À memória da Helena Frade
Numa organização da Sociedade dos Amigos do Museu Francisco
Tavares Proença Júnior, a comemorar o seu centenário, decorre este fim de
semana naquele museu da Beira-baixa, o II Congresso Internacional de
Arqueologia na região de Castelo Branco. Apesar dos sete anos de intervalo
relativamente ao primeiro congresso realizado em Abril de 2008, em que tive
então oportunidade de participar, realça-se a circunstância muito positiva da
concretização em 2010 da publicação das respectivas actas, esperando-se que
também neste campo a tradição possa ser mantida. Um detalhe do programa
anunciado chamou-me particularmente à atenção. No final do primeiro dia de
trabalhos haverá um oportuno e justíssimo acto de homenagem à arqueóloga Helena
Frade, precocemente falecida há cerca de um ano. Oportuno, porque a Helena é
natural da região aí tendo desenvolvido valioso trabalho de investigação cujo
legado deverá interessar antes de mais aos seus conterrâneos. Justo, porque se
existem arqueólogos avessos às luzes da ribalta ou às parangonas, a Helena fez
parte obrigatória desse grupo, merecendo ainda mais que os seus pares não
esqueçam o seu contributo para a valorização de um património que, apesar de
tudo, se não dá sentido, pelo menos dá contexto e sabor às nossas efémeras vidas,
enquanto profissionais que cultivam e apreciam a memória.
Conheci pessoalmente a Helena Frade, em circunstância especial
de que ainda hoje me orgulho, no âmbito do concurso para o preenchimento
efectivo de 6 vagas de arqueólogo, a serem colocados nos três serviços
regionais de arqueologia. O concurso realizou-se em 1985 (pelo menos produziu
efeitos nesse ano) e pela primeira vez desde a criação de serviços públicos no
âmbito do património cultural, se conseguiam preencher lugares do quadro
especificamente destinados a “arqueólogos”, embora a categoria ainda não existisse
como tal. (Foi criada no tempo do IPA e
algum tempo depois extinta no âmbito dos efeitos do PRACE que reduziu todos os
funcionários superiores, com raras excepções, a “técnicos superiores” indiferenciados). Até aí, os
poucos arqueólogos em funções, nomeadamente nalguns museus e no IPPC, ou
estavam ainda em situação provisória (normalmente ao abrigo de “destacamentos”
do ensino) ou tinham-se tornado efectivos por outras vias que não concursais.
No referido concurso de 1985 seriam colocados em Évora o Rui Parreira e a
Susana Correia e em Coimbra, o Artur Côrte-Real e a Helena Frade. Já no caso do
Serviço Regional do Norte, na altura com sede em Braga, a situação seria mais
fluída, com sucessivas substituições, na medida em que os primeiros colocados (Lino
Tavares Dias e Isabel Silva) transitariam para outros lugares, sendo substituídos pelos colegas que lhes
seguiam no ordenamento do concurso (Orlando Sousa, Mário Brito e
Rafael Alfenim, após a saída de Mário Brito para o Museu D.Diogo de Sousa).Duma
maneira geral, todos estes colegas tinham já grande experiencia de trabalho arqueológico
nas mais diversas frentes e a Helena,
não era excepção. Para além da frequência escola prática de São Cucufate (Vidigueira), passagem
obrigatória para os estudantes de Coimbra interessados na Arqueologia, dirigia
já trabalhos de campo com o marido José Carlos Caetano, na necrópole romana da
Lage do Ouro, próximo do Crato, de onde este era natural. Tive por razões circunstanciais,
oportunidade de acompanhar muito de perto a instalação do Serviço Regional de
Arqueologia da Zona Centro enquanto Director do Departamento de Arqueologia do
IPPC. Por dificuldades de nomeação do respectivo Director, ao contrário do que
sucedera com Braga em que o Sande Lemos acumulando a Direcção do Campo
Arqueológico, na prática pôs ao serviço deste a estrutura universitária já
instalada, ou do próprio serviço de Évora, em que Caetano Beirão fora empossado
logo em 1980, o serviço de Coimbra arrancou tardiamente em relação aos
restantes. Para além da quase total ausência de meios e de instalações muito
precárias (originalmente um pequeno andar na Guarda Inglesa, na margem
esquerda do Mondego) quando o José Beleza Moreira, antigo aluno do Professor
Alarcão, foi finalmente empossado, recordo que não tinha ao serviço nem administrativos
nem arqueólogos. Uma das grandes urgências do concurso de 85, visava responder
a essa situação e podemos dizer que o Serviço começaria finalmente a
construir-se com a entrada, primeiro por destacamento desde 1983, da Helena
Frade e do Artur Côrte-Real e de um ou dois administrativos.
Apesar dos meios reduzidos e da vastíssima zona de trabalho (entre o Tejo e o Douro, ainda que muito apoiada na região de Lisboa e Vale do Tejo, pelo próprio Departamento de Arqueologia), o Beleza Moreira e a sua pequena equipa desenvolveriam até final dessa década de 80 um prodigioso trabalho de organização e enquadramento da actividade arqueológica, sem esquecer a investigação própria, como se comprova pelo currículo da Helena, mas também do Artur e do próprio Beleza Moreira. O segredo para tal, para além da qualidade técnica e humana da pequena equipa, realçando aqui por razões compreensíveis, as qualidades da própria Lena, residiu em grande parte no espírito de franca e cordial colaboração que foi possível manter entre a Direcção do Departamento e daquele serviço e sobretudo na capacidade de articulação da equipa coimbrã com a Universidade e as autarquias da região. Desse tempo, gostaria de destacar em particular o envolvimento do Serviço Regional de Arqueologia do Centro, em dois projectos, ambos começados pelo próprio Departamento e depois desenvolvidos de forma exemplar: os trabalhos de conservação e valorização em Idanha-a-Velha, coordenados pelo Artur Corte-Real e as escavações na Torre de Centum Cella dirigidas pela Helena Frade. Para os colegas mais jovens, parecerá estranho este envolvimento directo no terreno, por vezes em acções de grande envergadura, dos arqueólogos-funcionários públicos, que hoje vêm quase só atrás das secretárias ou na melhor das hipóteses, a emitirem “pareceres” em rápidas visitas de campo…Se recordarmos que os meios (técnicos e financeiros) seriam na generalidade dos casos claramente insuficientes, poderá fazer-se uma idéia do que era obrigatório compensar em termos de envolvimento pessoal e cooperação institucional (serviços, autarquias, associações locais, universidades…). E nesse campo, o “pequeno” Serviço Regional de Arqueologia do Centro foi particularmente exemplar. Tenho por acaso na minha frente, uma separata das Actas do II Encontro de Arqueologia Urbana que teve lugar em Braga em 1994, assinada pela Helena e pelo José Carlos Caetano, sobre o “Patio da Inquisição de Coimbra” e que regista os dados de uma das últimas intervenções de emergência daquele serviço, dirigida pela Helena na cidade do Mondego, entre Dezembro de 1989 e Fevereiro de 1990.
Apesar dos meios reduzidos e da vastíssima zona de trabalho (entre o Tejo e o Douro, ainda que muito apoiada na região de Lisboa e Vale do Tejo, pelo próprio Departamento de Arqueologia), o Beleza Moreira e a sua pequena equipa desenvolveriam até final dessa década de 80 um prodigioso trabalho de organização e enquadramento da actividade arqueológica, sem esquecer a investigação própria, como se comprova pelo currículo da Helena, mas também do Artur e do próprio Beleza Moreira. O segredo para tal, para além da qualidade técnica e humana da pequena equipa, realçando aqui por razões compreensíveis, as qualidades da própria Lena, residiu em grande parte no espírito de franca e cordial colaboração que foi possível manter entre a Direcção do Departamento e daquele serviço e sobretudo na capacidade de articulação da equipa coimbrã com a Universidade e as autarquias da região. Desse tempo, gostaria de destacar em particular o envolvimento do Serviço Regional de Arqueologia do Centro, em dois projectos, ambos começados pelo próprio Departamento e depois desenvolvidos de forma exemplar: os trabalhos de conservação e valorização em Idanha-a-Velha, coordenados pelo Artur Corte-Real e as escavações na Torre de Centum Cella dirigidas pela Helena Frade. Para os colegas mais jovens, parecerá estranho este envolvimento directo no terreno, por vezes em acções de grande envergadura, dos arqueólogos-funcionários públicos, que hoje vêm quase só atrás das secretárias ou na melhor das hipóteses, a emitirem “pareceres” em rápidas visitas de campo…Se recordarmos que os meios (técnicos e financeiros) seriam na generalidade dos casos claramente insuficientes, poderá fazer-se uma idéia do que era obrigatório compensar em termos de envolvimento pessoal e cooperação institucional (serviços, autarquias, associações locais, universidades…). E nesse campo, o “pequeno” Serviço Regional de Arqueologia do Centro foi particularmente exemplar. Tenho por acaso na minha frente, uma separata das Actas do II Encontro de Arqueologia Urbana que teve lugar em Braga em 1994, assinada pela Helena e pelo José Carlos Caetano, sobre o “Patio da Inquisição de Coimbra” e que regista os dados de uma das últimas intervenções de emergência daquele serviço, dirigida pela Helena na cidade do Mondego, entre Dezembro de 1989 e Fevereiro de 1990.
Pouco tempo depois
aqueles serviços foram extintos, o José Beleza Moreira aposentou-se e os seus dois
arqueólogos foram integrados na Direcção Regional do IPPC/IPPAR entretanto
criada. Desde 1988, com a minha vinda para Évora que, apesar da amizade
(recordo com saudade uma agradabilíssima estadia, com a minha mulher, na casa de Taveiro, onde residiam
a Lena e o Zé Carlos) que os nossos contactos se foram reduzindo. Mas, de
tempos a tempos, era hábito da Lena ligar-me para o serviço de Évora, para
saber novidades, particularmente em épocas de mudanças e alterações cada vez
mais frequentes e absurdas. E nessa altura era bem visível, sem que no entanto
o manifestasse explicitamente, o seu crescente desencanto com o rumo que as
coisas levavam e o afastamento compulsivo daquilo que ela mais prezava. Ou seja
o contacto com a realidade do património e das pessoas que apenas o trabalho de
campo proporciona. Julgo que a última vez que nos cruzámos pessoalmente terá sido no Crato,
no funeral do José Carlos em 2006. Falámos de novo algumas vezes por telefone,
mas quase sempre em nome da memória porque o presente, claramente, já pouco tinha para lhe oferecer.
Com a devida vénia, transcrevo a nota evocativa divulgada pelo José d'Encarnação, professor da Helena em Coimbra, a quando da notícia do seu falecimento em Junho do ano passado:
Helena
Frade (02-08-1957 / 20-06-2014)
Maria Helena Simões Frade nasceu em Lavacolhos, Fundão, para onde
se realizou o seu funeral, no final da tarde de sábado, dia 21. Licenciou-se em
História, na variante de Arqueologia, em 1979, na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, e nessa mesma escola defendeu, em 2002, a tese de
mestrado em Arqueologia Romana, intitulada Centum
Celas: uma villa romana na Cova da Beira(disponível
em http://hdl.handle.net/10316/9773), que preparara sob orientação do Professor Jorge de Alarcão.
Começou a sua vida profissional no ano lectivo de 1979/1980, como
docente dos ensinos básico e secundário, em escolas de Vila de Rei, Crato e
Anadia, ingressando, em 1983, para o Serviço Regional de Arqueologia da Zona
Centro, funções em que se manteve, nos diversos organismos que se sucederam a
esta estrutura regional da Secretaria de Estado da Cultura.
Fora casada com José Carlos Caetano, também ele precocemente
arrebatado do nosso convívio, e com o qual trabalhara, por exemplo, na Lage do
Ouro (Crato), necrópole romana cuja meticulosa escavação muito contribuiu para
o conhecimento das práticas funerárias na Lusitânia (veja-se, a título de
exemplo, a comunicação «Ritos funerários romanos no Nordeste Alentejano» feita
ao 2º Congresso Peninsular de
História Antiga. Actas (Coimbra,
18-20 de Outubro de 1990), Coimbra, 1993, p. 847-872).
O nome de Helena Frade fica indelevelmente ligado a sítios
arqueológicos onde a sua acção foi deveras marcante: as termas de S. Pedro do
Sul, o anfiteatro de Bobadela, em Oliveira do Hospital («A arquitectura do
anfiteatro romano de Bobadela», Colóquio
Internacional ‘El Anfiteatro en la Hispania Romana’ (Mérida 1992), Mérida, 1994
349-371), Almofala («A Torre de Almofala», Actas
das IV Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses (Lisboa
1990), Lisboa 1991, 353-360)
e Centum Celas («A torre de Centum Cellas (Belmonte): uma villa romana», Conimbriga32/33 1993-1994
87-106).
Integrou também, de 1980 a 1983, a equipa luso-francesa de
arqueólogos que escavou a villa romana de S. Cucufate.
A experiência assim adquirida levou-a, pois, a interessar-se de
modo especial pelos ritos funerários romanos e pela problemática das termas,
tendo nesse âmbito preparado (e publicado) comunicações em reuniões científicas
nacionais e internacionais e artigos, porque foi seu timbre dar a conhecer o
que lograra investigar, por exemplo na Informação
Arqueológica, enquanto esse
oportuno órgão existiu. Por isso foi convidada a participar com textos de
síntese acerca dessas temáticas no II volume (O Mundo Luso-Romano) da História
de Portugal publicada, em
1993, por Ediclube (p. 331-340, sobre os ritos, e 350-355, sobre as termas).
Helena Frade pautou o seu modo de estar na vida – nomeadamente na
profissional – pelo rigor, pela frontalidade, pela vontade de contribuir para a
melhoria das pessoas e das instituições. Nem sempre terá sido compreendida,
sabemo-lo os que de perto a acompanhámos; mas sabemos quanto era lídima a sua
intenção. A saúde não a ajudou; a morte prematura de seu grande companheiro de
lide, a 25-01-2006, determinou muito a sua atitude. Fica-nos, pois, a saudade
de uma lutadora por ideais; de uma Amiga; de uma arqueóloga competente e
cumpridora.
Para complemento destes dados sobre a Helena Frade aqui transcrevo o extracto da Acta da Reunião da Câmara Municipal do Fundão, de 13/3/2015, que aprova a aceitação de acervo bibliográfico para o Museu Arqueológico Municipal:
Doação de acervo bibliográfico – Maria Helena Simões Frade
Foi presente à Câmara uma proposta subscrita pela Senhora Vereadora Alcina
Cerdeira, datada de 4 de março de 2015, e que se transcreve: “Considerando que
compete à Câmara Municipal aceitar doações nos termos do previsto na alínea j)
do n.º 1, do artigo 33º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro; Considerando que
a doação é um contrato pela qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à
custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou
assume uma obrigação em beneficio de outro contraente ao abrigo do disposto no
artigo 940º do Código Civil; Considerando que a família da falecida Dr.ª Maria
Helena Simões Frade mostrou interesse em doar ao Município do Fundão uma relação
de livros pertencentes ao seu acervo bibliográfico, nomeadamente os constantes
na listagem que se junta em anexo à presente proposta; Considerando que a Dr.ª
Maria Helena Simões Frade nasceu em Lavacolhos, Fundão, (02-08-1957 /
20-06-2014), licenciou-se em História, na variante de Arqueologia, em 1979, na
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e nessa mesma escola defendeu,
em 2002, a tese de mestrado em Arqueologia Romana, intitulada Centum Celas: uma
villa romana na Cova da Beira, e que preparara sob orientação do Professor
Jorge de Alarcão; Considerando que a mestre Helena Frade desenvolvia a sua
atividade profissional como arqueóloga da Direção Regional de Cultura do
Centro; Considerando que os objetos a doar se destinam a ser integrados no Museu
Arqueológico Municipal, Proponho, face ao supra exposto e nos termos da alínea
j), do n.º 1, do artigo 33º da Lei n.º 75/2013, 12 de setembro, que a Câmara
Municipal delibere aceitar, para os devidos e legais efeitos, a doação supra
referida, conforme listagem que se junta em anexo à presente proposta e que
dela faz parte integrante.” A Câmara Municipal tomou conhecimento e deliberou,
por unanimidade e em minuta, aprovar a proposta apresentada. (Doação de acervo
bibliográfico – Maria Helena Simões Frade)
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