Ainda a Gruta do Escoural,
a propósito de recente artigo da National Geographic
A edição de Janeiro de 2015 da prestigiada NATIONAL
GEOGRAPHIC, disponibiliza um interessante artigo de divulgação sobre a Arte
Rupestre Paleolítica, altamente valorizado pela sua componente fotográfica como
é tradicional nesta centenária revista. A edição portuguesa (ao contrário da
americana) trás mesmo este tema para a sua capa, ilustrada com uma magnífica
foto dos célebres bisontes de Altamira, a gruta cantábrica que no final do Século
XIX, após violentas polémicas, acabou por ser determinante para a aceitação da existência
da própria “Arte Paleolítica”. O artigo vem documentado com um mapa da Europa,
onde se localizam alguns dos exemplos mais conhecidos de sítios rupestres
paleolíticos. Não tive acesso ao artigo original mas é possível e
aceitável que na sua tradução e adaptação à edição nacional, se tenham acrescentado
algumas referências ao território português, tanto no texto como no referido
mapa, onde de facto aparecem localizados o Vale do Côa e a Gruta do Escoural.
National Geographic, Janeiro 2015 (ed. portuguesa) |
Este mapa trouxe-me à memória o meu primeiro manual de arte rupestre, adquirido
no ano em que ingressei na Faculdade de Letras (1970), na então nova Livraria
Ler (Campo d’Ourique, das poucas que ainda vão resistindo em Lisboa).
Tratava-se do livro “L’Art Paleolithique”, de Peter J.Ucko e Andrée Rosenfeld, na
edição francesa da Hachete, publicado simultaneamente em Inglaterra e França, no final do ano de
1966.
O que ainda hoje me parece extraordinário é que, nesta obra se fazia já referência à Gruta
do Escoural que havia sido descoberta em 1963, mas cuja componente rupestre só
se confirmara em 1965. Para compreender esta circunstância, que colocava então esta Gruta portuguesa em destaque, é preciso recordar que após a resolução
da questão da autenticidade e do estabelecimento dos primeiros quadros
cronológicos, os arqueólogos se começavam a interessar-se pelo reconhecimento
da distribuição geográfica da Arte Paleolítica. No início dos anos 60, ainda dominava uma visão
confinada à Europa Ocidental (França e
Espanha) e centrada em 3 núcleos principais: Périgord, Pirinéus e Montes
Cantábricos. É certo que já então se conheciam excepções, mas eram assumidas
como tal ou, nalguns casos, era mesmo posta em dúvida a sua cronologia paleolítica. É
neste contexto que a descoberta do Escoural terá ganho especial importância.
O mapa publicado em 1966 na obra de P.Ucko e A. Rosenfeld. A Gruta do Escoural, a mais Ocidental da Europa com arte rupestre paleolítica, aparece referenciada com o nº1. |
Como se sabe, Farinha dos Santos, apesar de ter observado as primeiras pinturas
no Outono de 1963, alguns meses após a descoberta da Gruta, hesitou algum tempo
quanto à sua natureza e cronologia. No entanto, com o apoio de Manuel Heleno,o todo poderoso director do Museu Etnológico de Belém (hoje Museu Nacional de Arqueologia), publicou na respectiva revista um primeiro artigo sobre a
arte rupestre do Escoural em meados de 1964, defendendo a sua origem
paleolítica. Por várias razões, as conclusões não foram bem acolhidas entre os arqueólogos
portugueses e, na dúvida, foi decidido solicitar apoio estrangeiro. Graças à
intermediação do industrial de origem francesa, Maxime Vaultier, verdadeiro
mecenas da arqueologia da época, e ao apoio da Gulbenkian, foi possível trazer
a Portugal em Janeiro de 1965, o padre André Glory, um discípulo do Padre
Breuil, que se encontrava então a estudar a Gruta de Lascaux e um dos maiores
especialistas de arte rupestre na sua época. Glory esteve dois dias em trabalho
no Escoural e, na mesma viagem, viria a realizar várias conferências em Lisboa, sobre arte rupestre e pré-história, nomeadamente na Associação dos Arqueólogos Portugueses, na Sociedade de
Geografia, no Liceu Charles Lepierre, na Faculdade de Letras e até na Fundação
Gulbenkian, onde após o reconhecimento que fizera no Escoural, dissertou mesmo
sobre “Lascaux e o Escoural”.
Glory na Gruta do Escoural, em Janeiro de 1965 |
Com base
nos dados que recolheu, poucos meses depois, Glory apresentaria uma comunicação
sobre a Gruta do Escoural na prestigiada Société Préhistorique Française, que
seria publicada no respectivo Boletim em Janeiro de 1966. A tempo, certamente,
de Peter Ucko e A. Rosenfeld, incluírem na sua obra editada no final desse mesmo
ano, este novo achado, que pela sua localização geográfica, vinha pôr em causa
essa visão demasiado regionalista da Arte Paleolítica e que hoje está de facto completamente
ultrapassada. Uma última nota. Andrée Glory comprometera-se a colaborar com
Farinha dos Santos no estudo da Gruta do Escoural, a que deveria regressar no
Outono de 1966, mas desgraçadamente tal nunca viria a acontecer porque viria a
falecer num trágico acidente de automóvel em Julho desse mesmo ano.
Gruta do Escoural- Foto de motivo animalista pintado, publicada em 1966 na obra de P.Ucko e A. Rosenfeld |
O mesmo motivo publicado no artigo de 1966 do Boletim da SPF, em que Glory regista também traços gravados e que interpreta como caprídeo. |
O mesmo motivo em foto recente. |
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