As pontes históricas, as "enteadas" do património
Ponte antiga da estrada de Pavia, sobre a Ribeira do Divor |
Algumas estruturas patrimoniais, por razões várias que não
dá para aprofundar aqui, parecem ser “mal amadas”, ou pelo menos, acabam
olimpicamente ignoradas nos trabalhos de investigação ou mesmo de divulgação
patrimonial no campo das artes, da arqueologia ou mesmo da etnografia. É, por
exemplo, o caso das “pontes antigas ou históricas”. Raramente parecem interessar aos historiadores de arte em
geral ou mesmo aos estudiosos da arquitectura, talvez pelo seu carácter mais
especificamente técnico-funcional. Os arqueólogos pouco se debruçam também
sobre este tipo de construções, a não ser que, condicionados pelo síndroma do
“mais antigo”, julguem que a sua origem possa remontar ao Império Romano… Também
não parecem interessar muito à etnografia, talvez porque tal tipo de construção
esteja quase sempre num limbo patrimonial, entre o popular e o erudito. Apesar disso, as
“pontes antigas”, parecem conseguir suscitar o interesse e curiosidade das
comunidades locais que normalmente as conhecem e ainda usam, mesmo que quase
sempre mal qualificadas de “pontes romanas”. Talvez por fazerem parte de
itinerários que até há poucas décadas eram essenciais à sobrevivência económica
e social dessas comunidades, constituindo-se como últimos testemunhos de uma
rede viária hoje desaparecida ou engolida pela privatização ou desertificação
da própria paisagem.
Ponte antiga da estrada de Pavia, recuperada no âmbito do projecto do IPPAR "Pontes Históricas do Alentejo" |
Em contra mão relativamente a este esquecimento, a antiga
Direcção Regional de Évora do IPPAR (hoje Direcção Regional de Cultura do
Alentejo) promoveu na década passada, com fundos comunitários, intervenções de
conservação em duas dezenas de “Pontes Históricas” do Alentejo. Tão vasta
operação, abrangendo estruturas de diversos tipos, desde Nisa , no Norte
Alentejano a Santa Clara-a-Velha, já próximo do Algarve, teve o mérito de chamar a atenção para este
património tão esquecido e de, na generalidade dos casos, adiar uma ruína que era
então eminente. Infelizmente, em minha opinião, apesar do voluntarismo dos
técnicos responsáveis, falhou neste projecto um maior envolvimento com as comunidades
locais garantindo, após as intervenções do IPPAR, planos de manutenção que
fizessem perdurar no tempo os efeitos positivos do projecto. De facto, e com
raras excepções, as pontes intervencionadas, até porque existe muita
indefinição quanto ao seu estatuto, independentemente de estarem ou
não classificadas, estão de novo ao abandono e a precisar de novas intervenções.
Resta como útil testemunho desse importante trabalho, uma brochura sobre as
“Pontes Históricas do Alentejo”, da autoria do arqueólogo João Marques, um dos
impulsionadores do projecto, e informação específica na partilha dos “itinerários”
do actual SITE da DGPC cuja consulta se recomenda.
Vem tudo isto a propósito, porque por amável oferta da
Câmara Municipal de Arraiolos, tive acesso ao livro “Património(s) de Arraiolos”,
uma edição de 2013 da autoria de Leonor Rocha, Ivo Santos e Gertrudes
Branco. A obra resulta do
desenvolvimento de um projecto de “Levantamento Arqueológico e Patrimonial de
Arraiolos”,(LAPA-2010-13) que para além
de outros objectivos permitiu aos alunos de Arqueologia da Universidade de
Évora, realizarem as suas aulas práticas de campo. Não pretendo aqui fazer
qualquer recensão ou análise crítica à obra, não é isso que está em causa, mas
tão simplesmente através de um exemplo concreto com que deparei por acaso,
demonstrar a tal falta de atenção, no caso por parte dos arqueólogos, às “pontes antigas” a que antes aludi. No
capítulo dedicado á freguesia de Arraiolos, é descrita sumariamente a “Ponte
sobre a Ribeira do Divor”, terminando a respectiva ficha com a seguinte
indicação “Inédita?” (sic). Ora, em
2010, para além da há muito disponível descrição de Túlio Espanca (1975), a ponte tinha tido já sofrido as obras
de conservação promovidas pelo IPPAR e constava da brochura das “Pontes
Históricas” (2005). Na DRCALEN/IGESPAR decorria entretanto o processo de
classificação como Imóvel de Interesse Público, hoje já concluído e no qual
consta que a Ponte foi salva in extremis,
no final dos anos 80, quando decorriam já obras de construção de uma nova ponte
ao lado da antiga, obras que previam o desmantelamento desta. A feliz conjugação de
esforços entre a Câmara Municipal e o ainda IPPC, levariam a que a JAE
alterasse o projecto, construindo mais tarde uma nova ponte, a jusante, e
conservando a antiga.
Ponte Velha da Fragusta, Vimieiro, Arraiolos |
Já agora, porque falamos de Pontes Antigas e de Arraiolos,
não posso deixar de referir-me a uma outra que, infelizmente também passou
despercebida à equipa do LAPA e que, só por si, merecerá oportuna entrada neste Blog. Trata-se da Ponte Velha da
Fragusta, localizada a Norte da vila do Vimieiro sobre a Ribeira de Tera e que
é uma das mais interessantes pontes medievais que conheço na região.
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