segunda-feira, 5 de setembro de 2016



Do real ao virtual, não há "património" sem pessoas...





Se há coisa que aprendi nas várias décadas que levo de "profissional do património", é que não há projectos de salvaguarda e valorização sustentáveis (isto é, que perdurem no tempo para além do dia da "solene inauguração") se não houver uma base mínima de enquadramento humano ou seja populacional. Se esta máxima é generalizável a tudo o que seja "cultura", ela torna-se absoluta, quando falamos de "património cultural" em meio "rural" (ou seja, em 99,9% do nosso território.). Quando falham as pessoas (nem que sejam apenas os "vizinhos"), a degradação avança rapidamente e, em muitos casos, quando menos se espera, perdido o equilíbrio natural da "ruína", a situação do "bem patrimonial", estará bem pior do que antes da bem intencionada "intervenção" . Recordo a este propósito que, quando há cerca de quatro décadas começava a ter uma perspectiva abrangente da problemática da salvaguarda do património cultural no país, considerar-se haver uma maior atenção política da parte das autarquias do Sul (nomeadamente do Alentejo) por esta valência cultural. E não estava apenas em causa a consistente experiência de Mértola que desde cedo conheceu algum reconhecimento mediático ou a valorização do Centro Histórico de Évora, com a sua inscriçao nas listas da UNESCO... Mas com a passagem dos anos, fui obrigado a reconhecer que muitos dos projectos de valorização da riquíssima herança patrimonial do Alentejo, acabavam por definhar ou nem sequer arrancar, não apenas por razões económicas ou políticas (que afinal são uma consequência de outros factores a montante) mas essencialmente por ausência de uma massa crítica humana que, independentemente dos planeados aproveitamentos turísticos, conferisse algum sentido social  aos sítios ou estruturas recuperadas. É certo que no Norte, nem sempre (ou quase nunca) as intervenções das activas "comissões de festas" ou "outras", têm em conta a integridade ou autenticidade dos imóveis onde intervêm. Mas continua pelo menos garantido o seu uso tradicional, como garantia da sua preservação para além das inevitáveis transformações dos tempos. No Sul, antes de mais por falta de gente já que o despovoamento nestas últimas décadas é uma realidade catastrófica, a luta contra a degradação acaba por se tornar pouco mais do que quixoteca, apesar das excepções. Restará, em muito casos, o registo para memória futura ou, quanto muito, o registo multimédia que permita, no mínimo, uma "valorização virtual" dum património, para cuja preservação efectiva já não subsistem recursos económicos e, sobretudo humanos...


Está certamente na origem destas reflexões, algo pessimistas, a visita que acabo de fazer nesta fim-de-semana, à (infelizmente) efémera exposição "Património/Partilhar o Passado-construir o Futuro" patente na grande feira anual de Montemor-o-Novo, a Feira da Luz. Na falta de recursos que permitam uma intervenção global e consistente na salvaguarda do vasto e valioso património cultural do concelho (Montemor-o-Novo, territorialmente é um dos mais vastos concelhos do país, mas também por isso, com uma densidade populacional mínima), ou mesmo no desenvolvimento de projectos "âncora" há muito identificados (Castelo, Conventos da Saudação e São Francisco) a autarquia tem apostado ultimamente numa estratégia de inventariação e divulgação patrimonial digital, (http://montemorbase.com/)  com recurso a tecnologias particularmente atractivas (filmagens e levantamentos com recurso a "drones", reconstituições 3D de objectos ou estruturas arqueológicas, etc...). Considerando que conquistar a população, particularmente a mais jovem, para a importância da valência patrimonial do seu território é essencial, essa parece uma "opção" correcta. 



Mas há que não correr o risco de confundir o virtual com a realidade. Ainda que essa seja uma luta de longo prazo e de resultados incertos, parece essencial manter os pés na terra e continuar a lutar por objectivos patrimoniais "concretos". De facto Montemor-o-Novo tem um pequeno mas interessante Museu Arqueológico (de origem associativa) que precisa de ser renovado e que faça a ponte com uma herança arqueológica particularmente rica (Gruta do Escoural, Megalitismo e pré-história em geral). O museu não depende da Câmara, mas esta exposição mostra que a autarquia tem recursos humanos ao seu dispôr que podem dar um contributo essencial para fazer daquele Museu, um dos mais interessantes da região no seu género (recorde-se que a valência arqueológica está muito secundarizada no Museu de Évora). Montemor tem também um magnífico mas turisticamente pouco explorado "Centro histórico", facilmente articulável com as ruínas da sua "vila velha", escondida no interior das muralhas do Castelo. Montemor mantem ainda activos projectos artísticos de grande nível, como "O Espaço do Tempo" do coreógrafo Rui Horta, (http://www.oespacodotempo.pt/) ou as "Oficinas do Convento" (http://www.oficinasdoconvento.com/). Aliás a presença destes projectos em imóveis históricos de grande importância e dimensão no contexto regional (Convento da Saudação e Convento de S.Francisco)  ambos a necessitarem de urgente requalificação, tem sido nas últimas décadas, a única explicação plausível para que os mesmos, apesar da ruína, ainda se mantenham de pé, confirmando afinal a máxima com que abri este texto: não há património sem pessoas!


(Fotos da exposição "Património: Partilhar o Passado, construir o Futuro", Feira da Luz, 2016, Câmara Municipal de Montemor-o-Novo)








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