quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016





Os LAND ROVERs nas minhas memórias arqueológicas


Land Rover Defender_ um exemplar da 1ª Série (1948)



Não compreendo...Eu supunha que os britânicos mantinham as suas melhores tradições. Eu escrevi um texto necrológico acerca do Land-Rover Defender adquirido em 1978 e que serviu a Unidade de Arqueologia durante mais de uma década. Quando foi abatido à carga eu propus à Directora do Museu de D. Diogo de Sousa que o veículo fosse conservado no jardim o que não foi aceite.


Foi nestes termos que Francisco Sande Lemos comentou no Facebook o recente anúncio do fim dos velhos Defender, e de facto recordo de ter lido algures (na revista FORUM da Universidade do Minho?) o elogio fúnebre ao tal Land Rover de Braga que conheci bem nas incursões que, por razões de serviço, por vezes fiz ao Norte nos anos 80. Esse comentário acabou por servir de pretexto para incursão nas minhas “memórias” arqueológicas que, inevitavelmente, se cruzaram também com a velha marca de viaturas todo-o-terreno.



Por estranho que hoje pareça aos mais jovens, a disponibilidade de viaturas ainda há poucas décadas, não era uma condição indispensável em arqueologia. Bem pelo contrário. Nas primeiras campanhas efectuadas no Ródão não havia qualquer carro à nossa disposição. O combóio levava-nos de Lisboa até Vila Velha e a partir daí funcionava o entusiasmo e a imaginação. O meio de locomoção básico, a partir da “pensão”, era o nosso próprio pé: pela linha férrea, estrada ou todo-o-terreno, de boleia, de “táxi” (quando a verba chegava) ou até de barco, já que ainda havia barqueiro no Fratel (para levar o pessoal que chegava de combóio, para o lado de Nisa) e em Perais. Aliás era essa um pouco a tradição da arqueologia portuguesa que, até aos anos 80, raramente dispunha de meios “automóveis”. Os que apareciam, por mão amiga, ficaram normalmente registados na bibliografia. Ainda há pouco, num texto sobre Maxime Vaultier, me referi ao seu habitual serviço de mecenas arqueológico, em grande parte proporcionado pela sua “grande viatura” como recordou a quando da sua morte, Veiga Ferreira. (ver a propósito ), mas não foi caso único. Carl Harpsoe, um dinamarquês radicado em Portugal, espeleólogo e arqueólogo amador, também costumava apoiar automobilisticamente os arqueólogos, tendo ficado célebre, graças ao relato de Farinha dos Santos, a “corrida desenfreada” entre Lisboa e o Escoural em Abril de 1963, que permitiu àquele arqueólogo, ao serviço de Manuel Heleno, antecipar-se à “concorrência local” no reconhecimento arqueológico da nova Gruta descoberta na Herdade da Sala. A problemática dos transportes não é de facto um simples “fait divers” na história da nossa arqueologia e seria até interessante tentar perceber, do ponto de vista geográfico, como é que a disponibilidade de meios de transporte ou a proximidade de vias transitáveis, influenciaram a progressão do reconhecimento arqueológico do território. São quase míticas as histórias que se contam sobre os métodos usados por Leite de Vasconcelos para ultrapassar distâncias, as quais não foram impedimento que objectassem o seu afã recolector em favor do seu Museu Etnológico (e que, apesar de tão criticado tantos artefactos permitiu salvar da perda total….). Segundo consta o Museu tinha ao seu tempo uma avença com os caminhos de ferro para esse fim e tudo o que era preciso era uma boa carroça e mulas capazes de vencerem as distâncias até à estação mais próxima. No caso das numerosas lápides e inscrições do Endovélico que recuperou em São Miguel da Mota, no Alandroal, a via seguida foi precisamente a estação de Vila Viçosa.  Poderíamos analisar também a importância que a disponibilidade de viatura (pelo menos no pós-guerra), ainda que prioritariamente dirigida ao reconhecimento geológico e mineiro, terá tido na extensíssima produção arqueológica dos Serviços Geológicos, graças ao interesse pessoal de figuras como George Zbyzewski ou Veiga Ferreira, coisa que certamente não acontecia com a generalidade dos arqueólogos portugueses à época. Em contrapartida a indisponibilidade desses meios ainda vem dar maior destaque à tenacidade ou a verdadeira “paixão” com que alguns arqueólogos abraçaram determinados projectos. Um dos casos mais dramáticos, expresso em numerosas cartas, seria protagonizado por Abel Viana, nas escavações que empreendeu nos anos 60 no remoto Castro da Cola, com consequências fatais para a sua saúde.

Um Land Rover da 1ª série ao serviço da Arqueologia? Foto da "brigada" arqueológica de Aljustrel, nos anos 50, que integrava entre outros Abel Viana, Octávio da Veiga Ferreira, Ruy Freire de Andrade e o P. António Serralheiro. A viatura pertenceria aos Serviços Geológicos ou à empresa concessionária das minas de Aljustrel, onde trabalhava Freire de Andrade. (?)
Nestas circunstancias, uma das primeiras pequenas vitórias após o 25 de Abril dos arqueólogos ligados à Faculdade de Letras de Lisboa, onde o peso do grupo de jovens ligados à arqueologia de Vila Velha de Ródão era significativo ao lado dos novos assistentes contratados, seria a obtenção de duas viaturas para apoio dos trabalhos de campo. Na falta de outros meios, porém, valeu na altura um qualquer depósito de viaturas do Estado já abatidas ao serviço, onde no meio de muita sucata foi possível descobrir 2 velhos Land Rover, ainda em estado, aparentemente recuperável e que conseguimos impingir à Secretaria da Faculdade. Estamos a falar de 1974/75, em viaturas que teriam à época cerca de 2 décadas de estradas manhosas. Aliás, pelo que recordo de uma delas, ainda a gasolina e com um consumo absurdo, provavelmente seria ainda um raro exemplar da Série I do Defender, começada a produzir em 1948. Dadas circunstancias, esta última praticamente não sairia dos arredores de Lisboa. Já a segunda, visivelmente menos idosa e já a gasóleo, ainda nos permitiu algumas surtidas de longa distância. Na Primavera de 75, serviu de apoio ao GEPP para aquela que terá sido a primeira prospecção arqueológica realizada no Guadiana já por acusa do Alqueva (obra só concluída um quarto de século depois). Serviu também de apoio às prospecções do novo troço da Auto-estrada do Norte, entre Vila Franca de Xira e o Carregado (imagine-se!). Nesse mesmo Verão, o velho Land Rover da Faculdade esteve ao serviço das escavações do Penedo do Lexim, promovidas pelo então assistente José Morais Arnaud como parte curricular da sua cadeira de “práticas arqueológicas”. http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/12/penedo-do-lexim-2-o-meu-post-de-ontem.html

O Land Rover (gasóleo) da Faculdade nas escavações do Penedo do Lexim (Setembro de 1975)

Ainda nas escavações do Penedo do Lexim de 1975, com o Francisco Sande Lemos "a cavalo" e a Isabel Silva em primeiro plano.


Recordo que a certa altura eu próprio conduzi esta viatura a Mértola em data que não posso precisar, (mas anterior a 77, uma vez que o Cláudio Torres ainda não tinha “descoberto” a vila Alentejana), onde ficaria ao serviço de outro Assistente da Faculdade, o Manuel Maia então em escavações no fortim romano do Manuel Galo. Mas a idade não perdoaria e, por volta de 1977/78, protagonizei a segunda morte do velho Land Rover. A caminho de mais uma campanha no Ródão (fase Paleolítica), já em Ponte de Sôr, ouvimos um enorme estrondo seguido do bloqueio imediato da viatura em plena Rua principal daquela vila. Uma peça qualquer estava caída sob o carro e este não dava qualquer sinal de vida. No meio da desgraça, a sorte de estarmos em área urbana. Mas depressa um mecânico ditava a sentença: o Land Rover tinha perdido a “caixa de velocidades” e pouco havia a fazer, para além de rebocar a viatura para a garagem mais próxima com toda a bagagem. Como se depreende, esta foi talvez a campanha mais curta dos anais 
arqueológicos do Ródão.

Memórias africanas do Land Rover
http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/04/1983-missao-arqueologica-em-angola-na.html



ADENDA (5 de Fevereiro 2018)

Não posso deixar de aqui transcrever um comentário, vua FACEBOOK, do José Morais Arnaud datado de 4/2/2018:

"Os dois land-rovers da Faculdade fui eu buscá-los a Xabregas a um depósito de material do Estado abatido ao uso, com o Sande Lemos. Depois de uma reparação, ainda estiveram ao uso de alunos e professores durante alguns anos, sobretudo o II-87-87, a gasóleo, mas em cada deslocação havia sempre peripécias. Ou não pegavam a não ser de empurrão, ou paravam de repente , mas a nossa vontade de ir para o campo era tal, que os utilizamos até ao limite. Enfim, bons velhos tempos do PREC, e dos nossos vinte anos...



3 comentários:

  1. Bem sei que o velho UMM em que fomos A Les Eyzies não é um Land-Rover... Mas penso que deve ter ficado triste por não ter sido por ti lembrado.

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  2. Bem sei que o velho UMM em que fomos A Les Eyzies não é um Land-Rover... Mas penso que deve ter ficado triste por não ter sido por ti lembrado.

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  3. Tens razão Luis. Nem no texto em que aqui recordei essa jornada memorável me referi ao dito UMM, ainda por cima um 4x4 "meio nacional". Mas fica o repto.
    http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/01/viagem-ao-berco-da-pre-historia.html

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