Santa Clara-a-Velha, a história repete-se...
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Foto do "Publico"- 14 de Fevereiro de 2016 |
Ás vezes adoraríamos não ter razão. O projecto de conservar (a seco) Santa Clara-a-Velha, defendido com entusiasmo e levado a cabo com grande tenacidade por alguns colegas arqueólogos (mas não só) que muito estimo e a quem me ligaram em tempos relações de trabalho no âmbito do IPPC, sempre me pareceu excessivamente ambicioso, para a escala de meios normalmente disponíveis no país para o património cultural e muito arriscado, tendo em conta o historial das relações complexas entre o monumento e o vizinho Mondego. De recordar que ainda no final da Idade Média, numa tentativa desesperada de o preservar em funções, o seu piso térreo fora sobre elevado de forma bastante significativa. Mas afinal em vão, pois o local acabaria por ser abandonado e substituído por outro em cota segura relativamente às cheias do Mondego.
Não acompanhei o desenvolvimento deste projecto mas fui tendo eco dos resultados considerados excepcionais da investigação arqueológica, em particular no claustro, investigação proporcionada por uma complexa e dispendiosa operação de engenharia hidráulica que permitiu drenar grande parte da antiga cerca conventual (localizada em pleno leito de cheia) e, sobretudo, criar as condições de manutenção artificial dessa situação. De referir que intervenções arqueológicas deste tipo, em níveis freáticos, são vulgares em países do Norte da Europa, havendo tecnologia que proporciona as condições para o efeito. Já a manutenção a "seco" de estruturas descobertas nessas escavações, a existirem, serão certamente bastante raras, dados os problemas de conservação que implicam e a dificuldade em criar condições de isolamento relativamente ao seu anterior ambiente. Eu, pelo menos não conheço outros exemplos. Poderíamos então concluir que, no caso de Santa Clara-a-Velha, uma vez concluída a investigação arqueológica teria sido preferível não ter ilusões relativamente ao futuro das ruínas e não tomar medidas prevenindo a sua re-inundação e certamente, o rápido e inevitável re-assoreamento? Só quem esteja fora desta temática poderia ter essa ilusão. Não foi certamente a investigação arquelógica que esteve na origem do "programa" de intervenção e aquela só foi possível face às ambições e motivações museológicas subjacentes. Quão espectacular seria recuperar às águas e à lama, o claustro na sua beleza original, proporcionando uma experiência rara ao futuro visitante?
Só há pouco mais de um ano tive oportunidade de revisitar a "nova" Santa Clara-a-Velha na sequencia da respectiva requalificação e musealização (um sítio que visitara frequentes vezes no passado, em trabalho e em turismo) e devo confessar que fiquei bastante bem impressionado. A intervenção arquitectónica moderna revelou-se-me muito sóbria na relação que estabelece com as ruínas e de uma maneira geral quer o circuito de visita, quer o Centro de Interpretação, são verdadeiramente exemplares e do melhor que tem sido conseguido em Portugal, no que respeita a musealização e valorização de estruturas arqueológicas. É certo que as ruínas e o respectivo enquadramento ajudam muito mas há que neste caso valorizar o trabalho dos projectistas e de toda avequipa envolvida. No dia em que lá estive, havia imensa gente, e não apenas turistas. Tive oportunidade de comentar esse facto com um dos colegas ligado à concepção e desenvolvimento do projecto que confirmou que a qualidade e interesse cultural e natural do sítio e da intervenção, estavam a criar novos hábitos na população de Coimbra e a contribuir para a requalificação da envolvente, uma zona tradicionalmente degradada.
Afinal, pensei olhando para o movimento de pessoas e para a proximidade da cidade de Coimbra, logo ali ao passar da ponte, valeu a pena o grande investimento e os custos elevados de manutenção (nomeadamente no que respeita à energia necessária para o funcionamento das bombas hidráulicas) até porque, com tantos visitantes talvez seja possível conseguir algum equilíbrio na sua "exploração".
Infelizmente, como se veio comprovar (e não apenas por uma situação episódica e excepcional, pois ainda nem sequer estão completamente avaliados os prejuízos da inundação algumas semanas atrás e o sítio está de novo alagado), a natureza veio de novo lembrar-nos que por vezes não vale a pena teimar em contrariar a ordem natural das coisas e que outras soluções de "valorização" para este sítio, terão de ser imaginadas tendo em conta aquela inevitabilidade. Quando já se falava (antes da cheia de hoje) de trabalhos de recuperação da ordem dos 600 000€, previamente à tomada de qualquer decisão precipitada, deverá recordar-se que para regiões inteiras com um valioso património cultural público (castelos, sítios arqueológicos, igrejas e conventos) como é o caso do Alentejo, o OE têm atribuido ao organismo responsável, nestes últimos anos de crise, para "obras de manutenção", verbas anuais da ordem dos 100 000€...