A propriedade dos bens arqueológicos_ uma questão em aberto
Lidando a Arqueologia com bens (móveis e imóveis) que podem por vezes configurar interesses e valores comerciais elevados, seria de esperar que a problemática relacionada com a sua descoberta, posse e eventual comercialização, estivesse claramente estabelecida para evitar a perda ou ocultação de bens de interesse cultural importantes para toda a comunidade, ou pelo menos, para evitar situações de conflitualidade que, inevitavelmente, acabam na barra dos tribunais. E ultimamente temos tido notícia de alguns casos...
Há duas décadas, numa altura em que se anunciava a intenção de rever a Lei 13/85, a nossa primeira Lei de Bases do Património Cultural que acabaria por ser revista apenas em 2001, publiquei no Diário de Notícias (4 de Maio de 1995) um texto de reflexão sobre esta problemática. Algumas questões então colocadas (como a inconsequência da declaração dos bens arqueológicos como "património nacional") foram posteriormente clarificadas pela Lei 107/2001 de 8 de Setembro, ainda em vigor, a qual passou a reservar essa titularidade para os bens provenientes de "trabalhos arqueológicos" (nº3 do Artº 74). Diga-se, no entanto, que este princípio mantem-se em contradição com o articulado do "Código Civil", um instrumento legal que se sobrepõe hierarquicamente à Lei do Patrimónnio e que no respeitante à regulamentação dos chamados "achados de tesouros" deveria clarificar a situação de excepção dos "achados" em escavações arqueológicas, o que não acontece. A Lei 107/2001, mantendo a obrigatoriedade da notificação de qualquer achado arqueológico, independentemente da propriedade do terreno (um princípio que remonta na nossa tradição legal, pelo menos ao tempo de D.João V) introduziu entre nós o princípio "anglo-saxónico" do direito a uma recompensa (raramente reclamada e ainda menos atribuída) no caso de achados declarados e entregues às autoridades, que possuam valor comercial relevante (nº 2 do Artº 78). Apesar dos progressos legais, pelo menos no domínio dos princípios, a situação dos espólios provenientes da actividade arqueológica de investigação ou prevenção, continua no entanto muito confusa. Os arqueólogos responsáveis pelas escavações, são para todos os efeitos, os fiéis depositários pelos bens arqueológicos recolhidos, mas sabendo-se que na sua maior parte são hoje assalariados ocasionais de "empresas prestadoras de serviços", transferem para estas, informalmente, essa responsabilidade. As empresas tendem, dados os custos associados, a entregarem tão breve quanto possível esses materiais às entidades oficiais que de uma maneira geral têm poucas condições para a sua recepção e conservação nas condições mais adequadas. Por outro lado, a disponibilização para usufruto público ou para investigação de terceiros, uma tarefa prioritária dos Museus, está hoje enredada numa teia de procedimentos burocráticos absurdos que impede a rápida incorporação museológica, mesmo no caso dos bens mais relevantes.
Apesar do tempo decorrido, julgo que como testemunho da evolução verificada neste domínio, se justifica a republicação da crónica de há 20 anos que acabou por não integrar a compilação editada pela Europa-América em 1996 (Raposo e Silva, A Linguagem das Coisas_ Ensaios e Crónicas de Arqueologia).
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