quinta-feira, 15 de janeiro de 2015


As pontes históricas, as "enteadas" do património
Ponte antiga da estrada de Pavia, sobre a Ribeira do Divor
Algumas estruturas patrimoniais, por razões várias que não dá para aprofundar aqui, parecem ser “mal amadas”, ou pelo menos, acabam olimpicamente ignoradas nos trabalhos de investigação ou mesmo de divulgação patrimonial no campo das artes, da arqueologia ou mesmo da etnografia. É, por exemplo, o caso das “pontes antigas ou históricas”. Raramente parecem interessar aos historiadores de arte em geral ou mesmo aos estudiosos da arquitectura, talvez pelo seu carácter mais especificamente técnico-funcional. Os arqueólogos pouco se debruçam também sobre este tipo de construções, a não ser que, condicionados pelo síndroma do “mais antigo”, julguem que a sua origem possa remontar ao Império Romano… Também não parecem interessar muito à etnografia, talvez porque tal tipo de construção esteja quase sempre num limbo patrimonial, entre o popular e o erudito. Apesar disso, as “pontes antigas”, parecem conseguir suscitar o interesse e curiosidade das comunidades locais que normalmente as conhecem e ainda usam, mesmo que quase sempre mal qualificadas de “pontes romanas”. Talvez por fazerem parte de itinerários que até há poucas décadas eram essenciais à sobrevivência económica e social dessas comunidades, constituindo-se como últimos testemunhos de uma rede viária hoje desaparecida ou engolida pela privatização ou desertificação da própria paisagem. 
Ponte antiga da estrada de Pavia, recuperada no âmbito do projecto do IPPAR "Pontes Históricas do Alentejo"

Em contra mão relativamente a este esquecimento, a antiga Direcção Regional de Évora do IPPAR (hoje Direcção Regional de Cultura do Alentejo) promoveu na década passada, com fundos comunitários, intervenções de conservação em duas dezenas de “Pontes Históricas” do Alentejo. Tão vasta operação, abrangendo estruturas de diversos tipos, desde Nisa , no Norte Alentejano a Santa Clara-a-Velha, já próximo do Algarve,  teve o mérito de chamar a atenção para este património tão esquecido e de, na generalidade dos casos, adiar uma ruína que era então eminente. Infelizmente, em minha opinião, apesar do voluntarismo dos técnicos responsáveis, falhou neste projecto um maior envolvimento com as comunidades locais garantindo, após as intervenções do IPPAR, planos de manutenção que fizessem perdurar no tempo os efeitos positivos do projecto. De facto, e com raras excepções, as pontes intervencionadas, até porque existe muita indefinição quanto ao seu estatuto, independentemente de estarem ou não classificadas, estão de novo ao abandono e a precisar de novas intervenções. Resta como útil testemunho desse importante trabalho, uma brochura sobre as “Pontes Históricas do Alentejo”, da autoria do arqueólogo João Marques, um dos impulsionadores do projecto, e informação específica na partilha dos “itinerários” do actual SITE da DGPC cuja consulta se recomenda.






Vem tudo isto a propósito, porque por amável oferta da Câmara Municipal de Arraiolos, tive acesso ao livro “Património(s) de Arraiolos”, uma edição de 2013 da autoria de Leonor Rocha, Ivo Santos e Gertrudes Branco.  A obra resulta do desenvolvimento de um projecto de “Levantamento Arqueológico e Patrimonial de Arraiolos”,(LAPA-2010-13)  que para além de outros objectivos permitiu aos alunos de Arqueologia da Universidade de Évora, realizarem as suas aulas práticas de campo. Não pretendo aqui fazer qualquer recensão ou análise crítica à obra, não é isso que está em causa, mas tão simplesmente através de um exemplo concreto com que deparei por acaso, demonstrar a tal falta de atenção, no caso por parte dos arqueólogos, às “pontes antigas” a que antes aludi. No capítulo dedicado á freguesia de Arraiolos, é descrita sumariamente a “Ponte sobre a Ribeira do Divor”, terminando a respectiva ficha com a seguinte indicação “Inédita?” (sic). Ora, em 2010, para além da há muito disponível descrição de Túlio Espanca (1975), a ponte tinha tido já sofrido as obras de conservação promovidas pelo IPPAR e constava da brochura das “Pontes Históricas” (2005). Na DRCALEN/IGESPAR decorria entretanto o processo de classificação como Imóvel de Interesse Público, hoje já concluído e no qual consta que a Ponte foi salva in extremis, no final dos anos 80, quando decorriam já obras de construção de uma nova ponte ao lado da antiga, obras que previam o desmantelamento desta. A feliz conjugação de esforços entre a Câmara Municipal e o ainda IPPC, levariam a que a JAE alterasse o projecto, construindo mais tarde uma nova ponte, a jusante, e conservando a antiga.


Ponte Velha da Fragusta, Vimieiro, Arraiolos
Já agora, porque falamos de Pontes Antigas e de Arraiolos, não posso deixar de referir-me a uma outra que, infelizmente também passou despercebida à equipa do LAPA e que, só por si, merecerá oportuna  entrada neste Blog. Trata-se da Ponte Velha da Fragusta, localizada a Norte da vila do Vimieiro sobre a Ribeira de Tera e que é uma das mais interessantes pontes medievais que conheço na região.

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