quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Gordon Childe em Portugal_ e a fábula do "jovem lobo e da raposa matreira"

A propósito de uma exposição documental em exibição na Biblioteca de Arqueologia da DGPC (Palácio da Ajuda), em que é dado particular destaque à correspondência trocada entre o conhecido arqueólogo australiano e a arqueóloga alemã radicada muitos anos em Portugal Vera Leisner (cujo arquivo se conserva na referida Biblioteca),ver aqui , o meu amigo Francisco Sande Lemos recordou hoje no Facebook a passagem de Gordon Childe pela Sociedade Martins Sarmento (e possivelmente pela Citânia de Briteiros), não em 1945 como ele por lapso refere, mas certamente em 1949, a crer no artigo que adiante refiro e que responde parcialmente a algumas questões de FSL.




"V. Gordon Childe visitou a Sociedade Martins em 1945, assinando o Livro de Honra, como membro do Institute of Archeology – University of London. Suponho que terá estado noutros locais de Portugal, mas desconheço se há algum trabalho sobre essa deslocação, logo no final da guerra, a terras de Oliveira Salazar (ditador entretanto resignado com a derrota de Hitler e do Fascismo). Teve influência em Portugal a partir dos anos 50, mas em especial na década de 70. Recordo as vivas discussões entre Eduardo da Cunha Serrão (um adepto do modelo de GChilde) e os estudantes de História da FLUL (já sob a influência de Lévi-Strauss e A. Leroi-Gourhain). Ficaram registadas nos primeiros artigos sobre a Arte Rupestre do Vale do Tejo." (FSL)


Com efeito, já António Carvalho (actual director do MNA) se havia referido a esta viagem de Childe, a propósito da passagem do conhecido arqueólogo em Cascais (1988, Para a história da Arqueologia em Portugal. O Livro de visitas da Junta de Turismo de Cascais) mas é Victor Gonçalves que num "saboroso" artigo, escrito com a fina ironia que lhe é peculiar e publicado no Arqueólogo Português de 2011, se refere extensamente a esta viagem e a um episódio ocorrido com o seu tradutor português à época, Jorge Borges de Macedo. O artigo que pode ser obtido em PDF ( aqui ) intitula-se "Vere Gordon Childe em Portugal. Uma pequena história (moral?) sobre um jovem lobo ainda inexperiente e uma raposa matreira" Por jovem lobo, entenda-se, Borges de Macedo que (com Vitorino Magalhães Godinho) traduzira para a colecção A Marcha da Humanidade da COSMOS, três livros de Childe ("Man makes himself", "What happened in History" e "Progress and Archaeology") publicados em 1947 num único volume intitulado "O Homem faz-se a si próprio". 


Segundo Victor Gonçalves, sabendo da presença de Childe em Portugal (nos últimos dias de 1949 e ao que se julga a convite do próprio Governo) Borges de Macedo pensa entrevistá-lo para a revista "Vértice" uma publicação periódica claramente conotada com o neo-realismo e os movimentos de oposição, então particularmente activos face à recente derrota do nazi-fascismo. Desconhecendo o programa da visita de Childe a Portugal, Borges de Macedo dirige-se através de carta a Manuel Heleno, então o "patrão da Arqueologia nacional", solicitando a ajuda do antigo professor e fazendo-a acompanhar de um exemplar da tradução portuguesa dedicada a Childe, supostamente para ser entregue ao autor, conjuntamente com as questões que gostaria de ver respondidas por este. Não conheço os detalhes biográficos de Borges de Macedo (1921/1996)  (que ainda foi professor da minha geração em Letras) para além de um certo efabulário "universitário" corrente nos anos em que, com "mão de ferro", controlava o curso de História e depois a própria Faculdade. Mas a colaboração na colecção da COSMOS e na revista Vértice nos anos do pós-Guerra, parecem encaixar na versão que dá conta de uma passagem mais ou menos militante pela "esquerda marxista", evoluindo posteriormente para posições cada vez mais alinhadas com o Estado Novo. Ora, e é aí que na opinião de Victor Gonçalves entra na fábula a velha raposa matreira. Manuel Heleno ignora o pedido do "jovem lobo inexperiente" e guarda na "gaveta"  (são míticas na Arqueologia portuguesa as gavetas do Heleno) o livro, a carta e a lista das questões (em inglês), acabando tudo após a sua morte num alfarrabista...onde João Luis Cardoso o recuperaria muitos anos mais tarde.

Naturalmente, Victor Gonçalves a quem foi dada a oportunidade (felizmente não desperdiçada) de explorar este material, não pode simplesmente concluir que Heleno (por quem não nutre qualquer simpatia como arqueólogo ou pessoa) agiu de má fé. Embora não seja de excluir uma atitude premeditada da parte de Heleno, face aos dados disponíveis, a interpretação mais óbvia, passaria pela não relevância dada a mais um "pedido" de um ex-aluno de quem já mal se recordaria...  

Mas, a descoberta, entre os papeis de Heleno, do velho volume autografado, da carta e do "inquérito" redigido por Borges Macedo, era uma oportunidade imperdível para Victor Gonçalves, render homenagem póstuma ao "lobo velho" que, ao contrário de Heleno, obviamente muito admira.


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