quarta-feira, 16 de março de 2016


Para a história recente da Ponte da Ajuda


 A divulgação na NET de um vídeo com a restituição virtual da esquecida Ponte da Ajuda, produzido por iniciativa da Cromeleque, Lda e da GEODRONE, serve de pretexto para um assunto que há muito queria abordar neste BLOG, até porque o acompanhei durante algum tempo, quer por via da minha participação no Projecto Alqueva, quer posteriormente pelas minhas funções técnicas na Direcção Regional do IPPAR e organismos que se lhe seguiram.





A importância e delicadeza do tema, porém não se esgota aqui e certamente voltarei ao assunto.

Por agora apenas uma chamada de atenção para o facto de este Monumento Nacional, por circunstâncias da História, se encontrar literalmente em “terra de ninguém”, num limbo político-diplomático que apesar do anacronismo óbvio, continua a condicionar a valorização cultural de uma estrutura que na sua época de construção (Século XVI) representou um feito extraordinário de engenharia, como o demonstrou recentemente o meu amigo Luis Alfonso Limpo, director da Biblioteca de Olivença, em obra de referencia obrigatória que dedicou à Ponte da Ajuda.



Para a história recente dos encontros e desencontros com a Ponte da Ajuda, refira-se que no início do século XXI, parecia abrir-se uma nova fase na história deste monumento. Chegou a programar-se uma intervenção de consolidação no âmbito do Alqueva, mas como os efeitos da subida das águas são mínimos nesta zona, deixou de haver pretexto técnico para o efeito. Por outro lado a existência de uma espécie botânica em vias de extinção que crescia livremente sobre o tabuleiro (Narcissus cavanillesii)  limitava e complicava as possibilidades de intervenção. Entretanto, no âmbito de um acordo transfronteiriço realizado pelas Estradas de Portugal (à revelia do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da própria Cultura) com a sua congénere espanhola, seria acordado que a parte portuguesa construiria uma nova ponte rodoviária a jusante da Ponte da Ajuda  (recuperando a antiga ligação Elvas-Olivença), ficando os espanhóis encarregues de "recuperar" para fins turístico-culturais a velha Ponte da Ajuda. Como se sabe, a nova ponte acabaria por ser construída pela parte portuguesa, mas por razões diplomáticas, o dono da obra seria a Câmara Municipal de Elvas e não o Estado português. Quanto à "recuperação" da Ponte Antiga, as obras viriam a limitar-se à margem oliventina, não apenas pelos problemas fronteiriços mas também pela natureza do projecto espanhol, inaceitável à luz das metodologias actuais de intervenção patrimonial. (Concebido por um conhecido engenheiro de estradas espanhol, entretanto já falecido à época, o projecto previa a "reconstrução das partes derrocadas, em betão armado", ainda que recuperando a presumível forma original. O aspecto final seria obtido pelo revestimento com "lajes de pedra" da estrutura. A parte recuperada na margem espanhola, obedeceu a este critério.)

Num Memorando síntese que preparei em 2006, se registam as principais etapes do processo "Ponte da Ajuda", no início do Século XXI:


MEMORANDO
(2000-2004)


12.01.2000-  Reunião entre o IEP (Instituto de Estradas de Portugal)  e a Direcção Geral de Carreteras (Espanha)- a par de decisões sobre a construção da nova ponte rodoviária da Ajuda, foi acordado que a Espanha, desenvolveria as necessárias deligências, em coordenação com os respectivos Ministérios da Cultura, procedendo à recuperação para uso cultural da Ponte Antiga.

18.05.2001 – através de ofício, o ICOR solicita ao IPPAR parecer sobre o “Projecto de Reconstrução e Reabilitação da Ponte Antiga da Ajuda para Usos Pedonais e Turísticos”

13.07.2001 -  Parecer negativo do IPPAR sobre aquele projecto

23.07.2001 – impedido de transmitir o respectivo parecer à parte espanhola, face a “providência cautelar”, interposta pelos “Amigos de Olivença”, o IPPAR, através de ofícios dirigidos ao Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura (17.07 e 23.07.2001) faz seguir para o Ministério dos Negócios Estrangeiros (cf. despacho do Ministro da Cultura sobre o ofício de 17.07.2001) cópia do parecer negativo.

22.01.2003- 1ª informação do signatário dando conta de rumores sobre o próximo início de obras (05/DRE/2003)

25.02.2003-  2ª informação sobre o mesmo assunto ( 27/DRE/2003), propondo o pedido de informações à C.M.de Elvas e à CCRA

10. 03. 2003- 3ª informação do signatário (31/DRE/2003) verificando-se o início de obras na margem esquerda (Olivença) e a instalação de estaleiro na margem direita (Elvas) propõe-se que o assunto seja levado à consideração urgente do MNE português através do Gabinete do Ministro da Cultura

12. 03. 2003- ofício do Grupo dos Amigos de Olivença denunciando a instalação do estaleiro e o próximo início de obras

17. 03. 2003- resposta do Presidente do IPPAR (Dr.Luis Calado) ao GAO, informando que o assunto já fora levado à consideração do MNE.

15. 05. 2003- Memorando do signatário na sequência de deslocação à Ponte da Ajuda com o Eng.ª Cunha (DRE_IPPAR) em 8 de Maio e de reunião técnica no Palácio da Ajuda entre o IPPAR (Vice-Presidente, Arqto Passos Leite e Directora DRE) e ICN (Directaora do Parque Natural da Serra de S.Mamede e Dr. Pedro Arriegas). O Vice-Presidente do IPPAR informa de uma reunião técnica realizada no MNE (INAG, EDIA, IPPAR, ICN e C.M.Elvas). Objectivo:reunir as condicionantes técnicas, limitadas ao IPPAR e ICN a impôr às autoridades espanholas para revisão do projecto. O memorando foi remetido  em 16.05.2003ao MNE, que preparava já então uma reunião técnica luso-espanhola sobre o assunto. 

2.06.2003 – 4ª informação do signatário, (62/DRE/2003): apesar de não haver vestígios de qualquer actuação na estrutura da ponte da margem direita (Elvas) ou nos pilares isolados do meio do leito, verificava-se o desenvolvimento do projecto de reconstrução (sem qualquer limitação ou constrangimento) no sector Oliventino da Ponte, em pleno cumprimento do “Projecto” original “reprovado pelo IPPAR”.

3. 06. 2003- o Vice-presidente do IPPAR (Arqto Passos Leite) informa a DREvora do IPPAR de que o MNE está a par do que se passa na Ponte da Ajuda e que em breve, por iniciativa do MNE será marcada uma reunião técnica Luso-espanhola que, pela parte portuguesa deverá ser articulada com a DRE do IPPAR e o Parque Natural da Serra de S. Mamede.

6.06. 2003- na sequência de contactos com o MNE, a Directora Regional de Évora solicita à Presidência do IPPAR a reserva de uma sala do Palácio da Ajuda para a reunião Luso-espanhola, agendada pelo MNE para 11 de Junho. O assunto é já despachado pela nova Vice-Presidente (Dra Rosa Amora) que concorda desde que reunida a condição “sine qua non” exigida pela parte portuguesa para realizar a reunião, ou seja a “suspensão das obras”

A reunião Luso-espanhola acabaria por ter lugar apenas em 1 de Julho de 2003, existindo no processo dois memorandos sobre a mesma:

            1- Ministério dos N.E. de 2 de Julho da responsabilidade do Embaixador  J.F.Costa Pereira
            2- Da DRE IPPAR, de 3 de Julho, assinado pelo signatário.

No essencial ficou então acordado:

            - redução ao mínimo das obras na margem Oliventina que em caso algum seriam alargadas à margem de Elvas;
            -  revisão e alteração do projecto pela Direção Geral de Carreteras, de modo a responder às preocupações da parte Portuguesa (IPPAR e ICN)
            - a parte portuguesa prepararia lista de condicionantes técnicas  (IPPAR e ICN) que foram remetidas oficialmente à parte espanhola em 10 de Julho de 2003 (ver Documento Técnico de Maio de 2003, também aqui transcrito)
            - a retoma das obras ficaria dependente da aprovação pelo IPPAR e ICN da revisão do projecto.


NOTA FINAL: aparentemente a parte espanhola acabaria por abandonar totalmente o projecto original, rescindindo a empreitada que estava em curso e desmontando completamente todo o estaleiro e apresentando um novo projecto às autoridades portuguesas (estudo prévio) em meados de 2004, estudo que também viria a ser rejeitado pelo IPPAR.


Évora, 29 de Novembro de 2006




DOCUMENTO TÉCNICO DE MAIO 2003 IPPAR/ICN*



Ponte da Ajuda (Elvas)


Condicionantes de ordem patrimonial para a apreciação do


“Proyecto de Reconstruccion  e Rehabilitacion del Puente Antiguo de Ajuda para usos peatonales y turisticos”

(Ministerio de Fomento, Secretaria de Estado de Infraestruturas y Transportes, Dirección General de Carreteras)




A- Patrimonio Cultural (documento - IPPAR)



1. Protecção legal e classificação


O imóvel “Ponte da Ajuda”, constituído pelas ruínas de uma ponte antiga (Século XVI) sobre o Guadiana, congrega na sua presente situação um conjunto de valores (arquitectónicos, tecnológicos, arqueológicos, históricos, simbólicos, paisagísticos, etc...) cujo reconhecimento justificaram a sua oportuna protecção legal enquanto “imóvel de interesse público” através de acto legislativo próprio: Decreto 47508 de 24.01.1967; com efeito nos termos da legislação portuguesa (Lei 107/2001-Lei de Bases do Património Cultural Português) a protecção legal dos bens culturais assenta na classificação, (Artº16) e “Entende-se por classificação o acto final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural”- (Artº18).


Nota: de facto, são as “ruínas (arqueológicas) da Ponte da Ajuda” e o respectivo ambiente paisagístico e contexto histórico que são objecto de classificação e protecção legal, não a “ponte original” (antes de mais porque aquela já não existe mas também porque, no processo de sucessivas reconstruções/reabilitações, houve afinal “diferentes” pontes). Esta situação, confere desde logo uma especial relevância arqueológica, paisagística e histórica ao objecto da classificação, relevância que (quer nas intenções quer nas soluções) é radical e definitivamente posta em causa pelo projecto do “Ministerio do Fomento”



2. Projectos, obras e intervenções versus respeito pela “autenticidade”


A referida lei de bases, através do artº45 especifica concretamente a possibilidade de realização nos imóveis classificados de “obras de conservação, modificação, reintegração e restauro”. Ainda que não definindo concretamente o que se entende por cada um daqueles items, a lei é bastante restritiva e cuidadosa neste domínio específico ao remeter no mesmo articulado para a obrigatória responsabilização de técnicos qualificados em caso de intervenções (nº1, do Artº45), para a exigência de um adequado enquadramento técnico e histórico das mesmas (nº2 e 4) e, acima de tudo, para a indispensabilidade do parecer prévio sobre os respectivos estudos e projectos de intervenção por parte dos organismos competentes para determinar a classificação (nº3); depreende-se deste posicionamento extremamente cauteloso da lei que quaisquer obras, ainda que possíveis e muitas vezes necessárias para a preservação do próprio bem protegido, devem ser sempre realizadas de forma a não comprometerem o conjunto dos valores reconhecidos que fundamentaram afinal a decisão da protecção legal.

Ainda que tal não seja expresso, subentende-se neste posicionamento da Lei portuguesa, a defesa da “autenticidade” dos bens culturais, um valor cada vez mais tido em conta internacionalmente nos critérios de classificação, nomeadamente pela UNESCO e organismos associados como o ICCROM ou o ICOMOS, na selecção de bens a integrar a Lista do Património Mundial. Ainda que a noção de “autenticidade” possa variar de cultura para cultura (tal como expresso pelo Documento de Nara, 1994), há quesitos básicos, quase do senso comum, para definir o que é “autêntico” e que, como é notório, são completamente ignorados num projecto que se propõe reconstruir em “betão armado” mais de 50% do monumento em causa: “Dependendo da natureza do monumento ou do sítio e do seu contexto cultural, o julgamento sobre a autenticidade é ligado a fontes de informação variadas. Estas últimas compreendem concepção e forma, materiais e substancia, uso e função, tradição e técnicas, situação e localização, espírito e expressão, estado original e devir histórico (...)” Artº13 do Documento de Nara sobre a Autenticidade.


a) conceito de “conservação”

A conservação funda-se sobre o respeito da matéria, dos usos, das associações e dos significados existentes. Ela requer prudência que consiste em mudar apenas aquilo que é necessário e o menos possível.” (Artº3.1. da Carta de Burra)[1]; “As modificações de um lugar ou de um bem patrimonial não devem alterar a evidência física que este constitui nem assentar em conjecturas ou suposições” (Artº3.2); “As técnicas e materiais tradicionais constituem recursos preferenciais em conservação. Em certas circunstâncias e sob certas condições, a utilização de técnicas e materiais modernos que possam oferecer evidentes vantagens em termos de conservação, poderão ser ensaiadas.”


b) conceito de “restauro”

- segundo a Carta de Veneza (1964), “O restauro é uma operação que deve manter um carácter excepcional. Ela tem por objectivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e funda-se no respeito da matéria antiga e de documentos autênticos. Ele (restauro) deve parar onde começa a hipótese ...”  Ainda na mesma carta de Veneza mas referindo-se especificamente às “ruínas arqueológicas” (em cuja definição cabe até certo ponto, o imóvel em causa), acrescenta-se no Artº 15- “(...) Todo o trabalho de reconstrução deve ser excluído à priori e apenas a “anastilose” deve ser realizada, ou seja a recomposição de partes existentes mas desmembradas”.


- segundo a carta de Burra (Artº1.7.), “O restauro consiste em reconduzir a matéria existente de um sítio ou bem cultural a um estado anterior conhecido, removendo acrescentos ou recompondo elementos pré-existentes sem recurso a material novo”. (Artº19 e 20); acrescenta-se ainda “O restauro adequa-se a situações em que existem em número suficiente testemunhos materiais do estado físico anterior


c) conceito de “reconstrução”:

- segundo a Carta de Burra (Artº 20), “A reconstrução convém unicamente às situações em que o bem patrimonial está incompleto na sequência de uma destruição súbita ou de uma modificação e desde que existam dados suficientes para reproduzir as partes desaparecidas. Apenas em casos raros a reconstrução pode constituir uma opção como expressão de um uso ou de uma prática que mantém o valor cultural de um lugar ou de um bem patrimonial”;

- por outro lado segundo a Carta Europeia do Património Arquitectónico (1975)- Artº 6 (...) A tecnologia contemporânea, mal aplicada, afecta as estruturas antigas. Os restauros abusivos são nefastos(...);


Nota: o projecto do Ministerio do Fomento assume-se como “projecto de reconstrução e reabilitação” funcional, justificado pelo interesse social (turístico e cultural) em recuperar o uso original do bem em causa; no entanto ao pretender valorizar uma mais valia específica, a solução técnica proposta prejudica ou anula definitivamente (sem hipótese de reversibilidade, um princípio fundamental do “restauro”) outras valias bem mais importantes do ponto de vista cultural, a começar pela da própria “autenticidade”.

Acresce ainda que parte do valor social que decorreria da “reconstrução” (travessia pedonal do Rio) se pode já fazer na nova ponte construída a juzante. Por outro lado verifica-se que a valorização turística do monumento pode ser afinal conseguida com soluções menos invasoras das estruturas antigas e que, além disso, possam ser compatíveis com a protecção do “habitat” da espécie ameaçada do Narcissus Canavillesii o que obviamente não acontece com a solução proposta.


3. Estado das ruínas da Ponte da Ajuda e efeitos do Regolfo; condicionalismos a ter em conta numa necessária intervenção de “conservação/valorização”


Apesar das graves objecções de ordem técnica e teórica que nos coloca o projecto do Ministerio do Fomento,(que se inferem do alinhamento de conceitos e comentários acima expressos) não podemos deixar de reconhecer que o mesmo, ao nível das intenções, visa afinal objectivos legítimos de conservação e valorização patrimonial que estavam certamente subjacentes às conclusões da reunião de 12 de Janeiro de 2000 realizada entre o Instituto de Estradas de Portugal e a Direccion General de Carreteras.

No entanto, parece óbvio, que em face da situação concreta deste monumento e dos actuais critérios de intervenção patrimonial recomendados internacionalmente, a solução técnica preconizada no projecto do Ministerio do Fomento não parece aceitável, pelo menos na sua globalidade. Por outro lado, a já referida presença no tabuleiro da própria ponte (margem Direita, Elvas) de uma espécie botânica ameaçada e protegida  pela Directiva 92/43 CEE do Conselho (Directiva Habitats) vem reforçar ainda mais e de forma definitiva tal conclusão.


Estamos pois, perante um dilema complexo que necessita de uma resposta adequada.



Como tornar compatível?


a) a necessidade de conservação/ consolidação das ruínas arquitectónicas, face ao seu avançado estado de degradação (nalguns casos ameaçando ruptura) e face ás alterações que irão ser introduzidas no regime fluvial da zona pelo “regolfo de Alqueva”

b) o interesse social da valorização turístico/cultural do monumento colocando a respectiva fruição ao serviço do enriquecimento cultural das populações e dos visitantes;

c) o respeito dos princípios internacionalmente aceites da salvaguarda patrimonial, nomeadamente no que respeita à garantia da “autenticidade” formal e material das estruturas conservadas;

d) a salvaguarda das condições de “habitat” da espécie protegida existente no “tabuleiro” da Ponte da Ajuda (Narcissus Canavillesii);





A resposta técnica que nos parece mais adequada:



a) Conservação/consolidação com respeito pelos princípios da “autenticidade” do bem cultural em causa:


- a criação de condições de conservação, assegurando a consolidação dos pilares, incluindo o que resta dos 5 centrais, parcialmente destruídos, e sobretudo, a estabilidade dos 12 arcos ainda conservados (8-Elvas e 4-Olivença),é indispensável à salvaguarda e preservação do monumento na sua situação actual e, por consequência, à sobrevivência da espécie botânica que nele encontrou “habitat”; uma intervenção de “consolidação” e “restauro” é por isso não apenas legítima como necessária:

- “pilares” e “talha-mares”: sendo as estruturas que irão sofrer directamente com as alterações de “cota” e de regime fluvial, justifica-se uma intervenção mais intensa, quer ao nível da “consolidação” quer mesmo do “restauro”, visando como objectivo garantir a estabilidade futura do monumento; entende-se aqui por “restauro” o preenchimento de lacunas internas que já se verificam no “miolo” de alguns pilares, a reposição de silhares deslocados ou mesmo a inclusão de “silhares” novos, do mesmo material, onde estes faltam ; justifica-se igualmente, quer por razões de conservação quer de valorização estética, a “reconstrução” parcial (recorrendo a “silhares” novos) dos 5 pilares centrais já parcialmente derrocados, de modo a evitar a respectiva submersão em situação de cota máxima da Barragem (152).

- “arcos”- garantida a estabilidade dos respectivos pilares de suporte, a intervenção nos arcos, nomeadamente no seu extra-dorso, deve pautar-se essencialmente por objectivos de conservação, consolidação e estabilização; neste caso deverá ter-se em conta a necessidade de respeitar as técnicas construtivas e materiais originais no sentido de não alterar significativamente as condições actuais de equilíbrio da estrutura que garante o habitat do “Narcissus”; pelo mesmo motivo, a remoção de outra vegetação infestante, a fazer-se, deverá ser rigorosamente avaliada e condicionada por critérios científicos;

- “tabuleiro”- em particular no sector “Elvas”, a intervenção está à priori fortemente condicionada por razões de conservação do “Narcissus”, quer nos objectivos quer nas metodologias de execução; tal não justifica que, pontualmente, não haja necessidade de alguma consolidação e por vezes, mesmo de restauro (como é o caso do grande “rombo” existente entre os pilares 12 e 13; no entanto tais intervenções, para além de cuidadosamente planeadas e avaliadas em todas as consequências, necessitam de uma execução extremamente cuidada;

NOTA: as medidas sugeridas de conservação/ consolidação vão em grande parte ao encontro da chamada 1ª fase do projecto do Ministerio de Fomento, com as devidas condicionantes e adaptações quer no que respeita a “limpeza de vegetação”, quer na escolha dos materiais e metodologias de “restauro” quer ainda no do “nivelamento e reconstrução dos pilares semiderrubados”.


b) valorização turístico/cultural ambientalmente integrada


- a reabilitação do uso original (embora restringido a peões) representa na proposta do Ministerio do Fomento o elemento fundamental do projecto de valorização; apesar do seu inegável interesse, a prossecução daquele objectivo mostra-se contudo drasticamente incompatível com os princípios da conservação quer do bem cultural que se pretende valorizar quer com a protecção de um bem natural ameaçado (Narcissus); importa pois, neste campo, encontrar soluções alternativas que sejam compatíveis com a globalidade dos interesses e valores em presença e que ainda assim permitam uma aproximação e fruição turística ao monumento, a partir das duas margens;

- essas soluções deverão, no entanto, ter em conta não apenas as condicionantes de ordem patrimonial já referidas, mas igualmente as circunstancias próprias de atractividade tradicional do local, recentemente reforçadas com a recuperação da Capela de Nª Sª da Ajuda, a melhoria dos acessos e a construção da nova ponte rodoviária a jusante da Ponte antiga; a procura deste local será certamente, muito potenciada num futuro breve com os efeitos directos e indirectos que o Regolfo de Alqueva terão sobre o turismo da região;

- por outro lado, tendo em conta que grande parte do valor e interesse monumental das ruínas da Ponte da Ajuda decorrem sem dúvida da sua especial integração paisagística e ambiental, a solução para a respectiva valorização e fruição turística deverá obrigatoriamente integrar-se num plano de valorização mais abrangente que tenha em conta essa situação e que seja extensível a ambas as margens com ou sem ligação “pedonal” directa;




B- Patrimonio  Natural (documento - ICN)





Situação de referência

O Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López é um geófito, com floração outonal (Outubro e Novembro) e pertence à família das Amaryllidaceae. É um endemismo ibero-mauritânico, ocorrendo sobretudo no sudoeste de Espanha (Extremadura e Andaluzia) e escassamente no sudeste de Portugal (Alentejo, margem do Rio Guadiana) e noroeste de África (Argélia e Marrocos) (Valdes et al., 1987).

Ocupa solos areno-argilosos das zonas baixas do leito de cheia, entre rochas xistosas ou em pequenas caleiras de tufos de tamujo (Securinega tinctoria).

Em Portugal encontra-se em perigo de extinção, tendo a sua população um reduzido número de efectivos, circunscritos a uma área muito restrita.

Desde 1976, e até recentemente, apenas a população da zona da Nossa Sra. da Ajuda (159 msm.), concelho de Elvas, era conhecida, contendo um núcleo principal de cerca de 300 m2, com uma elevada densidade de indivíduos – entre 12000 e 15000 –, localizado no tabuleiro da Ponte da Nossa Sra. da Ajuda, sobre solo esquelético para aí transportado (por acção natural ou antrópica) e outro núcleo de cerca de 6 m2, de aproximadamente 2000 indivíduos), no solo, a sul da referida Ponte.

Contudo, em 2000, durante os trabalhos de biologia promovidos pela EDIA e executados por uma equipa do Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa no âmbito do projecto de monitorização de plantas prioritárias, foi descoberta mais a Sul outra população, com cerca de 1200 indivíduos – Herdade da Defesa (127 msm.), Montes Juntos, concelho do Alandroal –, ironicamente numa localização a ser submersa pelo enchimento da albufeira. Assim das duas populações conhecidas, uma foi sujeita a uma acção de translocação, cujo sucesso está por aferir.

Regimes de protecção

O Narcissus cavanillesii está, sob a sinonímia Narcissus humilis (Cav.) Traub., incluído nos Anexos II (espécies de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação) e IV (espécies de interesse comunitário que exigem protecção rigorosa) da Directiva Habitats (92/43/CEE), transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei  nº 140/99, de 24 de Abril.

A área de ocorrência está inserida no Sítio Classificado da Lista Nacional Guadiana/Juromenha (código PTCON0032), área designada através da Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de Agosto, a integrar a Rede Ecológica Europeia, conhecida como Natura 2000.

Encontra-se em preparação pela EDIA, no âmbito do Plano de Ordenamento das Albufeiras de Alqueva e Pedrogão, um Plano de Pormenor para a área circundante à Capela da Nossa Sra. da Ajuda. Este Plano que pretende ordenar a zona em referência, terá obrigatoriamente em consideração a existência do Narcissus humilis, a proximidade à Ponte da Ajuda e o previsível incremento da afluência das populações (sobretudo locais) ao local, sobretudo face ao espelho de água criado pelo enchimento da albufeira.

Ameaças à conservação

De acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) esta espécie deverá ser classificada como em Perigo Crítico (CR) em Portugal, visto que se não forem tomadas medidas activas para a sua conservação é esperada a extinçõa de cerca de 80% dos seus efectivos populacionais (Rosselló-Graell, A., Draper, D., Correia, A.I.D. e Iriondo, J. M. 2002).

Neste momento a degradação da área de ocorrência é a principal ameaça à sua conservação. Encontrando-se ambas as populações sob influência da albufeira do Alqueva (com enchimento previsto para uma cota máxima de 152 msm., eventualmente de 154 msm. e média de 147.5 msm.), tendo a sua localização mais a Sul – Montes Juntos (127msm.) – sido submersa pelo enchimento da albufeira do Alqueva, assume ainda mais importância a não perturbação da população restante (a 159 msm.) por eventuais obras de recuperação da Ponte de Nossa Sra. da Ajuda e pelos expectáveis impactes provenientes da proximidade ao regolfo da albufeira do Alqueva, nomeadamente face ao previsto incremento da influência antrópica.

Estudos efectuados

A espécie foi alvo de estudo pelo Professor Carlos Pinto Gomes (Universidade de Évora), no âmbito do projecto “Distribuição Geográfica e Estatuto de Ameaça das Espécies da Flora a Proteger”, co-financiado pelo fundo comunitário LIFE e pelo ICN, entre 1994 e 1996.

Tem também, desde há vários anos, sido estudado em profundidade por uma equipa (dirigida por Antónia Rosselló-Graell e David Draper) do Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa, no âmbito dos trabalhos relacionados com a minimização dos impactes resultantes do empreendimento hidroeléctrico do Alqueva.

O Narcissus cavanillesii é potencialmente a espécie mais afectada pelo enchimento da albufeira de Alqueva. Trata-se do único caso, de entre todo o património natural presente na região, em que uma ausência de acções de conservação poderia efectivamente comprometer a sobrevivência da espécie em Portugal. A EDIA, em conjunto com o Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa e o Departamento de Geociências da Universidade de Évora, iniciou em 2001, como mitigação dos impactes causados pelo empreendimento hidroeléctrico do Alqueva, o processo de translocação da população de Montes Juntos, área a inundar, para uma nova área susceptível para a espécie, a uma cota superior.
É importante referir que a translocação de espécies raras, ameaçadas ou em perigo, como medida de minimização, é um tópico controverso no âmbito da conservação de plantas controversa, devendo por isso ser entendida como um último recurso. A população translocada será agora monitorizada durante vários anos, podendo acções correctivas serem executadas se necessário (Rosselló-Graell, A., Draper, D., Correia, A.I.D. e Iriondo, J. M. 2002).

Reconstrução da Ponte da Nossa Senhora da Ajuda

Considerando que a principal população da espécie Narcissus cavanillesii, em Portugal, se encontra precisamente sobre o tabuleiro da Ponte da Nossa Senhora da Ajuda e que o núcleo vizinho, embora fora do monumento, se encontra em zona de influência de uma obra de reconstrução e que a obra decorre no Sítio Classificado Guadiana/Juromenha (PTCON0032) constante da Lista Nacional de Sítios (Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de Agosto),

atendendo que o Instituto de Conservação da Natureza não teve conhecimento oficial do início desta obra e que não lhe foi  solicitada a emissão do parecer necessário (ao abrigo do Dec.-Lei nº 140/99 de 24 de Abril),

tendo em conta que a outro localização conhecida desta espécie foi submersa pelo enchimento da albufeira do Empreendimento do Alqueva, tendo a população sido alvo de uma operação de resgate cujo sucesso está por aferir, e

tomando nota do projecto de construção em execução, do seu impacte destrutivo de extrema magnitude sobre a espécie em causa, da inexistência de medidas de minimização consentâneas e da incapacidade de reposição da situação anterior,

tendo o Parque Natural da Serra de S. Mamede constantado, no âmbito das suas frequentes acções de vigilância (em conjugação com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, ex-Direcção Regional do Ordenamento do Território), que não ocorreu a suspensão dos trabalhos,

manifesta-se a opinião que a não serem tomadas medidas preventivas, com carácter de urgência, que impossibilitem a continuação do avanço das obras nos actuais moldes, acontecerá a destruição do habitat da espécie e a sua consequente extinção, no seu habitat, em Portugal.

Solicitou o Ministério dos Negócios Estrangeiros ao ICN (em reunião, a 7 de Abril de 2003) que este não activasse um embargo administrativo, advogando a conveniência de uma solução diplomática. Embora considere que esta seria a solução desejável, o ICN entende que, dado o contínuo avanço das obras, quanto mais tempo se protelar esta solução, mais perto se estará da necessidade de proceder a um embargo evitando impactes irremediáveis. O ICN, não podendo permitir a que as obras avancem para o tabuleiro da Ponte ou sua vizinhança na margem direita do Guadiana, reserva-se ao direito de agir consoante as suas competências.

Em reunião com o Instituto Português do Património Arquitectónico foram analisadas as consequências que o enchimento da albufeira do Alqueva terá no monumento, tendo-se verificado que o regolfo à cota média de 147.5 deixará a descoberto as ruínas dos pilares centrais da ponte (que ficarão submersos à cota de 152) e que à cota de 154 não será submerso o tabuleiro.

Se devido à presença contínua de água na base da Ponte, se entender como necessária alguma consolidação do monumento esta deverá ser feita sem que o tabuleiro da ponte seja perturbado.

Os obras de consolidação nos muretes, paredes, partes inferiores dos arcos e pilares não constituirão preocupação, desde que salvaguardado o pisoteio ou qualquer outro impacte sobre o tabuleiro.

Deve ser levada em consideração o facto de uma impermeabilização lateral poder tornar a ponte num depositório de água da chuva, não só fazendo perigar a estabilidade do monumento e por consequência o tabuleiro, como alterando as condições ecológicas no tabuleiro.

A regularização do solo (montíclos ou depressões) existente sobre o tabuleiro da Ponte terá um significativo impacte negativo sobre a população de Narcissus pelo que é uma acção inviável.

Também a pouca profundidade do solo despositado sobre o tabuleiro da ponte inviabiliza possíveis acções de eliminação do estrato herbáceo existente no tabuleiro da Ponte. Os cortes da azinheira e da figueira enraizadas na Ponte, com posterior injecção de fitoquímicos, podem ser efectuados, mas somente desde que não seja tentado o desenraizamento.

Atendendo a que o pequeno núcleo de Narcissus que ocorre no solo, na vizinhança da Ponte, não será submerso pela albufeira do Alqueva, continuando por isso viável, deve de igual modo ser poupado a qualquer tipo de perturbação.

Para além de um incumprimento da Directiva 92/43/CEE, que conduzirá a inevitáveis sanções por parte da União Europeia, a extinção do Narcissus cavanillesii, ou N. humilis, com a irremediável delapidação do património biológico e genético nacional, obrigam a um extremo cuidado na execução de quaisquer acções que possam acarretar impactes negativos sobre a espécie.




*  Documentos que estiveram na base da redacção das “CONDICIONANTES E RECOMENDAÇÕES TÉCNICAS” remetidas pelas autoridades portuguesas ao MINISTERIO DE FOMENTO em 9 de Julho de 2003 , na sequência da reunião Luso-espanhola de 1 de Julho de 2003 (Lisboa, Palácio Nacional da Ajuda)
[1] Seguimos aqui as definições propostas na chamada Carta de Burra, Carta do ICOMOS Austrália para a conservação de sítios e bens patrimoniais de valor cultural



No dia 2 de Outubro de 2008 fui protagonista de um dos últimos actos formais no âmbito desta tragico-comédia fronteiriça em torno das esquecidas ruínas da Ponte da Ajuda.

Por indicação expressa do Ministério da Cultura português e a solicitação do MNE, desloquei-me de urgência a Madrid, onde deveria representar as autoridades portuguesas em reunião a ter lugar no Ministério das Obras Públicas y Vivienda (talvez não fosse esse o exacto nome do Ministério, pois lá como cá, tudo tem mudado à velocidade da luz neste âmbito) para apreciar uma nova  proposta de de um projecto de recuperação da Ponte, encomendado pelas autoridades espanholas à luz do parecer do IPPAR de que eu fora co-autor. Tendo sido designado quase de véspera para aquele efeito, consegui ainda assim lugar no primeiro voo para Madrid, onde cheguei bastante cedo nesse dia 2 de Outubro, de tal modo que por volta das 9 horas locais (8 de Lisboa) estava já a sair da estação de Metro "Ministérios".  Recebido por um contínuo, alguns minutos antes da hora aprazada para a reunião, fui conduzido a uma enorme sala de reuniões vazia que recordo através da foto que então tirei. Ali sob o "olhar" do Rei Juan Carlos numa parede, um enorme mapa da Ibéria (sem fronteira) noutra e ainda uma gigantesca planta de época, dos Palácios Reais de Aranjuez, aguardei impacientemente quase toda a manhã na mais absoluta solidão e ignorâqncia sobre o que se estava apassar. A certa altura, já desesperado pela espera, um arquitecto que conhecera de outras reuniões, desceu para me informar do que estava a acontecer. A senhora Directora Geral só nesse mesmo dia, em reunião preparatória com os autores, tivera oportunidade de ver o projecto de engenharia encomendado pelos serviços e este revelava-se de tal maneira desadequado face às condicionantes patrimoniais em causa que decidira desde logo rejeitá-lo. Em todo o caso e como naturalmente seria imperioso que me fosse dada uma qualquer explicação, grande parte da manhã, enquanto "Don Juan Carlos" olhava para mim, fora ocupada a negociar as soluções administrativas mais adequadas com vista à reformulação completa do rejeitado projecto. Perto da hora do almoço despacharam-me finalmente com a promessa de que oportunamente reuniriamos, talvez em Elvas, para finalmente apreciar um novo projecto para a urgente recuperação da Ponte Histórica da Ajuda.
Até hoje, nunca mais tive notícias desse projecto...


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