MIRÓBRIGA E OS AMERICANOS
Há poucas semanas, nas sequência da atribuição do prémio "Mais Património 2017" pela revista Mais Alentejo, registei neste blog, sob o título "Miróbriga, uma jóia esquecida", alguns dados e documentos sobre a gestão e salvaguarda deste sítio romano nos anos 80 e 90 do século passado. ( ver aqui essa entrada ). Por coincidência, ou talvez não, o Gonçalo Pereira, editor da versão portuguesa da "National Geographic", acaba de me enviar um curioso recorte do antigo semanário de Joaquim Letria, "Tal&Qual" (10 de Julho de 1982), com uma reportagem sobre as escavações americanas que à época decorriam em Miróbriga. Estava então em curso a segunda campanha das escavações "luso-americanas", no contexto de um projecto de cooperação que se prolongaria até 1985. A reportagem exagera um pouco o âmbito quer temporal quer físico do projecto mas, sem dúvida, este representou um importante marco no processo de revitalização deste importante sítio arqueológico romano nas duas últimas décadas do século passado, como recorda a arqueóloga Filomena Barata no seu blog "As cidades da Lusitânia" ( que pode ser consultado aqui ) :
"Em 1981, no seguimento de
contactos com arqueólogos americanos, lançou-se um projecto de cooperação
internacional, «The Mirobriga Project», dirigido por arqueólogos das
Universidades de Missouri-Colombia e Arizona e representantes portugueses. No
decurso desse projecto, que se previa quadrianual mas que se prolongou até
1985, foram estudadas em pormenor diversas zonas: «acrópole»/forum, termas,
zona habitacional e hipódromo, que contribuíram para um melhor conhecimento
global deste Sítio Arqueológico. Colaboraram nesse projecto José Olívio Caeiro, como
responsável pela parte portuguesa, e Carlos Tavares da Silva.
Na primeira campanha, a equipa de Missouri concentrou-se
fundamentalmente na zona do forum e do templo, na zona das termas e no
hipódromo. José Olívio Caeiro encarregou-se, por sua vez, da área limítrofe à
capela de S. Brás.
Na segunda e terceira campanhas, os trabalhos continuaram na área do Castelo Velho, tendo-se confirmado a ocupação pré-romana de Miróbriga, nas termas e na zona habitacional. Em 1982 foi feita a primeira planta geral das termas, tendo-se dado início, em 1983, ao levantamento topográfico do sítio, que foi completado em 1984.
Neste último ano, a campanha incidiu ainda no circo, onde foram feitas novas sondagens, e nas termas. São publicados de seguida os resultados, bem como estudos de alguns frescos de Miróbriga (BIERS et alii, 1984: 35-53), tendo sido consolidadas as pinturas murais.
Na segunda e terceira campanhas, os trabalhos continuaram na área do Castelo Velho, tendo-se confirmado a ocupação pré-romana de Miróbriga, nas termas e na zona habitacional. Em 1982 foi feita a primeira planta geral das termas, tendo-se dado início, em 1983, ao levantamento topográfico do sítio, que foi completado em 1984.
Neste último ano, a campanha incidiu ainda no circo, onde foram feitas novas sondagens, e nas termas. São publicados de seguida os resultados, bem como estudos de alguns frescos de Miróbriga (BIERS et alii, 1984: 35-53), tendo sido consolidadas as pinturas murais.
Os resultados preliminares das escavações efectuadas pela equipa luso-americana foram sendo editados anualmente, na revista Muse, e aí se publicaram, em 1981, 1982 e 1983, os únicos estudos parcelares das sondagens feitas no forum, uma vez que os BAR não lhes dedicam senão uma pequena nota (BIERS et alii, 1988: 15).
A equipa luso-americana
perfilha a opinião de que Miróbriga constituiria um aglomerado urbano
importante, habitado desde, pelo menos, a Idade do Bronze, sendo as termas e o
circo partes integrantes de um perímetro urbano ainda não definido em toda a
sua extensão.
O forum da povoação - com as construções que, logicamente, lhe ficariam anexas - teria uma sucessão de ocupações que inclui, para além dos níveis de épocas anteriores, duas fases de construção da época romana, datando a mais antiga do século I. O templo centralizado dataria de meados do século I d. C., tal como a maioria das construções que se desenvolvem a Sul do mesmo - tabernae.
Em 1988 é publicado em Oxford Mirobriga: Investigations at an Iron Age and Roman Site in Southern Portugal by the University of Missouri-Columbia, 1981-1986, onde são sintetizados os trabalhos desenvolvidos e publicados os materiais arqueológicos aí exumados. Como já foi referido, as sondagens do forum não foram, até hoje, pormenorizadamente dadas a conhecer, devido ao facto de entretanto a equipa se ter desmembrado
O forum da povoação - com as construções que, logicamente, lhe ficariam anexas - teria uma sucessão de ocupações que inclui, para além dos níveis de épocas anteriores, duas fases de construção da época romana, datando a mais antiga do século I. O templo centralizado dataria de meados do século I d. C., tal como a maioria das construções que se desenvolvem a Sul do mesmo - tabernae.
Em 1988 é publicado em Oxford Mirobriga: Investigations at an Iron Age and Roman Site in Southern Portugal by the University of Missouri-Columbia, 1981-1986, onde são sintetizados os trabalhos desenvolvidos e publicados os materiais arqueológicos aí exumados. Como já foi referido, as sondagens do forum não foram, até hoje, pormenorizadamente dadas a conhecer, devido ao facto de entretanto a equipa se ter desmembrado
O convite ao arqueólogo David Soren da Universidade de Missouri, Columbia, fora feito em 1980 no decorrer de uma viagem que Caetano Mello Beirão (1923-1991), já designado director do novo Serviço Regional de Arqueologia do Sul, fizera aos Estados Unidos em representação da Secretaria de Estado da Cultura. Penso que também estará relacionada com essa viagem de Beirão, a posterior vinda de Stephanie Malloney, outra arqueóloga americana que a partir de 1983 e praticamente até hoje, se dedicaria ao estudo de outro importante sítio romano do Alentejo: a Villa de Torre de Palma (Monforte). De algum modo, estes projectos representavam, ao tempo, uma inédita abertura da arqueologia nacional, até então muito ligada a França e à Alemanha, à investigação norte-americana. Tal como é referido na reportagem, David Soren, enquanto especialista em Arqueologia Clássica, mantinha outros projectos na Europa, nomeadamente em Chipre, onde escavava as ruínas da cidade de Kourion. Recordo que esse projecto cipriota, em que chegaram a participar alguns jovens arqueólogos portugueses (como a Catarina Viegas, colaboradora nas escavações luso-americanas de Miróbriga e hoje professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ou a Inês Vaz Pinto, actual responsável pelas Ruínas de Tróia, Grândola) teve à época ampla repercussão mediática, nomeadamente nas páginas da National Geographic internacional, devido ao reconhecimento dos efeitos do epicentro de um célebre terramoto que em 21 de Julho de 365 d.C. destruiu aquela cidade. Uma outra curiosidade relacionada com esta cooperação arqueológica Luso-Americana: de acordo com a biografia de David Soren que é possível consultar na Wikipédia, este arqueólogo terá sido também responsável pela reorganização da sala "Miróbriga" do Museu Municipal de Santiago do Cacém, projecto em que teve a cooperação de Henry Lange, um designer americano de origem alemã, com importante obra ligada ao cinema de ficção, nomeadamente 2001, Odisseia do Espaço (1968) ou os 3 primeiros filmes da saga Star Wars (1977-1983)!
Pela parte portuguesa, participaram neste projecto, os arqueólogos do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS) Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, nomes ligados à arqueologia do litoral alentejano desde o início dos anos 70 enquanto colaboradores do "Gabinete da Área de Sines". O Serviço Regional de Arqueologia do Sul estava por sua vez representado por José Olívio Caeiro (1949-2009). José Caeiro, como era conhecido entre os seus pares, era na altura assistente na jovem Universidade de Évora, onde assegurava com Jorge Pinho Monteiro (1950-1982) as cadeiras de História Antiga e Arqueologia. Eram ambos colaboradores muito próximos de Caetano Beirão, tendo apoiado a instalação do Serviço Regional de Arqueologia em Évora, em espaços da própria Universidade (Palácio Vimioso). O desaparecimento precoce de Pinho Monteiro, porém, afunilaria as opções de Beirão (enquanto não foi possível colocar os primeiros arqueólogos no quadro do serviço) estando na origem do excessivo envolvimento de Caeiro nos projectos então em curso. Conforme pude ter conhecimento directo, dadas as minhas funções no Departamento de Arqueologia do IPPC, as relações entre Caetano Beirão e José Caeiro, acabariam por azedar, com acusações recíprocas de incumprimentos vários, nomeadamente no que respeita à não publicação de resultados de muitos dos trabalhos arqueológicos, incluindo a parte nacional de Miróbriga. José Olívio Caeiro afastar-se-ia progressivamente da actividade arqueológica e até da própria universidade (onde não concluira o Doutoramento sobre o povoamento proto-histórico na bacia do Guadiana) regressando ao ensino secundário, onde iniciara a sua carreira profissional como tantos outros arqueólogos.
A última vez que nos encontrámos foi em Évora, nas instalações do INATEL (Palácio Barrocal), por ocasião de uma sua exposição de pintura, actividade a que finalmente se dedicara na sua "Villa Caerius", a casa que à maneira romana construíra nos arredores da Azaruja. Só muito recentemente, após diligências de um amigo comum (o Prof. José d'Encarnação), viemos entretanto a saber que morrera em 2009.
A reportagem do "Tal & Qual" de 10 de Julho de 1982. A foto de José Olívio Caeiro, em grande plano. |
Painel sobre o projecto luso-americano dos anos 80, .(antiga exposição no Centro Interpretativo de Miróbriga) |
Viva António Carlos, tenho um desenvolvimento curioso desta história, encontrado hoje no arquivo da Secretaria de Estado da Cultura no ANTT. Miróbriga acabou por ser uma opção em detrimento de outra disponível. Um abraço!
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