Uma década depois, lembrando a Teresa Gamito e a Viagem ao País das Rosas
Faz hoje, 6 de Abril, uma década (!), que um numeroso grupo de "amigos" do Museu Nacional de Arqueologia, suficiente para encher dois autocarros, partia para mais uma viagem de férias e estudo por ocasião da Páscoa. Lisboa -Munique (ou Frankfurt) e depois Teerão, voo directo da Lufthansa.
Não sendo (com muita pena), frequentador assíduo dessas viagens, as circunstancias haviam-se proporcionado para que eu e a Isabel aproveitássemos essa oportunidade rara. E, de facto valeu a pena. Por todas as razões, algumas bem tristes como recordaremos, essa foi uma viagem memorável.
Antes de mais porque, apesar de toda a retórica anti-islâmica que se instalara no pós-11 de Setembro e que viera ainda complicar as já tensas relações entre o ocidente pró-americano e o Irão, se assistia na época já a alguma distensão diplomática (que entretanto ao longo da década foi conhecendo altos e baixos, parecendo estar numa fase de acalmia com o anunciado fim das sanções). Naturalmente a visita semi-oficial de um grupo tão numeroso de turistas ocidentais, muitos deles associados pela respectiva profissão ou estatuto, à administração pública, não deixava de ter alguma repercussão local e que foi deveras notória quer na amabilidade com que fomos recebidos por todo o lado, quer nalgumas medidas de excepção, no que respeita a segurança. Mas também memorável porque o Irão é de facto um país extraordinário, em múltiplos aspectos (culturais, civilizacionais, humanos, sociais e até políticos...) completamente inesperado para a maioria dos ocidentais e, sobretudo, totalmente deformado pela imagem corrente que passa nos "media". E assim a viagem tornou-se uma permanente e imensa caixinha de surpresas para todo o grupo, do qual apenas uma pessoa já havia estado antes no Irão (mas há várias décadas) a Professora Suzanne Daveau, viúva do conhecido geógrafo português Orlando Ribeiro. Memorável ainda para a nossa condição portuguesa, ao termos ocasião de visitar, quase em peregrinação religiosa, as ruínas deixadas pelos portugueses de quinhentos na ilha de Ormuz, local estratégico de controle do golfo com o mesmo nome, hoje desgraçadamente conhecido pelos trágicos conflitos provocados pela geoestratégfia em torno das suas vastas reservas petrolíferas.
Mas infelizmente esta extraordinária jornada acabaria por ficar também na memória de todos por um triste evento, o qual,de algum modo motiva este texto. Nas vésperas do regresso a Pportugal, quando viajávamos de autocarro para Teerão após a descoberta das extraordinárias belezas da cidade de Isfahan (depois de Kerman, Yazd ou Shiraz, não imaginávamos que algo ainda nos pudesse surpreender no Irão, mas descobrimos que estávamos enganados quando chegámos a Isfahan), a viagem seria abalada pela doença súbita de uma companheira, a amiga e arqueóloga Teresa Júdice Gamito, de origem algarvia e uma das professoras pioneiras, da fundação da respectiva Universidade. A Teresa que conhecia desde os tempos da Faculdade ( vera aqui a Teresa nas escavações do Lexim ) e com quem eu e a Isabel haviamos jantado na véspera, num restaurante "persa" (reclinados em estrados e almofadas) do centro de Isfahan, junto à gigantesca Praça Naqsh-e Jahan, acabou por não resistir, pese embora a rápida e diligente assistência médica, como o Luis Raposo (na altura Director do Museu Nacional de Arqueologia e nessa qualidade "chefe da delegação portuguesa") descreveu, em cima do acontecimento, num testemunho enviado à comunidade arqueológica portuguesa através do ARCHPORT e que abaixo transcrevemos.
O programa final para Teerão, no qual avultava ainda a visita ao Museu Arqueológico e o encontro com autoridades culturais iranianas, ainda se cumpriu mas a viajem estava definitivamente interrompida não só para a Teresa, mas para todo o grupo. Restam-nos, uma década depois, as boas lembranças dessa inesquecível jornada, nas muitas fotos que todos trouxémos, nos videos que alguns também fizeram e até num belíssimo livro bilingue que o jornalista e poeta Adalberto Alves dedicou a esta jornada, a que chamou "Viagem ao país das rosas". A respectiva versão persa ou فارسی fārsi deve-se a Sépideh Radfar, a nossa competente e simpática guia e intérprete, há muito residente em Portugal e as ilustrações originais são da Isabel, a partir de uma série de aguarelas que dedicou à viagem e muitas das quais conservamos cuidadosamente nas paredes do Monte das Pedras.
O testemunho de Luis Raposo no ARCHPORT, redigido ainda a partir de Teerão (18 de Abril de 2006)
"A Teresa
faleceu no último dia da nossa viagem, a caminho de Teerão. Faleceu como
professora: tinha-se oferecido para dar explicações no autocarro do Grupo onde
seguia sobre cerâmica islâmica; encontrava-se no uso da palavra há cerca de 10
minutos, com agrado de todos, quando de repente de sentiu mal; foi logo
assistida (no próprio autocarro do Grupo seguia um médico); por grande sorte, o
autocarro estava então próximo de uma das várias ambulância colocadas ao longo
da auto-estrada entre Isfahan e Teerão. Em cerca de cinco minutos foi colocada
na ambulância e levada para o hospital; se não faleceu no caminho, veio a
falecer logo após a entrada nas urgências, num quadro geral de síncope
cardíaca.
Aconteceu em terras iranianas, como poderia ter acontecido em qualquer outro local. Aconteceu, para descanso de todos nós, em circunstâncias da mais pronta assistência médica e temos de reconhecer e agradecer isso aos nossos parceiros e entidades médicas iranianas.
Sendo assim o que importa salientar é o simbolismo da circunstância em que aconteceu: a Teresa faleceu enquanto exercia o seu mister de arqueóloga e professora.
Chocado como estou, apenas me resta recorrer aos antigos e desejar que descanse em paz e que a terra lhe seja leve".
Aconteceu em terras iranianas, como poderia ter acontecido em qualquer outro local. Aconteceu, para descanso de todos nós, em circunstâncias da mais pronta assistência médica e temos de reconhecer e agradecer isso aos nossos parceiros e entidades médicas iranianas.
Sendo assim o que importa salientar é o simbolismo da circunstância em que aconteceu: a Teresa faleceu enquanto exercia o seu mister de arqueóloga e professora.
Chocado como estou, apenas me resta recorrer aos antigos e desejar que descanse em paz e que a terra lhe seja leve".
Notícia da homenagem promovida pela Universidade do Algarve à memória da Professora Teresa Júdice Gamito, no segundo aniversário da sua morte
Algumas memórias fotográficas da viagem de 2006
Na travessia marítima entre Bandar-e Abbas e Ormuz. Em primeiro plano a Professora Suzanne Daveau e o seu inseparável caderno de notas e esquiços
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Gostei muito, António Carlos, obrigada por esta lembrança dos 10 anos da nossa viagem, para nós todos que lá estivemos foi um tempo inesquecível quer nos bons quer nos maus momentos. Elsa
ResponderEliminarCaro António, foi a viagem da minha vida (pelo menos até hoje). Só uma nota ao teu artigo/post...a Teresa Gamito não foi assistida inicialmente por nenhum médico. O que seguia no autocarro, limitou-se a olhar e a dizer "está morta", não tomando, rigorosamente, qualquer tipo de medida. Lamentável. A informação publicada pelo Luís Raposo está errada o que estranho visto que teve conhecimento das circunstâncias reais.
ResponderEliminarFoi um dos participantes na viagem que socorreu a Sra. com manobras RCP (reanimação cárdio-pulmonar). A Teresa recuperou, estava consciente e orientada. Morreu mais tarde, infelizmente, na ambulância a caminho do hospital.