Lucefecit, o vale sagrado do Endovélico
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A Rocha da Mina, margens do Lucefecit |
Por motivos profisionais (é verdade, ainda não estou aposentado...) participei ontem numa reunião na DGPC, promovida pela Câmara Municipal do Alandroal, preparatória da classificação cultural do vale da Ribeira do Lucefecit. Sendo que a iniciativa parte do município, para já está em causa avaliar do hipotético interesse nacional que justifique uma categoria de salvaguarda superior. E, parece óbvio que os valores de ambiente natural, paisagem, cultura material e imaterial que estão em causa, ultrapassam largamente a escala local, facto que os próprios Romanos reconheceram há mais de 2 000 anos, valorizando e integrando no seu panteão, uma importante divindade indígena. Sendo certo que a redescoberta histórica do Endovélico, remonta ao Século XVI, graças ao espirito antiquarista do Duque de Bragança, D.Teodósio I, também é verdade que Leite de Vasconcelos não hesitou, por sábia precaução, em levar para o seu Museu de Belém, no final do século XIX, com o apoio da Casa Real tão ligada à vizinha Vila Viçosa, tudo o que de valioso ainda encontrou no que restava das ruínas da capela de São Miguel da Mota, erguida sobre o antigo santuário romano, pois parecia que localmente, de tão velha tradição já pouca ou nenhuma memória restaria.
Caberia, no entanto, a um escritor nosso contemporâneo, infelizmente desaparecido do nosso convívio, João Aguiar (1943-2010), devolver ao Alandroal, graças a um romance de grande sucesso, "A Voz dos Deuses" (1984), o elo afectivo que perdera com esses tempos. Os arqueólogos, nomeadamente o Manuel Calado, também dariam o seu contributo para esse reencontro e, recentemente, a própria autarquia, envolvida em projectos de colaboração com o Museu Nacional de Arqueologia, onde ainda decorre uma grande exposição sobre as "Religiões da Lusitânia", com um peso significativo a colecção epigráfica recolhida por Leite de Vasconcelos no Alandroal. O projecto de classificação do Vale do Lucefecit está ainda no seu início, mas parte do reconhecimento de que existe uma realidade territorial com fortes raízes identitárias, forjadas e moldadas pelo tempo e que perduram para além das transformações das superestruturas políticas ou religiosas. Para esse reconhecimento, muito contribuíram também as experiencias locais de prospecção arqueológica, já materializadas numa Carta Arqueológica do Alandroal, editada em 1993 por Manuel Calado, revista e ampliada vinte anos depois com a colaboração de Conceição Roque e integrado muitos dados novos, alguns de grande relevancia, já resultantes do gigantesco esforço de investigação promovido na região pelo projecto do Alqueva.
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Carta Arqueológica do Alandroal, 1993 |
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Nova Carta Arqueológica do Alandroal, 2013 |
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João Aguiar em 1993 na Rocha da Mina, Alandroal, numa visita promovida pela Câmara Municipal por ocasião do lançamento da Carta Arqueológica e que tive a sorte de acompanhar no terreno. |
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João Aguiar e Manuel Calado, no Castelinho, Alandroal (1993)
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