quinta-feira, 29 de janeiro de 2015



O “Alegre” do Ródão





Ao ler no último nº do Jornal de Letras (21 de Janeiro) os depoimentos evocativos do cinquentenário da publicação da “Praça da Canção” de Manuel Alegre, não pude deixar de recordar, a propósito, a minha própria experiência pessoal. Ao contrário da maioria dos entrevistados do JL, ainda não estava na Faculdade em 1965, mas nem por isso estava imune aos efeitos inflamatórios que o aparecimento daqueles poemas, sobretudo nas suas versões musicadas, teve em muitos sectores da sociedade portuguesa. Curiosamente, estando em meados dos anos sessenta a estudar no seminário em Almada (na velha quinta de São Paulo, cenário do "Frei Luís de Sousa, de Garrett), foi através do jovem Padre Francisco Fanhais, (um dos declarantes ao JL) que eu e os meus colegas tomámos contacto com a Trova e demais poemas musicados por Adriano Correia de Oliveira, quer por actuações do próprio Fanhais, já então conhecido pelo lançamento do seu primeiro disco como “Padre cantor” e pela sua actuação no Zip-Zip, quer através da escuta do próprio disco do Adriano, usado frequentemente como tema (pasme-se!) da meditação matinal.

A "Praça da Canção" na contracapa do nº de Março de 1968 do jornal policopiado dos alunos do seminário de Almada ("Dimensão 7") no qual eu assumia o "pomposo" cargo de Editor...

Quando poucos anos depois cheguei à Faculdade de Letras de Lisboa, podia ainda não perceber o conteúdo político dos jornais de parede ou dos comunicados das organizações de todos os matizes políticos imagináveis, mas conhecia de cor as canções do Adriano que aliás tive oportunidade de ver e ouvir numa memorável e atribulada actuação (1971?) nas escadas da Cantina Velha da Cidade Universitária. Era por isso inevitável que, “transferido” para Vila Velha de Ródão, em 1971/72 com os meus colegas do GEPP no contexto das campanhas de levantamento de arte rupestre do Vale do Tejo, ameaçado de submersão pela construção da Barragem do Fratel, levasse comigo a viola adquirida na escola musical Duarte Costa (ali à Av.João XXI) ainda nos tempos de Almada. Preciso será recordar aos mais novos que nesses tempos fazer arqueologia em Portugal, mesmo num contexto de obra pública, como era o caso, era uma aventura mista de generosidade e loucura, só possível pela juventude física dos intervenientes ou pela juventude mental do eventual patrocinador científico, no caso o Dr. Eduardo da Cunha Serrão, já então perto dos 70 anos! Aboletados, graças aos subsídios da Gulbenkian, na “pensão da velha”, vulgo “Pensão Castelo” ao Porto do Tejo, ignorando os odores indescritíveis da vizinha Celulose do Tejo sem filtros ou outras mariquices ecológicas, depois de dias inteiros de trabalho de campo a que acedíamos por longas caminhadas pela linha da Beira-Baixa, evitando os comboios nos túneis e nas pontes, ocupávamos os tempos livres nocturnos com dois passatempos concorrentes. Tão inconclusivas como acaloradas discussões sobre epistemologia arqueológica lideradas pelo Jorge Pinho Monteiro, pelo Francisco Sande Lemos ou pelo Luis Raposo (imperavam então as perspectivas estruturalistas, bebidas directamente nos originais franceses) e as inevitáveis canções de protesto, que eu animava à viola, basicamente poesia musicada do Manuel Alegre nas múltiplas versões já disponíveis no início dos anos 70: Adriano, Luis Cília, Zeca, Manuel Freire, Fanhais, etc… Excepcionalmente, quando a Helena Afonso, estudante do Conservatório, se nos juntava no Ródão, havia ainda lugar a algumas variações líricas, ou até a canções revolucionárias espanholas do tempo da Guerra Civil - que o Rui Parreira dominava com o seu castelhano impecável- quando se tinha audiência apropriada, como foi o caso das estudantes madrilenas que, por várias ocasiões, com a já então assistente universitária Maria Querol, vieram reforçar a mão de obra "científica" rodense. Não estranhem pois os amigos comuns que por acaso ouçam o Vítor Serrão, sempre que nos cruzamos, chamar-me por “Alegre”, a alcunha com que me brindou no Ródão e que até hoje não esqueceu. 
 Sessão evocativa do quadragésimo aniversário da descoberta da Arte Rupestre do Vale do Tejo, promovida pela Câmara Municipal de Vila Velha de Ródão, em Outubro de 2011

O "Alegre" em plena actuação na Pensão Castelo
O Vitor Serrão, pai da alcunha, afinal também dava uns "toques"...



António Carlos Silva e Maribel, no Ródão, em Dezembro de 1973. Maria Isabel Navarrete era na altura estudante na Univ.Complutense de Madrid, aluna de Maria Querol. Hoje é investigadora titular do CSIC (informações e foto do Francisco Sande Lemos, que aqui acrescento a este post, em 2.12.2015)

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