quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Perdigões- as origens de um projecto de arqueologia exemplar

O Povoado pré-histórico dos Perdigões: sobreposição à fotografia aérea dos resultados dos levantamentos geofísicos 


Por razões profissionais (dar continuidade a um processo de classificação que se arrasta inexplicavelmente há mais de uma década), tive necessidade revisitar em Agosto passado o povoado dos Perdigões, Reguengos de Monsaraz (em plena 18ª campanha de escavações) e de reler a primeira notícia publicada sobre aquele povoado, precisamente o relatório da 1ª campanha: Lago, et alii “Povoado dos Perdigões (Reguengos de Monsaraz) Dados preliminares dos trabalhos arqueológicos realizados em 1997”, RPA, v.1, nº1, pp 45-152. Por motivos compreensíveis no contexto da época, aquele importante e extenso texto, não se alarga muito em considerações sobre as circunstâncias que rodearam a associação dos autores a este importante sítio arqueológico, alguns dos quais, como o António Valera, continuam desde então, ininterruptamente, a estudá-lo. É referido que o povoado fora identificado em 1983 por Francisco Serpa, na altura colaborador de Mário Varela Gomes em diversos trabalhos deste em Reguengos mas que fora uma intensa ripagem e surriba para plantação de vinha promovida em 1996 pela entidade proprietária (FINAGRA,SA) que revelara a sua excepcional dimensão e importância. Mais adiante percebe-se que, por imposição da Direção Regional de Évora do IPPAR, interrompida a surriba, a FINAGRA terá procedido através de concurso ou consulta, à seleção de um responsável científico para dirigir trabalhos de caracterização do sítio, tendo sido selecionado como coordenador científico do projecto, o arqueólogo Miguel Lago da Silva que, com João Albergaria, Pedro Braga e Henrique Pestana, fundaria em 1997 a empresa ERA, Arqueologia Lda, entidade empresarial que ainda hoje enquadra a investigação realizada neste sítio. Obviamente o artigo é omisso sobre as movimentações então havidas de outros potenciais candidatos ao projecto, nomeadamente universitários, que por este ou por aquele motivo, incluindo alegada "prioridade científica", se consideravam mais qualificados para assumirem aquele estudo . Os resultados obtidos, e divulgados regularmente ao fim de quase duas décadas e a excelente relação mantida quer com as tutelas oficiais, quer com as entidades proprietárias (actualmente Herdade do Esporão), acabaram por provar que a escolha de 97 foi a mais acertada. Apenas nalgumas entrelinhas do citado artigo aparecem alguns indícios da conflitualidade que acompanhou o nascer doeste projecto, nomeadamente quando são referidas várias “recolhas indiscriminadas de materiais arqueológicos” que distorceram os estudos de distribuição em superfície promovidos após a adjudicação dos trabalhos. Vale a pena, a este propósito, transcrever a totalidade da nota 6 (pg.52, do artigo ditado) e já agora completar o seu conteúdo, a bem da verdade dos factos: “A equipa da EDIA que procedia a prospecções no âmbito dos trabalhos relacionados com o Alqueva, confirmou-nos que as recolhas efectuadas incidiram sobretudo na área central do povoado, o que nos permitiu concluir que a nossa análise estava correcta. Ao Dr. António Carlos Silva e à sua equipa agradecemos a entrega do material recolhido.” De facto, algures nos finais de 1996 a equipa de campo que então comigo colaborava no Alqueva (José Perdigão, Paulo Tátá e Manuel Pisco), realizou trabalhos de prospecção nos traçados previstos para a melhoria das acessibilidades na zona de influencia do Alqueva, nomeadamente entre São Manços, Reguengos e Mourão. Concretamente, foi necessário avaliar os impactos de uma possível variante Norte a Reguengos (felizmente nunca concretizada) e foi nesse contexto que o Zé Perdigão, conhecendo bem os menires dos Perdigões e a referencia a um possível povoado anexo, deparou com a profunda surriba para alargamento da vinha já existente na Herdade. Não lhe foi difícil perceber, face à quantidade de materiais arqueológicos trazidos à superfície pelas máquinas (em especial cerâmicas quase inteiras, machados de pedra polida e demais indústria lítica) estar perante uma situação excepcional. Não deixando de recolher os materiais melhor conservados, numa perspectiva correcta da sua salvaguarda imediata, reportaram-me ainda nesse mesmo dia nos escritórios de Mourão a situação de verdadeira emergência detectada. Ciente da importância do achado e da gravidade da situação, caso os trabalhos agrícolas continuassem. passei a informação aos meus colegas da Direcção Regional de Évora do IPPAR, nomeadamente ao Rui Parreira. Contactada e sensibilizada a Administração da Finagra para a situação, os trabalhos foram interrompidos o que que permitiu o posterior desencadear de um processo de salvaguarda e estudo que, pese embora a gravidade daquele pecado original, tem sido verdadeiramente exemplar. Um último e importante detalhe. Entre os materiais que a equipa do Zé Perdigão me trouxe nessa já distante tarde de 1996 (e que posteriormente entregámos à equipa que se viria a ocupar do estudo do sítio, como é reconhecido na nota transcrita) estava já o célebre coelho em marfim (?) que continua a ser o “ex-libris” do projecto coordenado pelo António Valera.




O António Carlos Valera, o coordenador e a alma do projecto desde sempre, na campanha de 2015, (entrevistado pelo meu "vizinho" Paulo Nobre/RTP/RDP)






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