Gordon Childe em Portugal_ e a fábula do "jovem lobo e da raposa matreira"
A propósito de uma exposição documental em exibição na
Biblioteca de Arqueologia da DGPC (Palácio da Ajuda), em que é dado particular
destaque à correspondência trocada entre o conhecido arqueólogo australiano e a arqueóloga alemã radicada muitos anos em Portugal Vera Leisner (cujo arquivo se conserva na referida Biblioteca),ver aqui , o meu amigo Francisco Sande Lemos recordou hoje no Facebook a passagem de Gordon Childe pela Sociedade
Martins Sarmento (e possivelmente pela Citânia de Briteiros), não em 1945 como ele por lapso refere, mas certamente em 1949, a crer no artigo que adiante refiro e que responde parcialmente a algumas questões de FSL.
"V. Gordon Childe
visitou a Sociedade Martins em 1945, assinando o Livro de Honra, como membro do
Institute of Archeology – University of London. Suponho que terá estado noutros
locais de Portugal, mas desconheço se há algum trabalho sobre essa deslocação, logo
no final da guerra, a terras de Oliveira Salazar (ditador entretanto resignado
com a derrota de Hitler e do Fascismo). Teve influência em Portugal a partir
dos anos 50, mas em especial na década de 70. Recordo as vivas discussões entre
Eduardo da Cunha Serrão (um adepto do modelo de GChilde) e os estudantes de
História da FLUL (já sob a influência de Lévi-Strauss e A. Leroi-Gourhain).
Ficaram registadas nos primeiros artigos sobre a Arte Rupestre do Vale do Tejo." (FSL)
Segundo Victor Gonçalves, sabendo da presença de Childe em Portugal (nos últimos dias de 1949 e ao que se julga a convite do próprio Governo) Borges de Macedo pensa entrevistá-lo para a revista "Vértice" uma publicação periódica claramente conotada com o neo-realismo e os movimentos de oposição, então particularmente activos face à recente derrota do nazi-fascismo. Desconhecendo o programa da visita de Childe a Portugal, Borges de Macedo dirige-se através de carta a Manuel Heleno, então o "patrão da Arqueologia nacional", solicitando a ajuda do antigo professor e fazendo-a acompanhar de um exemplar da tradução portuguesa dedicada a Childe, supostamente para ser entregue ao autor, conjuntamente com as questões que gostaria de ver respondidas por este. Não conheço os detalhes biográficos de Borges de Macedo (1921/1996) (que ainda foi professor da minha geração em Letras) para além de um certo efabulário "universitário" corrente nos anos em que, com "mão de ferro", controlava o curso de História e depois a própria Faculdade. Mas a colaboração na colecção da COSMOS e na revista Vértice nos anos do pós-Guerra, parecem encaixar na versão que dá conta de uma passagem mais ou menos militante pela "esquerda marxista", evoluindo posteriormente para posições cada vez mais alinhadas com o Estado Novo. Ora, e é aí que na opinião de Victor Gonçalves entra na fábula a velha raposa matreira. Manuel Heleno ignora o pedido do "jovem lobo inexperiente" e guarda na "gaveta" (são míticas na Arqueologia portuguesa as gavetas do Heleno) o livro, a carta e a lista das questões (em inglês), acabando tudo após a sua morte num alfarrabista...onde João Luis Cardoso o recuperaria muitos anos mais tarde.
Naturalmente, Victor Gonçalves a quem foi dada a oportunidade (felizmente não desperdiçada) de explorar este material, não pode simplesmente concluir que Heleno (por quem não nutre qualquer simpatia como arqueólogo ou pessoa) agiu de má fé. Embora não seja de excluir uma atitude premeditada da parte de Heleno, face aos dados disponíveis, a interpretação mais óbvia, passaria pela não relevância dada a mais um "pedido" de um ex-aluno de quem já mal se recordaria...
Mas, a descoberta, entre os papeis de Heleno, do velho volume autografado, da carta e do "inquérito" redigido por Borges Macedo, era uma oportunidade imperdível para Victor Gonçalves, render homenagem póstuma ao "lobo velho" que, ao contrário de Heleno, obviamente muito admira.
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