ALCALAR- um quarto de século depois...
Aproveitando umas curtas férias no Algarve, regressei a Alcalar, passando antes pelo premiado Museu de Portimão, que ainda não conhecia, apesar de ter visitado o seu espaço nos anos 80 quando era ainda apenas projecto. Inequivocamente, dois excelentes exemplos de salvaguarda, valorização e divulgação do património. Mas também, dois casos que comprovam que os projectos patrimoniais consistentes, dificilmente se podem encaixar nas actuais baias impostas pelas exclusivas fontes de financiamento disponíveis: os "fundos europeus". Com efeito, em ambas as situações estamos perante projectos que têm as suas origens nos anos oitenta do século passado e que tinham como substracto base, antes de mais, um forte empenhamento cívico, quer este resultasse da própria comunidade local (associações de defesa do património, município) quer de jovens serviços públicos ainda não esmagados pela voragem da ultra-burocracia (no caso, o Serviço Regional de Arqueologia do Sul, então sedeado em Évora e que apesar dos reduzidos meios humanos, técnicos e orçamentais estendia a sua acção também ao Algarve). Foi de facto a partir de 1987, no contexto da actividade do SRAZS que o meu colega Rui Parreira, iniciou os trabalhos de escavação e de conservação no monumento 7, com o apoio técnico do Carlos Beloto do Museu de Conimbriga, trabalhos que criaram as indispensáveis condições científicas para a grande intervenção de valorização realizada já no início deste século e financiada no âmbito do Programa dos Itinerários Arqueológicos do Alentejo e Algarve. De realçar o carácter minimalista do projecto de arquitectura do Centro Interpretativo, quer no programa quer na forma, respeitando a paisagem e o próprio monumento. Pena é que, apesar do minimalismo do programa, nem assim a Direcção Regional de Cultura do Algarve consiga actualmente os meios para garantir o seu funcionamento. Valeu no caso a alternativa do protocolo com o Museu (municipal) de Portimão, entidade que assegura actualmente a visita pública a Alcalar. Um exemplo a seguir perante a total demissão do Estado ao nível da gestão do imenso património que lhe está afecto por todo o país.
Dois apontamentos memorialistas apenas. No que respeita ao Museu de Portimão, referir que a Fábrica La Rose onde se situa o Museu e que recupera parte das suas infra-estruturas, era propriedade da família de uma colega do meu curso de História (1970-1975) na Faculdade de Letras, o António Feu. Apesar de alguma diferença de idade (era um pouco mais velho que a generalidade dos colegas) e de estatuto socio-económico, o António Feu, antigo campeão nacional de Basquetebol pelo Sporting, alinhava por inteiro na vida académica, tendo inclusive integrado a equipa de Basquet de Letras (onde também militei...) nos campeonatos universitários da época. Pese embora alguma dificuldade em congregar os mínimos necessários para formar equipa (normalmente treinávamos em conjunto com a equipa feminina, proporcionalmente muito mais forte), não faziamos má figura nos campeonatos de Lisboa, graças em grande parte à eficácia do Feu no remate ao cesto. O António Feu, viria mais tarde a ser um dos grandes impulsionadores do PRD (o partido promovido por Ramalho Eanes) tendo chegado a ser deputado pelo Algarve. Reencontrámo-nos há meia dúzia de anos num dos raros jantares de curso.
Quanto a Alcalar, esta revisita recordou-me um episódio em que não intervi mas que, por interpostas razões acabei por tomar conhecimento bastante mais tarde. Com efeito, intervindo como consultor num processo judicial relativo às indemnizações devidas pela expropriação da propriedade onde se situava o "Castelo da Lousa" (um assunto a que voltarei em próxima oportunidade dado o seu significado), pude apreciar a sentença proferida pouco tempo antes, no âmbito de processo judicial de contestação à expropriação dos terrenos onde se situava parte do monumento 7 de Alcalar. De facto quando nos anos 80 iniciámos trabalhos de arqueologia, reconhecemos que absurdamente uma parte do monumento (o corredor, em concreto) não integrava a propriedade adquirida décadas antes pela Direcção Geral do Património do Estado (Ministério das Finanças) por proposta dos Monumentos Nacionais. Dificuldades orçamentais, desacordo com os proprietários, ou simples deslize, faziam com que parte do monumento se situasse ainda em propriedade particular. Apesar disso o IPPAR avançaria com o projecto de valorização no final da década de 90, talvez convencido de que a aquisição da parcela que faltava, um terreno abandonado, fosse um assunto fácil. Feita a avaliação nos termos habituais, o avaliador teve apenas em consideração o valor comercial do terreno, ignorando a presença dos vestígios arqueológicos. Os proprietários não se conformaram e contestaram judicialmente a avaliação. Em tribunal, pese embora o princípio de que na expropriação deve apenas ser tido em conta o valor de mercado do bem a expropriar, o juiz acabou por considerar que as ruínas em causa, a acreditar pela adjectivação constante dos artigos arqueológicos citados sobre a necrópole de Alcalar, deveriam ser muito "valiosas" e como tal isso deveria ter reflexos no preço do terreno. Aliás jamais esquecerei o argumento usado pelo juiz na sentença favorável ao reclamente: "o Estado ao tentar comprar este terreno apenas pelo valor da terra sem ter em consideração o valor dos bens arqueológicos nele existentes, é como se quisesse comprar um quadro do Picasso avaliando apenas o valor da moldura" (cito de cor). Naturalmente, o juiz esquecia-se que Picasso, aqui ou em qualquer sítio do mundo, encontrará sempre comprador interessado. Duvido que o que restava das pedras do corredor do Monumento 7 de Alcalar, encontrassem compradores interessado que, mais a mais, ganhariam com isso a obrigação de "conservar e manter in situ" as ditas pedras. Apesar do absurdo da decisão, pressionado pelos prazos do projecto e porque afinal estávamos em "vacas gordas", o IPPAR não contestou a decisão e pagou várias vezes o preço real de mercado pela dita parcela...Naturalmente, o exemplo ficou e não tardou em ser utilizado por outros advogados quando a ocasião se proporcionou.
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O núcleo dedicado a Alcalar no Museu de Portimão. Apesar da qualidade da apresentação, esta precisaria de maior espaço e sobretudo de maior diferenciação em relação à restante exposição. |
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Trabalhos arqueológicos em Alcalar (1987) promovidos pelo SRAZ e dirigidos pelo Rui Parreira |
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Um pequeno mas suficiente centro informativo, muito bem integrado na paisagem envolvente
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Sinais da crise: a falta de renovação do " merchandising"... Uma circunstância comum a muitos outros sítios dependentes das Direcções Regionais de Cultura. |
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Infelizmente, os sinais de alguma falta de manutenção começam a evidenciar-se, logo à entrada... |
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