sexta-feira, 7 de novembro de 2014



O que muda com o novo Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (1)



Escavações no Castro dos Ratinhos (Moura) em 2006
1.       Deixam de estar abrangidos pelo RTA, os estudos de” materiais arqueológicos”. Outros trabalhos não intrusivos, como as “prospecções”, desde que “visem a identificação e registo (…) do património arqueológico”, caem na alçada do Regulamento. (alínea g) do Artº2)

2.       Mantém-se a titularidade da autorização na figura do “arqueólogo”, sendo permitida a codirecção ou a simultaneidade de autorizações, em determinadas condições (Artº 5º). No entanto, e essa é uma das alterações mais significativas do presente RTA, as entidades “contratante” e “enquadrante” das intervenções em causa, passam a responder “solidariamente pela salvaguarda, protecção e conservação sustentadas dos bens imóveis e móveis intervencionados e identificados até à conclusão dos trabalhos e depósito do espólio”.  Definição de entidade contratante, vulgo “promotor”: qualquer pessoa, singular ou colectiva, pública ou privada que promova trabalhos arqueológicos; entidade enquadrante, as chamadas “empresas de arqueologia”: qualquer pessoa singular ou colectiva, responsável pela logística, organização e segurança dos trabalhos arqueológicos;

3.       Mantêm-se as 4 categorias (A,B,C e D) de trabalhos arqueológicos apenas com alguns ajustamentos:  qualquer acção de valorização ou musealização de sítios ou monumentos arqueológicos, independentemente de estes estarem classificados ou não, integra-se na Categoria B; as acções de conservação ou manutenção regular dos sítios ou monumentos, inscrevem-se na Categoria C (arqueologia preventiva);

4.       Quem pode dirigir trabalhos arqueológicos (Artº4)?

O anterior RTA remetia para os critérios de acesso à carreira de arqueólogo na função pública, carreira entretanto extinta como tantas outras…O critério fundamental era o da posse de uma Licenciatura em Arqueologia, associada a prática comprovada de campo. Naturalmente consideravam-se uma série de excepções atendendo à relativa “juventude” das licenciaturas em Arqueologia. O presente RTA, tem em conta  as recentes alterações nos curricula académicos (pós Bolonha/2006) e considera como critério básico académico: a posse de Doutoramento,  Mestrado ou a Licenciatura pré-Bolonha, na área de Arqueologia, associados a experiência comprovada de campo (120 dias); mantém-se a excepção dos Licenciados, em áreas que não a Arqueologia, que já tenham sido anteriormente autorizados a dirigir trabalhos arqueológicos. A novidade importante é a atitude do RTA face às Licenciaturas em Arqueologia, pós Bolonha. Os titulares com este grau académico, desde que apresentem 100 créditos curriculares na Área de Arqueologia, poderão codirigir trabalhos arqueológicos sob orientação de um arqueólogo habilitado mas “exclusivamente em trabalhos de prospecção de carácter não intrusivo e em contexto de formação académica”. Atendendo a tanta “condicionante limitativa” não se entende a abertura desta “fresta de oportunidade” às Licenciaturas “pós-Bolonha” e muito menos a desconsideração errónea que resulta da mesma relativamente à prospecção, uma actividade arqueológica de especial responsabilidade no campo da arqueologia preventiva.

5.       Procedimentos e instrução do pedido, artº6 e 7º (PATA)

Não há alterações significativas embora tenham surgido alguns detalhes burocráticos que poderão complicar os processos. Duma maneira geral mantêm-se os prazos, muito apertados para a concessão das autorizações (15 dias), menos para a aprovação dos Relatórios finais (90 dias). Mantém-se como factor determinante para a concessão da autorização o cumprimento de obrigações relativas a trabalhos anteriores, mas agora alargado (e muito bem) às entidades enquadrantes, ou seja às empresas de arqueologia. As autorizações serão válidas por um ano, a contar da data do “despacho” (e não até final do ano civil a que se reportavam, como acontecia anteriormente).
 Os PATAs continuarão a ser submetidos através do Portal do Arqueólogo, o que é positivo em face do bom desempenho deste novo instrumento, mas com as seguintes novidades burocráticas:
-  serão exigidas declarações das entidades contratante e enquadrante “garantindo a disponibilização dos meios necessários à boa execução dos trabalhos”;
- solicita-se também plano de divulgação pública dos trabalhos arqueológicos junto da comunidade; não tendo a ver com a publicação científica, esta será uma obrigação que carece de melhor explicitação e, em muitos casos de arqueologia preventiva, esta exigência pouco significado terá…
- relatório prévio nos termos do DL 140/2009.Também importa esclarecer, com a prática, este aspecto. A aplicação daquela legislação é obrigatória no caso de intervenções em imóveis classificados. Não sendo estes de natureza arqueológica, a necessidade da abordagem da Arqueologia, poderá e deverá decorrer das conclusões do respectivo “Relatório Prévio” que deverá acompanhar e justificar o PATA. Na caso de intervenções em imóveis arqueológicos classificados, o Relatório Prévio é já ele próprio um "trabalho de arqueologia", ainda que com a colaboração de especialistas em conservação e restauro. Logicamente e tendo em conta a definição de Trabalho Arqueológico do presente RTA, a própria execução do Relatório Prévio carecerá também de um PATA. Um pouco confuso mas nada que não se resolva ou esclareça com tempo.
O que me parece mais complicado é a exigência, das declarações dos “proprietários dos imóveis onde se prevê a realização dos trabalhos arqueológicos cuja autorização é requerida”. Esta exigência não é novidade mas era normalmente suprida por uma “declaração de responsabilidade” do arqueólogo requerente.  Nada é dito neste RTA sobre isso e, para complicar as coisas, surge uma novidade absoluta (nº10 do Artº6º): no caso de terrenos ou bens propriedade do Estado, é exigido o consentimento prévio da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, quando seria mais lógico que essa autorização fosse dada pela entidade a que esse bem está de facto afecto. Face a este RTA, a DGPC ou as próprias Direcções Regionais, não poderão promover  trabalhos de natureza arqueológica nos vários sítios e monumentos, propriedade do Estado que lhe estão afectos sem antes obter o consentimento das Finanças.

O presente RTA tem ainda outros aspectos que merecerão ainda  atenção em posterior entrada (projectos de investigação plurianual, reserva científica, escavação de contextos funerários,destino dos espólios, relatórios etc…). 
Terminamos hoje com uma outra novidade: a transferência da responsabilidade no que respeita à adopção das regras de segurança no trabalho arqueológico (uma premência em muitos trabalhos de campo) do arqueólogo titular da autorização, para as entidades “contratante” e “enquadrante” como aliás acontece em qualquer obra civil.

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