"CROMELEQUE DOS ALMENDRES COM GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL"
- comunicado da CME (Câmara Municipal de Évora ), 16 de Setembro de 2019
Após um ano sem "entradas" neste "blog" (pese embora o mesmo continuar a ser procurado com alguma regularidade, registando em média cerca de 20 visitas diárias) recentes novidades sobre o CROMELEQUE DOS ALMENDRES (ou Pedras Talhas) há muito aguardadas, não podiam deixar de ser assinaladas. Referimo-nos, naturalmente, à assinatura do "Contrato de Comodato" entre a CME e os proprietários da Herdade dos Almendres, finalmente consumada na passada sexta-feira, dia 13 de Setembro de 2019 após sucessivos anúncios que se iam repetindo desde 2018. O evento, ocorrido no próprio monumento e em que apenas participaram o proprietário e filhos, bem como o Presidente da CME e vereador do Pelouro da Cultura, só foi divulgado "a posteriori", ainda que no próprio dia, por um lacónico "post" no FACEBOOK assinado pelo vereador Eduardo Luciano. A primeira reacção de muita gente, incluindo eu próprio, foi de alguma estupefacção pelo facto da população de Guadalupe ou pelo menos algum representante da Junta de Freguesia, não ter sido convidada a testemunhar um acto de grande significado e pelo qual há muito se batia. Troca de mensagens e um telefonema do próprio vereador, explicando as circunstâncias que rodearam o finalizar de delicadas negociações que se arrastavam há longos meses, acabaram, pelo menos no meu caso, por explicar uma
situação que, à partida, tinha todas as condições para se considerar no mínimo polémica.
Recordemos alguns factos que antecederam esta data histórica:
1. O interesse arqueológico do Cromeleque dos Almendres (as Pedras Talhas para a população local) foi reconhecido no início dos anos 60 por Henrique Leonor de Pina que aí efectuou os primeiros trabalhos (com o apoio da Junta Distrital de Évora e alguma resistência do agrário proprietário).
2. O sítio foi classificado como Imóvel de Interesse Público em Dezembro de 1974 mas o processo iniciara-se antes do 25 de Abril de 1974. Recentemente (2015) foi reclassificado como Monumento Nacional.
3. Tirando partido da ocupação da Herdade dos Almendres por uma cooperativa agrícola de Guadalupe- no contexto da Reforma Agrária- no início dos anos 80 a CME apoiaria importantes trabalhos de investigação e restauro do Cromeleque dos Almendres (dirigidos pelo arqueólogo Mário Varela Gomes) tendo nessa ocasião sido construído o actual estradão de acesso ao monumento. O monumento passaria a partir dessa altura a ser um importante ponto de interesse turístico regional. (ver a esse propósito: https://pedrastalhas.blogspot.com/2018/07/os-almendres-de-novo-no-publico-1992.html )
4. Após a devolução da Herdade dos Almendres aos antigos proprietários, e tendo falhado uma tentativa de criação a favor do Estado de uma "reserva pública" sobre a área do monumento classificado ( ver: https://pedrastalhas.blogspot.com/2017/10/visita-aos-almendres-recordando-reforma.html ), aqueles não alteraram a situação que encontraram, continuando o Cromeleque a ser visitado livremente. De qualquer modo a Herdade depressa seria colocada à venda (a CME ainda chegou a considerar a hipótese da aquisição, projecto que abandonaria por razões financeiras) não tendo o Estado exercido o "direito de opção" que lhe assistia.
5. Algures, em meados dos anos 90, a Herdade dos Almendres seria adquirida pelos actuais proprietários. A informação que possuo é que as relações com a CME (ainda sob gestão de Abílio Fernandes, CDU) terão sido cordiais, tendo-se verificado então um acordo informal em que, a troco de cedência de uma faixa de terreno para garantir a visita pública ao Menir dos Almendres (também classificado e localizado na proximidade do Monte), a autarquia procedeu ao desvio da estrada de acesso ao Cromeleque que até então atravessava a área residencial do Monte.
6. Durante a primeira década deste século, e coincidindo com a gestão municipal de José Ernesto (PS), a autarquia deixou praticamente de investir no Cromeleque, sob o pretexto (assumido publicamente) de que os proprietários no âmbito de um tão ambicioso como despropositado projecto turístico ("Almendres Resort") entretanto aprovado pelas entidades competentes e pela CME, assumiriam oportunamente um projecto de "valorização turística" do monumento.
7. Felizmente a grande crise financeira acabaria por inviabilizar o projecto do "Almendres Resort" mas, paralelamente, a situação do Cromeleque ir-se-ia degradando ao longo da década, à medida que a sua imagem se tornava cada vez mais conhecida e divulgada. Finalmente, no início de 2012, a Direção Regional de Cultura do Alentejo, após insistente e paciente diálogo, obteve da parte dos proprietários, a autorização para instalar um parque de estacionamento a uma distância segura do monumento. A modelação do terreno para o parque, acompanhada de uma tentativa de recuperação do solo do Cromeleque, foi realizada pelos serviços da CME no último ano de gestão do PS que assim se redimiu "in extremis" de mais de uma década de inacção.
8. A instalação do Parque, afastando as viaturas do monumento, vinha finalmente criar condições para um usufruto turístico mais consentâneo com a mais valia ambiental e paisagista do lugar. A imagem do Cromeleque dos Almendres começa então a aparecer nos grandes meios de divulgação turística nacionais e internacionais e a população local, arrisca mesmo organizar algumas actividades lúdico-culturais, como a Festa do Solstício ou Passeios Pedestres, com o apoio da Junta e da CME. Em breve, porém, o incremento do número de visitantes sem que houvesse um mínimo de condições de salvaguarda, começaria a atrair outros problemas. Alguns sinais de vandalismo, insegurança no estacionamento, rápida degradação do estradão de acesso, começam a ser visíveis. Mas a situação mais grave passa pela forte erosão provocada pelo pisoteio descontrolado de milhares de visitantes.
9. Apesar da evidencia do diagnóstico, as necessárias medidas de salvaguarda não apareciam, pese embora uma cada vez maior consciencialização da população e de várias entidades. Para além da crise financeira que tolhia a acção da CME, existia a forte condicionante do estatuto privado do monumento, impedindo a obtenção de fundos comunitários. Nesse contexto a União de Freguesias de Guadalupe e Tourega, toma a iniciativa no início de 2016 de negociar com o proprietário um contrato de comodato do género do agora assinado, permitindo à Junta assumir a gestão do espaço monumental. Tudo parecia bem encaminhado, mas exigências de última hora envolvendo tomadas de posição relativamene ao projecto do "resort turístico", levaram a Junta a desistir da proposta, passando a "bola" para a Câmara Municipal.
Sobre este processo ver: https://pedrastalhas.blogspot.com/2016/12/almendres-inexplicavel-situacao-do.html
https://pedrastalhas.blogspot.com/2018/07/os-almendres-de-novo-no-publico-1992.html
10. Desconhecemos os contornos e a cronologia no longo processo de negociação então iniciado entre a CME e os proprietários que culminou no presente acordo, cujo texto ainda não foi divulgado. Pelo meio surgiria entretanto uma proposta de um agente privado para instalação (na área urbana de Guadalupe) de um centro de interpretação e apoio turístico à visita dos Almendres, projecto apoiado por fundos comunitários e entretanto concretizado e inaugurado em Junho passado após o habitual calvário processual e burocrático. Neste contexto, aparentemente, vários factores positivos se conjugam para que, ao longo dos próximos anos se possa concretizar um plano de salvaguarda e valorização que confira finalmente ao Cromeleque dos Almendres a importância histórico-arqueológica que de facto detem no contexto do Património Cultural do território português.
11. Se relativamente às equívocas circunstâncias da assinatura do documento, pouco mais se possa adiantar àquilo que acima já ficou dito (ninguém gostou do processo embora se aceitem as explicações de que o mais importante era conseguir concretizar um objectivo que poderia ser prejudicado no último momento por qualquer susceptibilidade inesperada, como aliás já antes acontecera...), já quanto ao conteúdo do mesmo estamos ainda expectantes. Se é verdade que todos os intervenientes pela parte pública estão conscientes das limitações de um simples "acordo de comodato", também é verdade que as opções alternativas eram limitadas. O controlo público inequívoco sobre um monumento desta natureza e importância, teria sido certamente a solução ideal. Mas tal implicaria vontade política do governo no sentido da aquisição do terreno em causa por comum acordo ou expropriação, opção que nunca esteve em cima da mesa. Como se sabe, nos últimos tempos as soluções governamentais em matéria de gestão do património cultural, independentemente da cor política mais rosa ou alaranjada, tem sido sempre no sentido da "venda" e não da "compra" (veja-se o exemplo do programa REVIVE, com um caso bem próximo dos Almendres: o Convento e Cerca da Mitra, em Valverde, a aguardar propostas para a transformação em Hotel de Charme).
12. Em conclusão assistiremos nos próximos anos (assim esperamos) a investimento público na conservação e salvaguarda do monumento para daqui a uns tantos anos (30 ao que consta) os proprietários ou seus descendentes voltarem a assumir o controlo privado sobre o mesmo.
Tal situação, porém, embora possa e deva ser entretanto revertida face a circunstâncias e contextos que certamente serão diversos no futuro, terá de ser sempre tida em conta no próprio modelo de gestão a implementar e que deverão sempre seguir num sentido minimalista, circunstância que, em minha opinião, melhor se adequa à natureza e contexto ambiental do momumento em causa. Mas sobre o modelo de gestão e o plano de salvaguarda dos Almendres, sobre o qual temos reflectido, teremos oportunidade de mais tarde ou mais cedo, nos referirmos neste blog das Pedras Talhas.