segunda-feira, 16 de março de 2015

Na pedreira do Galinha


À primeira vista parece haver um grande paralelismo entre os movimentos de salvaguarda da jazida de pegadas de dinossáurios da Pedreira do Galinha e o movimento para o salvamento da arte rupestre do Côa, celebrizado pelo slogan “as gravuras não sabem nadar”. De facto aconteceram ambos em 1994 e os dois movimentos acabaram por ter interferências com a campanha eleitoral que culminaria com a vitória eleitoral do Engenheiro Guterres em 1995. Este comprometera-se, e cumpriu em ambos os casos, a encontrar soluções que viabilizassem a protecção daqueles bens, caso se confirmasse a sua importância excepcional. No entanto, ficaria mal aos arqueólogos não reconhecerem o papel percursor da geologia e em particular do Professor Galopim de Carvalho, que em 1992 dera a cara pelo salvamento da jazida dos trilhos de dinossáurios de Pego Longo, Carenque, ameaçada pela construção da CREL , movimento que de facto abriu o caminho para o sucesso nos casos da arte rupestre do Côa ou das pegadas de dinossáurios da Serra d’Aire.

Apesar de natural de uma aldeia próxima do Bairro, o lugar onde se localiza a Pedreira do Galinha, só muito recentemente, mais de vinte anos após a descoberta, se me proporcionou a visita. E de facto, o local mais pelo contexto paisagístico, do que pelas “pegadas” em si, pelo menos nas circunstâncias actuais, é impressionante e justifica a deslocação. O sítio está bem sinalizado, as condições de acesso e recepção estão operacionais e minimamente cuidadas, mas foi-me fácil compreender as reservas e alertas que já sentira ao ter lido há algum tempo o testemunho de Galopim de Carvalho no seu livro “Fora de Portas-Memórias e Reflexões” já datado de 2008. Dizia ele então, após o enunciar detalhado das componentes do projecto de musealização da jazida, a maioria das quais por concretizar ainda hoje: “ O mais procurado dos monumentos naturais portugueses que sem qualquer apoio publicitário, conta cerca de 50 000 visitantes por ano, está já a evidenciar aspectos preocupantes de abandono, decorrentes das restrições próprias do período que estamos a viver.” De então para cá, é óbvio até para o visitante menos atento, que pouco ou nada se investiu na manutenção, e muito menos na instalação dos equipamentos ou nas melhorias previstas, nomeadamente no âmbito do reforço visual dos trilhos. Infelizmente, esta é uma situação que também conhecemos bem do património cultural, onde nos últimos anos, os cada vez mais reduzidos meios financeiros disponíveis foram inteiramente canalizados para garantir o financiamento europeu de uns poucos grandes ou médios projectos, com quase absoluto mas inevitável descuramento de tudo o que é manutenção ou gestão corrente, em particular no que respeita aos recursos humanos. E no caso da Pedreira da Galinha, como dizia Galopim de Carvalho, todas as condições estavam reunidas para que o local atraísse multidões: óptima localização, facilidade de acesso, grandiosidade paisagística, e até, a monumentalidade dos “trilhos” se devidamente musealizados.

Até pela monumentalidade do grande anfiteatro criado pela antiga pedreira bem como pelo panorama que se desfruta, vale a pena a visita.


Não foi pois fácil convencer os familiares, que também aproveitei para rever na minha vizinha aldeia, da bondade do grande investimento publico ali realizado pelo Estado há vinte anos, em grande parte na indemnização aos concessionários da pedreira, pessoas que eles conheciam de sempre. De facto, de repente fez-se-me luz e veio-me à memória a expressão que ouvira dezenas de vezes em criança, quando os meus pais me entregavam ao cuidado do revisor da carreira dos Claras (a empresa de transportes públicos de Torres Novas) na paragem que havia em Sacavém à porta da antiga Fábrica da Louça, e que fazia a ligação entre Lisboa e a Sertã, para ir passar férias em casa da minha avó. "O menino é para sair no Galinha!" É que a paragem mais próxima da minha aldeia, à qual depois se acedia a pé ou de burro, era no "Galinha" do lugar Nicho, uma pequena venda da beira da estrada, propriedade dos mesmos Galinhas que anos mais tarde, convertidos à indústria da britagem na Serra, poriam a descoberto os trilhos de dinossáurios de há 175 milhões de anos.

Ao longo do percurso, bem sinalizado, está disponível informação adequada que facilita a visita sem necessidade de guia.
No meu caso a hora tardia da visita facilitou a observação dos principais trilhos. Em horas diferentes a observação poderá ser menos interessante. A solução proposta pelo Prof.Galopim de Carvalho ("pintura das pegadas")e nunca aplicada, como muitas outras propostas, poderá ter um efeito espectacular mas deverá ser eventualmente avaliada em todas as consequencias...A cima de tudo deverá ser uma solução inóqua para a pedra e reversível".

O que resta da antiga garagem dos "Claras" em Torres Novas, onde passava a carreira para a Sertã que me deixava na venda do Galinha, localizada no Nicho...às Terras Pretas.


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