavação de um recinto megalítico e, desde aí, ganhei-lhe uma admiração que levarei para sempre comigo. Para lá de ter sido a pessoa mais interessante que alguma vez conheci nos círculos da arqueologia portuguesa, foi também das mais sensíveis. Hoje é um dia muito, muito triste para mim.

    Pedro Duarte

    ResponderEliminar