Relembrando os contributos da "Arqueologia" para a instalação do Laboratório de C14 em Portugal
Como é meu hábito, não deixo de estar atento às montras da centenária Livraria Nazareth à Praça do Giraldo (fundada ainda no Século XIX e na posse da mesma família há mais de um século), junto à qual passo obrigatoriamente para chegar ao meu serviço na vizinha Rua de Burgos. Se na montra principal se expõem as últimas novidades, nas laterais é habitual uma apresentação mais temática, muitas vezes claramente orientada para os alunos universitários que sobem a Rua 5 de Outubro, a caminho da Universidade de Évora. É nesse contexto que, entre outras edições especializadas editadas pelo Instituto Superior Técnico, reparei recentemente no livro de João Peixoto Cabral, "A radioactividade: contributos para a História da Arte". Editado e apresentado publicamente em Maio de 2011, conforme rapidamente descobri graças à INTERNET, por José Veiga Simão (colega de curso do autor e antigo Ministro da Educação no Marcelismo) e por João Zilhão, (antigo Director do extinto Instituto Português de Arqueologia), a obra passou-me despercebida na altura e daí a minha curiosidade. Transcrevo mais a baixo, para eventuais interessados, a respectiva sinopse, se bem que não seja esse o motivo principal desta nova mensagem. De facto o nome de João Peixoto Cabral evoca-me boas recordações do espírito de missão, sem reservas de qualquer espécie, com que nos anos 80 procurávamos construir as estruturas da Arqueologia portuguesa, congregando todos os meios e esforços no sentido do progresso qualitativo daquilo em que acreditávamos. É certo que nas reuniões que então mantivémos no Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, onde funcionava o Departamento de Arqueologia do IPPC, a figura engravatada e extremamente formal mas afável do Engenheiro João Peixoto Cabral, destoava claramente quer pela idade, quer pela apresentação dos colegas "arqueólogos", mas todos estávamos irmanados do mesmo objectivo: criar as condições para que a "revolução do Carbono 14" chegasse finalmente à arqueologia portuguesa. Na altura, o António Monge Soares (químico como Peixoto Cabral e arqueólogo da "nossa escola"), andaria já às voltas, entre Oxford e Lisboa, com o seu Doutoramento no tema, havendo pois o " know-how" necessário. Mas havia que adaptar instalações no LNETI e adquirir o equipamento. Conforme Peixoto Cabral e Monge Soares registam em artigo publicado em 1984 na Informação Arqueológica 4, em 1983 fora finalmente obtida a luz verde da Direcção do LNETI (que até aí não vira grande interesse prático no projecto...) mas os meios orçamentais disponíveis apenas chegavam para as obras de adaptação de instalações a usar. Aí conjugou-se o interesse da Arqueologia, tendo sido possível ao Departamento de Arqueologia e ao MNAE contribuirem com 2000 e 1800 contos respectivamente (retirados dos seus planos de actividades) para a aquisição de equipamentos a que somaria ainda um apoio da Agência Internacional da Energia Atómica de 4 300 contos (no total estamos a falar em cerca de 40 000 €). Tudo se encaminhava pois, de acordo com o artigo citado, para que em 1985 fosse possível dar início a um programa de datações que, nos termos de um Protocolo então assinado entre o IPPC e o LNETI, contaria com o apoio financeiro da Arqueologia, que pagaria as datações ao laboratório sob proposta dos próprios arqueólogos. Tudo parecia estar tão bem encaminhado que nesse mesmo artigo Peixoto cabral e Monge Soares, divulgavam já os princípios e regras que os arqueólogos teriam de seguir para que as amostras a datar fossem validadas. Infelizmente, como recordei graças a novo artigo da mesma dupla publicado um ano depois na Informação Arqueológica 7, os inevitáveis atrasos nas obras à portuguesa, fizeram cair por terra aquela previsão, estimando-se então como data previsível para o arranque das primeiras datações no LNETI o 1º trimestre de 1986. Não recordo se essa data se confirmou, mas como é do conhecimento geral, o Laboratóriio de C14, instalado graças ao dinamismo de João Peixoto Cabral e à persistência e conhecimento técnico de António Monge Soares, acabou por ser uma realidade e começar a produzir datações, graças também aos apoios iniciais da própria Arqueologia. Mas essa é uma história atribulada que certamente um dia o António contará com mais propriedade, até porque imagino que a presente situação não será a mais famosa, depois do vendaval dos "PRACE e quejandos" que varreu a Administração Pública nos últimos anos. (O Eng.João Peixoto Cabral, que além de Professor Catedrático no IST chegou a dirigir o Instituto de Conservação e Restauro José de Figueiredo, entre 1992 e 93, aposentou-se em 1998. O Eng. António Monge Soares, por sua vez, ainda que continue felizmente muito activo no apoio à Arqueologia, aposentou-se também muito recentemente.)
Foto dos equipamentos de C14 já instalados no LNETI, que ilustrava o artigo de JPCabral e AMSoares, na Informação Arqueológica nº7 (1986) |
Este livro trata um
aspecto particular da Física Nuclear – a radioactividade – na perspectiva da
sua utilidade na datação de objectos com interesse histórico. A análise do
índice revela bem o cunho que o autor quis dar à sua obra. João Peixoto Cabral
é profundo conhecedor das aplicações de técnicas de decaimento radioactivo em
história de arte e pertence ao grupo dos pioneiros em Portugal da utilização do
radiocarbono em arqueologia. Logo no início da obra faz uma introdução ao
problema da datação numa perspectiva muito interessante para o utilizador mais
comum da primeira parte do livro que será, com certeza, alguém com suficiente
conhecimento de física-química e de matemática. O texto prossegue depois por
capítulos mais técnicos: a radioactividade natural e artificial, os processos
de decaimento, a interacção da radiação com a matéria e as bases físicas dos
detectores, e a datação absoluta com base na radioactividade. Os assuntos estão
bem encadeados. Seguindo-se a uma primeira parte mais técnica, a segunda parte
do livro trata dos contributos da radioactividade para a história da arte,
incluindo a datação (sobretudo de arte rupestre) e a autenticação de obras de
arte. O livro termina com uma pertinente incursão pelo método de análise de
activação com neutrões em história da arte. Esta segunda parte do livro, pode
ser lida por todos os que se interessem por história da arte, independentemente
dos seus conhecimentos nas áreas da física-química e da matemática. A presente
obra vem preencher uma lacuna que existia no panorama da literatura científica
em língua portuguesa, sendo, também por isso, muito bem-vinda. Em suma, estamos
perante um excelente livro em que o Autor evidencia o seu profundo conhecimento
científico e humanístico. Está também de parabéns a IST-Press por editar textos
com a qualidade científica de "A radioactividade: contributos para a
História da Arte" de João M. Peixoto Cabral, dando-se a feliz coincidência
de o livro ser dado à estampa em 2011, ano em que se celebra o centenário da
descoberta do núcleo atómico por Ernest Rutherford.
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