Eduardo da Cunha Serrão e as "cerâmicas de ornatos brunidos"
Eduardo da Cunha Serrão, no Tejo (Foto de António Martinho Baptista, finais dos anos 70) |
Hoje mesmo, na Associação dos Arqueólogos Portugueses, no âmbito da apresentação pública dos três trabalhos de Arqueologia galardoados com o Prémio de Arqueologia "Eduardo da Cunha Serrão" (1ª edição), o meu amigo Vitor Oliveira Jorge proferirá uma intervenção sobre a importância e o papel daquele antigo presidente da AAP na Arqueologia portuguesa nas últimas décadas do século XX. Porque um dos trabalhos premiados e agora editados versa um tema muito caro a Cunha Serrão ("cerâmicas de decoração brunida") pareceu-me relevante aqui transcrever uma parte da introdução histórica da monografia do Castro dos Ratinhos (Luis Berrocal Rangel e António Carlos Silva, MNA, 2010), em que se revela mais uma vez esse interesse de Cunha Serrão, pessoa com quem tive ainda o prazer de conviver, pela mão do Francisdo Sande Lemos e do Jorge Pinho Monteiro, e cuja casa de Campo de Ourique recordo, cada vez que passo junto ao Canas.
Em 1960, já depois de afastado
há alguns anos da arqueologia de campo, o Castro dos Ratinhos cruza-se de novo
com Fragoso de Lima. Isso acontece de novo por interposta pessoa, neste caso a
estudante sua conterrânea, Wanda Rodrigues e Rodrigues, então também aluna de
Manuel Heleno. Com efeito, no âmbito da preparação da respectiva tese de licenciatura,
aquela estudante viria a realizar no Verão de 60 alguns trabalhos no Castro dos
Ratinhos em circunstâncias que só muito recentemente nos foi possível registar,
graças ao seu próprio testemunho[1].
Curiosamente, fora através de Afonso do Paço, à época Presidente da Associação
dos Arqueólogos Portugueses, que Wanda Rodrigues, numa visita de estudo à sede
daquela Associação, tomara conhecimento da existência do Castro dos Ratinhos.
Afonso do Paço, ao saber que a jovem estudante era natural de Moura e procurava
tema para a “tese”, chamara-lhe a atenção para o potencial interesse do Castro
dos Ratinhos. Como se sabe, Paço colaborava com Pires Gonçalves na zona de
Reguengos de Monsaraz e Mourão e deveria ter visitado o Castro dos Pardieiros
e, eventualmente, os próprios Ratinhos. Em todo o caso, não deixa de ser
surpreendente que, dadas as sua péssimas relações com Manuel Heleno, tenha
feito uma tal sugestão a uma inexperiente aluna deste. A não ser que Paço, com
essa atitude, estivesse a enviar ao seu adversário uma qualquer mensagem
indirecta, dando-lhe a perceber que conhecia bem as “riquezas” que aquele
parecia afinal ignorar no seu próprio “território”. Wanda Rodrigues, sem a
mínima suspeita do eventual “segundo sentido” da proposta, acaba por acolher a
sugestão e após uma primeira visita ao Castro no Inverno de 1959-60,
acompanhada por Manuel Farinha dos Santos, assistente e colaborador muito
próximo de Heleno, decide aí proceder a escavações, às suas próprias custas. De
referir que, fazendo fé no testemunho recente de Wanda Rodrigues, quer na sua
percepção, quer na do próprio Farinha dos Santos, o “Castro” se limitaria à
plataforma mais elevada (a que chamamos hoje de “acrópole”) o que, não sendo
estranho para uma aluna inexperiente já é mais difícil de aceitar da parte do
arqueólogo. De qualquer modo, as escavações, tuteladas por Farinha dos Santos
que entretanto, na expressão da própria Wanda Rodrigues, “registara” o sítio
arqueológico[2],
viriam a ter lugar no Verão de 1960 e constaram, segundo a sua própria
descrição, de um conjunto de pequenas “valas” abertas por trabalhadores rurais,
na plataforma mais elevada, onde ainda hoje são observáveis pequenas depressões
de 1x1m, próximas do respectivo talude, que poderão corresponder a estas mesmas
sondagens.[3]
Como metodologia e procurando seguir as instruções de Farinha dos Santos que
não participaria directamente nos trabalhos, Wanda Rodrigues limitar-se-ia a acompanhar
o trabalho dos cavadores, recolhendo as cerâmicas e anotando a profundidade a
que as mesmas eram descobertas. A partir dos materiais recolhidos, que
incluíram também duas “pontas de lança” em bronze, Wanda Rodrigues viria a
apresentar e a defender tese de licenciatura na Faculdade de Letras[4].
Alguns desses materiais seriam entretanto depositados no Museu Nacional de
Arqueologia e Etnologia, onde ainda hoje se encontram, instituição onde chegou
a ser convidada para colaborar mas cujo “ambiente”, segundo nos confessou, lhe
não terá agradado[5].
Em todo o caso, facilitaria os dados obtidos a José Fragoso de Lima, em
particular os que diziam respeito às “cerâmicas de ornatos brunidos” cuja
importância contextual destacara já na sua tese como veio a reconhecer aquele
arqueólogo. (“Estamos de acuerdo en principio con las sugerencias y
paralelismos observados por la señorita Wanda Rodrigues, y ciertos aspectos de
estas cerámicas parecen recordar, dentro de determinados limites, cerámicas del
Castro de Medeiros, Monterrey (Orense) y con estaciones portuguesas tales como
la Gruta de Vimieiro; el Castro de Mangancha (cerca de Aljustrel): Mesa dos
Castelinhos (Messejana). En la Cueva llamada Lapa do
Fumo (Sesimbra) existen ejemplares que hasta cierto punto pueden relacionarse con
la cerámica de Ratinhos” Lima, 1960,). O mérito de Fragoso de Lima residiria assim e em particular, na rápida
divulgação da descoberta, quer por contacto pessoal junto de arqueólogos espanhóis,
como Maluquer de Motes e Juan Carriazo, das Universidades de Barcelona e
Sevilha, quer através da publicação, ainda esse mesmo ano de uma pequena mas
oportuna Nota na conceituada revista Zephyrus (Lima,1960) de Salamanca,
proporcionando deste modo o reconhecimento internacional do Castro dos
Ratinhos.
Wanda Rodrigues, revisitando os Ratinhos em 2005 |
Com o auto-afastamento de
Wanda Rodrigues e apesar da importância científica dos achados, o Castro dos
Ratinhos cai de novo no esquecimento. Manuel Heleno que “controlava” a
Arqueologia na região de Moura, dispersava a sua atenção por muitos outros
projectos. Farinha dos Santos inclinava-se mais para a Pré-história Antiga,
facto que se confirmaria com o com o seu envolvimento no estudo da Gruta do
Escoural, descoberta pouco tempo depois (1963). Assim, só em 1970, por
coincidência no ano da morte de Manuel Heleno, surgiria nova intenção de
escavações no Castro dos Ratinhos, agora protagonizada por Eduardo da Cunha
Serrão, um outro membro proeminente da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Com efeito, nas escavações da Lapa do Fumo de 1956, Cunha Serrão identificara
pela primeira vez em território português, cerâmicas com “ornatos brunidos” tendo
dado notícia da descoberta logo em 1958 na revista Zephyrus (Serrão, 1958). Atendendo
às suas relações com Afonso do Paço e Pires Gonçalves na Associação dos
Arqueólogos Portugueses, Eduardo Serrão deverá
ter tido notícia indirecta dos trabalhos de Wanda Rodrigues mas foi,
certamente, através do artigo de Fragoso de Lima de 1960, que se terá
apercebido da importância dos Ratinhos para o esclarecimento da origem e da
cronologia daquelas cerâmicas. Por outro lado, conforme testemunho de Teresa
Gamito, Manuel Heleno sabendo do interesse de Cunha Serrão por este tipo de
cerâmicas, chegara a mostrar-lhe as cerâmicas dos Ratinhos depositadas no MNAE,
mas sem identificar a sua origem, numa atitude que podemos interpretar de clara
“demarcação territorial”[6].
Dados os antecedentes e circunstâncias, vale a pena transcrever integralmente,
o requerimento enviado por Cunha Serrão ao Ministro da Educação Nacional, em 5
de Janeiro de 1970, solicitando autorização para escavar no Castro dos Ratinhos
e referir, porque algum significado deverá ter, o facto do requerimento ter
ficado sem resposta durante seis meses. Cunha Serrão que recebera quase de
imediato um cartão manuscrito pelo próprio Ministro, José Hermano Saraiva, em
que este agradecia as publicações anexas ao “requerimento” e informava ter
remetido o assunto “à atenção do serviço competente”, vê-se na contingência de,
na ausência de resposta, a enviar segunda via do pedido em 17 de Julho de 1970,
acompanhada da cópia do cartão do próprio Ministro que ainda hoje consta do processo.
Finalmente em 22 de Agosto de 1970, em parecer da 1ª sub-secção da 2ª Secção da
Junta Nacional da Educação, assinado por Fernando de Almeida, sucessor de
Manuel Heleno no Museu de Arqueologia e na Cadeira da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, Cunha Serrão seria autorizado a escavar no Castro dos
Ratinhos.
(Requerimento de Eduardo
da Cunha Serrão, de 5 de Janeiro de 1970)
“Senhor Ministro da Educação Nacional
Excelência
Eduardo José de Miranda da Cunha Serrão.
Licenciado em Ciências Económicas e Financeiras, tem realizado entre outros,
vários estudos relativos a uma espécie cerâmica decorada com “ornatos brunidos”
que pela primeira vez se evidenciou em Portugal em 1956 durante a exploração da
Lapa do Fumo (Sesimbra) – estação que detectou e tem explorado- e, pouco
depois, no Castro dos Ratinhos (Moura).
Uma possível variante desta cerâmica era conhecida
em Espanha e havida sido recolhida em Carmona e Mesas de Asta. Quase na mesma
altura em que foram exumados os exemplares da Lapa do Fumo, apareceu em grande
quantidade na estação de El Carambolo (Sevilha), acompanhando o célebre tesouro
considerado tartéssico, constituído por placas, braceletes e um colar, de oiro,
peças de grande valor arqueológico e intrínseco, e de grande beleza.
A datação pelo método estratigráfico desta
cerâmica andalaluza tem ocupado alguns arqueólogos espanhóis (Prof. J. de Mata
Carriazo, Maluquer de Motes, J. Pedro Garrido, J.M. Blásquez, etc.), para o que
realizaram várias e metódicas escavações, sendo possível colocá-la entre os
séculos IX e IV a. C.
À variante portuguesa tem-se dedicado, com
particular atenção, o signatário que, pelos dados estratigráficos da Lapa do
Fumo, a considera pós-campaniforme, contemporânea dos recipientes da fase final
do Bronze e imediatamente anterior às primeiras cerâmicas fabricadas com torno
rápido.
Em Setembro p.p., o signatário deslocou-se a
Sevilha, Carmona e Jerez de la Frontera, para avaliar o grau de paralelismo
entre as duas variantes (se já podemos
considerá-las como variantes, pois podem não passar de sub-tipos de um
tipo ainda mal identificado), tendo colhido elementos que lhe permitiram
apresentar uma comunicação sobre o assunto nas Jornadas Arqueológicas
promovidas em Novembro p.p., pela Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Mas, o problema que mais interessa agora é, à
semelhança do que se tem feito em Espanha, obter dados sobre cronologia noutras
estações do nosso território para os comparar com os da Lapa do Fumo e integrar
no admissível quadro cultural respectivo, cuja área geográfica parece ser
Portugal ao Sul do Tejo e a Andaluzia.
Ora o signatário está convencido de que o Castro
dos Ratinhos (Moura), poderá ser a estação portuguesa que, depois da Lapa do
Fumo, melhores esclarecimentos prestará a tal respeito, não só fundamentado nas
sumárias descrições feitas pelo Dr. Fragoso de Lima (Zephyrus, 1960), mas
também nas informações que amavelmente lhe prestou o Senhor Dr. Manuel Farinha
dos Santos. Este último informou-o, ainda, de que em tempos, a exploração do
Castro dos Ratinhos lhe foi entregue e que concedeu facilidades à licenciada
Exmª Senhora D. Vanda Rodrigues para, sobre as respectivas cerâmicas com
“ornatos brunidos”, elaborar a sua dissertação de licenciatura. Porém, tal
dissertação não chegou a ser apresentada e a Senhora Vanda Rodrigues (que não
se encontra presentemente na Metrópole) limitou-se a fornecer ao Sr. Dr.
Fragoso de Lima os elementos que lhe permitiram o referido estudo sumário que
publicou na Zephyrus.
Conhecedor destes factos, o signatário ofereceu ao
Sr. Dr. M. Farinha dos Santos a sua colaboração para trabalhar no Castro dos
Ratinhos, tendo obtido como resposta que o poderia fazer individualmente, dados
os muitos trabalhos arqueológicos em que o Dr. M. Farinha dos Santos se
encontra comprometido presentemente.
Uma vez que os problemas com das cerâmicas com
“ornatos brunidos” do nosso território assumem apreciável importância e se os
quisermos solucionar ao nível peninsular do qual não se pode desintegrar,
conviria não protelar o estudo das estações conhecidas que, para tal efeito,
melhor se prestam.
Portanto, o signatário solicita de V.Exª. se digne
autorizá-lo a efectuar sondagens e escavações no Castro dos Ratinhos com o
objectivo de confrontar os resultados que obtiver com os da Lapa do Fumo e com
os elementos que, na Andaluzia, lhe foram prestados pelo Prof. Mata Carriazo
Manuel Esteves Guerrero e Dr. H. Schubart.
Como plano de trabalhos, de momento, apenas pode
declarar que pretende:
1º-
Examinar, com a devida atenção, o Castro dos Ratinhos (que ainda não conhece),
para poder avaliar a sua estrutura geral e quais os locais onde poderá realizar
prospecções e explorações;
2º-
Concretizado o que acaba de expor, proceder a uma exploração na zona que lhe
parecer mais prometedora de bons resultados;
3º - Na
exploração que efectuar, colocará em primeiro plano a obtenção de dados
estratigráficos que lhe permitam obter uma cronologia relativa para a cerâmica
“com ornatos brunidos” do Castro dos Ratinhos, estação esta que, pela sua
posição geográfica (próximo da fronteira), deve fornecer elementos que
estabelecem a relação entre as variantes portuguesa e andaluza.
4º - De
todos os resultados obtidos, dará conhecimento a V.Exaª em relatórios
circunstanciados a elaborar oportunamente.
5º- Todo
o material que vier a ser recolhido será entregue, devidamente inventariado, ao
Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, ou à instituição que Vossa
Excelência, no seu alto critério, se dignar determinar.
Quanto
ao seu curriculum, o signatário permite-se remeter V.Exª para os elementos que,
a tal respeito, acompanharam outros pedidos de exploração que apresentou (da
Lapa do Fumo, por exemplo) e a acrescentar que, presentemente, desempenha as
seguintes funções todas relativas à investigação arqueológica: Director do
Museu Arqueológico Municipal de Sesimbra; Delegado da Junta de Educação
Nacional da Educação no Concelho de Sesimbra; Presidente da Secção de
Pré-história da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Mas, se Vossa
Excelência, assim o desejar apresentará uma relação de todos os estudos que,
até hoje, publicou individualmente ou de colaboração com outros arqueólogos.
Apenas junta, agora, os dois que mais interessam ao caso.
Submeto o assunto à apreciação de Vossa
Excelência, aguardo o favor de uma resposta e apresento cumprimentos de elevada
consideração.
Lisboa, 5 de Janeiro de 1970
Eduardo da Cunha Serrão”
Cunha Serrão, no entanto,
nunca chegaria a tirar partido da autorização para escavar no Castro dos Ratinhos.
Antes de mais por falta dos meios e condições adequadas a uma intervenção num
sítio então, praticamente, sem acessos[7].
Por outro lado, porque um ano depois, seria arrastado por um grupo de jovens
aspirantes a arqueólogos que apadrinhava, para a aventura de estudo e
salvamento da “Arte Rupestre do Vale do Tejo”, cujos primeiros núcleos foram
descobertos em Fratel, Vila Velha de Ródão, em Outubro de 1971[8].
O Castro dos Ratinhos, apesar de algumas citações ocasionais, especialmente de
autores estrangeiros (Schubart, 1971,1975; Frankenstein, 1997; Coffyn, 1985) e
de uma ou outra visita de arqueólogos ou mesmo de “pesquisadores de tesouros”[9],
entraria em novo período de olvido. Em todo o caso o seu prévio reconhecimento
e os ecos das diversas referências entretanto feitas, permitiu que passasse
quase incólume às grandes transformações verificadas na sua envolvente quando
em 1976, se iniciaram os trabalhos preparatórios para a construção da Barragem
do Alqueva, com o desvio do curso do Guadiana e a construção da respectiva
ensecadeira.
Entretanto em 1981, durante
os trabalhos de inventariação e reorganização das colecções do Museu Nacional
de Arqueologia, promovidos pela direcção de Francisco Alves, um dos
colaboradores nessa tarefa, João Ludgero, reencontrou as cerâmicas do Castro
dos Ratinhos que Manuel Heleno tão ciosamente guardava na sua secretária,
fazendo chegar essa informação a Teresa Gamito e José Morais Arnaud. No âmbito
de preparação da respectiva tese de Doutoramento, Teresa Gamito interessava-se
então pelos castros da Idade do Ferro na envolvente do Guadiana, enquanto José
Morais Arnaud, encontrara cerâmicas semelhantes em sondagens realizadas em
meados dos anos setenta na Corôa do Frade, um outro grande povoado do Final da
Idade do Bronze, situado nos arredores de Évora (Arnaud, 1979). Justificando o
especial interesse por este tipo de cerâmicas bem como sobre o sítio da sua
origem, Teresa Gamito viria a estudar aquela pequena colecção dos Ratinhos, em
artigo que publicaria mais tarde na revista do Museu, O Arqueólogo Português
(Gamito, 1990-92). Nesse trabalho, depois de destacar o papel de Cunha Serrão
na identificação das cerâmicas de ornatos brunidos e de traçar o estado da
questão no que respeita ao Sudoeste Peninsular, Teresa Gamito propõe uma
original e pertinente relação entre os padrões geométricos dos respectivos
motivos decorativos e a decoração dos “torques” de ouro maciço, peças de
ourivesaria características do Bronze Final do Sudoeste Peninsular. Ainda que o
objectivo daquele trabalho estivesse especialmente centrado nesta cerâmica, a
Teresa Gamito que procedera com José Arnaud a um reconhecimento prévio de
contextualização do próprio Castro, se deve também o mérito de nova e decisiva
chamada de atenção para este importante sítio, nas vésperas de arranque dos Projectos
Arqueológicos do Alqueva. Pelas razões já antes referidas, o Castro dos
Ratinhos não mereceria no âmbito dos numerosos trabalhos arqueológicos
associados à obra da Barragem, qualquer atenção especial. Mas a partir do
momento em que as comportas se fecharam (Fevereiro de 2002) iniciando a
formação do gigantesco Lago do Alqueva junto à sua vertente Norte, a forte
presença do Castro e da sua “acrópole” ganhou especial relevância na paisagem
transfigurada. A decifração dos enigmas que escondia sobre o fim da
Pré-História e o início da História, impôs-se-nos então como um desafio a que
não podíamos deixar de corresponder.
[1] Em visita ao Castro dos
Ratinhos efectuada em 10 de Novembro de 2005 e acompanhada por um dos autores
(ACS).
[2] Ainda que nos arquivos da JNE,
não apareçam quaisquer registos, o que não é de estranhar, já que sendo a
respectiva “subsecção de arqueologia” presidida por Manuel Heleno, este deveria
dispensar-se a si e aos seus colaboradores dos procedimentos legais já então
previstos na lei. Farinha dos Santos não terá participado directamente nas
“escavações” que foram conduzidas no terreno apenas por Wanda Rodrigues.
[3] Na chamada “terceira
linha”, duas dezenas de metros a Oeste das Sondagens 2004-05 (localizadas no
sector I16 , segundo a nova nomenclatura)
há vestígios de outras sondagens antigas que inicialmente atribuímos a Wanda
Rodrigues, hipótese entretanto descartada pelo seu testemunho.
[4] Segundo informação de
Santiago Macias que fez pesquisas nesse sentido ,ao contrário do que seria habitual
não se conserva qualquer exemplar na respecyiva Biblioteca. Wanda Rodrigues,
tão pouco, conserva cópia da mesma, tendo perdido entretanto a maior parte da
documentação, nomeadamente as fotografias.
[5] Wanda Rodrigues, viria a
iniciar a sua carreira como professora no Liceu de Moura entre 1961 e 65,
afastando-se definitivamente da Arqueologia, meio onde ainda privou com colegas
da sua geração como Maria Amélia Horta Pereira, Irisalva Moita ou Maria Luisa
Estácio da Veiga. Em 1965 parte para Moçambique onde continua a carreira de
professora liceal de onde só regressa em 1976 para se fixar em Setúbal e
ensinar no respectivo Liceu, onde se viria a reformar. Conserva ainda na sua
posse alguns registos e alguns materiais das “escavações” de 1960 que projecta
vir a oferecer ao Museu Municipal de Moura.
[6] Teresa Gamito refere que
Eduardo Cunha Serrão lhe contara que por volta de 1970, no decorrer de uma
visita efectuada anos antes ao Museu Nacional de Arqueologia, “Manuel Heleno lhe havia mostrado uma
série de fragmentos de cerâmica de ornatos brunidos provenientes de um “castro”
da região de Moura que guardava ciosamente numa gaveta da sua secretária”
(Gamito, 1990)
[7] Como a generalidade dos arqueólogos da altura, ECS tinha outra
profissão (economista) e a Arqueologia, apesar da sua exemplar competência e
seriedade, era realizada nos tempos roubados ao descanso e por isso,
preferencialmente focalizada na envolvente dos locais de residência ou de
trabalho. Por outro lado, não existia ainda a infra-estrutura rodoviária
relacionada com a Barragem do Alqueva.
[8] Um dos autores (ACS)
enquanto colaborador naquele projecto, foi testemunha directa do desinteressado
e generoso envolvimento de Eduardo Cunha Serrão nos trabalhos de salvamento da
Arte Rupestre do Vale do Tejo.
[9] Para além de ténues
vestígios na “acrópole” relacionados com os trabalhos de Wanda Rodrigues, os
Ratinhos apresentam ainda alguns sinais de sondagens (?) de autoria
“incógnita”, para além de diversas marcas de actividade prospectiva ilegal
(“detectores de metais”). Não é por isso de excluir que os metais publicados
por João Cardoso, uma ponta de lança e dois contos do Bronze Final, adquiridos
por terceiros num antiquário e Setúbal e atribuídos a um “achado ocasional” na
zona da Barragem do Alqueva, sejam de facto produto de actividade de pesquisa
ilegal efectuada no próprio Castro dos Ratinhos (Cardoso et allii, 1992).
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