Uma oportunidade perdida
O núcleo da memória da Aldeia da Luz: Monte dos Pássaros, cemitério, Museu e Igreja Matriz |
Sempre que passo no Museu da Luz, tenho uma indisfarçável sensação de "oportunidade perdida". Não que isso tenha algo a ver com o Museu ou o modo como tem sido gerido, bem pelo contrário... (até porque considero aquele Museu, para o qual ainda dei algum contributo, como uma das heranças mais interessantes do Alqueva). Mas porque com um pouco mais de visão e de capacidade interventiva da parte do acompanhamento cultural do "projecto Alqueva", esta estrutura poderia ter ajudado a minorar aquela que considero a falha mais grave do Plano Arqueológico do Alqueva (na sua fase "barragem"), que em quase todos os restantes aspectos correu relativamente bem, incluindo a fase de publicação e divulgação de resultados recentemente concluída. Refiro-me em concreto aos problemas de gestão dos numerosos espólios arqueológicos recolhidos, hoje dispersos pelas mais variadas instituições (se não mesmo, nalguns casos ainda à "guarda" dos arqueólogos coordenadores de projectos). Consciente das previsíveis dificuldades neste domínio, bem cedo procurei como responsável geral do Projecto, constituir uma "Reserva Arqueológica do Alqueva", inicialmente integrando os materiais recolhidos no âmbito das prospecções e dos diversos EIAs, mas que verdadeiramente pouco mais representava nos seus primeiros tempos, do que um espaço de armazenamento temporário, dada a total falta de meios humanos que assegurassem o normal funcionamento de uma estrutura deste tipo. Já com as escavações em curso ao longo do Vale do Guadiana, a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, chegar-se-ia "à frente", com a proposta de um Museu Regional de Arqueologia que viesse a absorver os resultados científicos e materiais do grande projecto, propondo-se desde logo assegurar a constituição da respectiva "reserva". Paralelamente a EDIA, no âmbito das contrapartidas pelo "afundamento" da Aldeia da Luz, propunha-se construir um Museu na nova aldeia. Porém, porque se tratava á partida de um museu etnomonográfico e por outro porque os orçamentos eram curtos face às múltiplas exigências de uma população desgastada pela "espera" e acicatada pelos "media", o programa original deste museu nunca foi além dos estreitos limites da "memória da aldeia" (felizmente a sua direção tem sabido ultrapassar o que são as suas limitações de espaço e meios, com actividades que extravasam em muito o âmbito local a que parecia condenado...). Cumulativamente, a Administração da EDIA, algo assustada com a dimensão que os trabalhos arqueológicos haviam assumido, julgo que terão rejubilado com a proposta da Câmara Municipal de Reguengos. De facto, em vez de reagir negativamente a uma proposta que poderia acarretar grandes custos financeiros para o Empreendimento (mas que, de facto seria uma sua responsabilidade), aceitaram de bom grado a iniciativa autárquica, financiando até alguns dos estudos museológicos então promovidos pela Câmara. Mas, tornou-se rapidamente óbvio que a Empresa EDIA não tinha qualquer intenção de se comprometer com o projecto de um grande Museu de Arqueologia remetendo sempre para o "Estado" accionista e concretamente para o Ministério da Cultura, uma qualquer decisão nesse sentido. Para mim, embora já fosse tarde para reverter a situação, tornou-se evidente a certa altura de que a solução ideal, teria passado por um Museu da Luz com outra ambição e naturalmente com outro programa. Mesmo sem imaginarmos uma estrutura muito pesada do ponto de vista técnico ou administrativo (que hoje seria incomportável) poderíamos no entanto imaginar, ao lado da relativamente contida área expositiva e social do actual Museu e tirando partido do próprio terreno, um grande mas simples armazém capaz receber e conservar a grande maioria dos materiais arqueológicos do Alqueva, hoje completamente dispersos. Há no entanto uma feliz excepção àquela dispersão: desde há bastante tempo que o Museu da Luz, tirando partido do espaço anexo do vizinho Monte dos Pássaros, conserva os materiais das escavações realizadas na Freguesia da Luz, incluindo as das escavações no Castelo da Lousa.
Algures em 2002, numa altura em que o Museu da Luz estava já em adiantada construção, tendo consciência de que o projecto da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, na sua concepção original de grande Museu Regional de Arqueologia, estava condenado ao insucesso, ainda tentei junto da administração da EDIA fazer passar uma proposta faseada que me parecia aceitável: num primeiro momento, tirando partido do terreno disponibilizado pela autarquia para a reconstituição do "Cromeleque do Xerez", salvo das águas, sugeria a instalação de um "Centro de Património e Arqueologia de Alqueva", com uma dupla função: enquadrar a visita pública ao monumento reinstalado, ele próprio um símbolo do projecto de salvamento arqueológico e constituir uma área de reserva documental e armazém dos espólios do projecto arqueológico do Alqueva. Se tudo corresse bem e se angariassem futuramente os meios necessários, o Centro poderia mais tarde evoluir para um verdadeiro Museu. Infelizmente, a proposta cairia em saco roto e hoje, até o "Cromeleque" reconstituído parece esquecido e abandonado na baixa de Monsaraz.
O cartaz que anunciava o ambicioso projeto da Câmara Municipal de Reguengos para constituição do "Museu de Arqueologia do Alqueva" |
O Cromeleque do Xerez pouco depois de reinstalado nas proximidades do Convento da Orada (Monsaraz), e que deveria ficar associado ao futuro Museu de Arqueologia do Alqueva |
Em anexo, divulgo um pequeno memorando que reencontrei nos meus "papéis" sugerindo a constituição de um Centro de Património e Arqueologia do Alqueva", como primeira fase para o projeto do Museu...
Mais um post pertinente a juntar aos já numerosos que aqui publicou. Faz todo o sentido.
ResponderEliminarabraço