quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Roteiros megalíticos
 

Em passeio recente ao Fluviário de Mora (um exemplo de que afinal é possível ter ideias ambiciosas e concretizá-las no interior…) e ao contrário do que é habitual, resolvi seguir a Estrada Nacional nº2, uma antiga estrada que unia Faro a Chaves e que nesta zona do país ainda serve localidades e sítios que só por si são um verdadeiro roteiro histórico (Alcáçovas, Escoural, Montemor-o-Novo, S.Geraldes, Ciborro, Brotas, Mora, etc…). É certo que, apesar do bom estado geral do piso, há estrangulamentos inevitáveis, no atravessamento das povoações. Mas são uma excelente alternativa para quem não tenha pressa. Voltando à estrada os topónimos S.Geraldes e Ciborro não passam despercebidos aos arqueólogos mais familiarizados com a temática megalítica. Afinal atravessa-se um território que nos anos 30 e 40 do século passado representou uma verdadeira “coutada” de Manuel Heleno, o sucessor de Leite de Vasconcelos na direcção do Museu Etnológico, hoje Museu Nacional de Arqueologia, e onde se juntam as fronteiras de 4 concelhos, todos eles com vasto património megalítico. A começar por Montemor-o-Novo, mas entrando por Coruche, Arraiolos e finalmente Mora. Infelizmente, apesar das dezenas de antas ou dolmens então escavados por Heleno, em termos práticos, quer na perspectiva científica, quer na perspectiva patrimonial, pouco proveito estas terras tirariam daquela intensa actividade que terminava inevitavelmente, com mais uns caixotes de pedras e cacos, despachados por via férrea para os armazéns dos Jerónimos. Anos mais tarde, levantando suspeitas nos camponeses desconfiados com as notícias da guerra que lavrava pela Europa, um casal de alemães (Georg e Vera Leisner) voltou a passar por esta e outras regiões do Alentejo, mas estes pouco escavavam. Limitavam-se quase sempre a tirar alinhamentos e azimutes e a fazerem fotos e desenhos das antas que inventariavam sistematicamente, incluindo aquelas que já apenas constavam das memórias visuais dos mais velhos. No final dos anos sessenta, nos arredores de Évora e de Reguengos, numa região  estranha à coutada de Heleno (aí imperava o seu arquirrival Coronel Afonso do Paço, o presidente da Associação de Arqueólogos Portugueses) e onde começava a sonhar-se com o Turismo (Évora, a cidade Museu), a arqueologia e o megalitismo em particular começaram a surgir como elementos a ter em consideração nessa natural ambição. Embora datando já de 1975, merece referencia nesta lógica uma interessante brochura editada pela Junta Distrital de Évora, algo ingénua no seu grafismo, escrita pelo médico reguenguense Pires Gonçalves, sobre o megalitismo do distrito de Évora (“Roteiro de alguns megálitos da Região de Évora”). Resolvidos os problemas mais prementes das populações e graças aos movimentos locais de defesa do património apoiados num inequívoco desenvolvimento da investigação, o discurso patrimonialista passou a fazer parte da agenda política municipal, a partir dos anos 80. Naturalmente, nas zonas onde era reconhecida uma especial importância do fenómeno megalítico, surgiam as propostas e planos para a criação de “roteiros megalíticos”. Em Évora, por exemplo, a partir do momento em que foi possível (graças ao investimento da autarquia) criar no final dos anos 80 um acesso automóvel ao Cromeleque dos Almendres, surgiram sucessivas tentativas de alargar o interesse turístico a outros exemplos monumentais dos arredores da cidade. Da colaboração entre o antigo Serviço Regional de Arqueologia do Sul e a Câmara de Évora, seriam criadas em 1990/91 condições no terreno para o funcionamento de 3 circuitos megalíticos. A experiencia que coordenei merecerá um dia, um post mais desenvolvido neste Blog, até porque hoje quero voltar ao Ciborro, ou melhor, ao Monte da Água Doce (já em terras de Coruche) onde a tal EN2, antes de chegarmos a Brotas, atravessa uma pequena necrópole megalítica. (Esta proximidade entre as antas e as estradas nacionais ou municipais, felizmente, é mais comum do que se supõe o que, nalguns casos facilita a sua fruição mersmo por um público menos atento). Foi no entanto quase por mero acaso que reconheci as antas de Vale Beiró e do Caminho do Fanico. Parada a viatura em segurança, acabei por verificar a existência de painel informativo ali colocado pela Câmara de Coruche e que, pelo estado de conservação, deve ser recente. Sob o sugestivo título de “Caminhos de terra, construções de pedra”, são promovidos 4 percursos megalíticos no concelho. O seu potencial turístico, no entanto, é ilusório. Afinal, logo ao lado, o portão fechado e a placa de propriedade privada, impedem-nos de seguir caminho. Fica, no entanto, pelo menos o alerta para o reconhecimento da existência deste património, minorando a sua eventual perda com a habitual desculpa do desconhecimento.

O enclave megalítico de Coruche, afinal na continuidade das grandes necrópoles de Montemor-o-Novo e Mora. Junto ao Monte da Água Doce, os 3 monumentos visíveis da EN2


Este problema é real e comum a todas as regiões com importante património megalítico, frustrando tentativas legítimas mas por vezes algo amadoras, de valorização social deste importante património. Em minha opinião, apoiada em várias experiencias concretas que coordenei ou acompanhei,  importa sobretudo valorizar este património como elemento característico de certas paisagens, assinalando e melhorando as condições de visibilidade dos que, pelo seu posicionamento mantêm, pelo menos uma relação visual com as vias de comunicação ainda em uso. A criação de percursos mais especializados, envolvendo complicadas negociações com proprietários, não será impossível, mas dependerá da existência de "operadores" específicos que enquadrem no terreno os visitantes. E para isso, julgo não haver ainda mercado suficiente.
A Anta de Vale Beiró, fotografada a partir da EN2
A Anta Grande do Caminho da Fanica

A Anta Pequena do Caminho da Fanica






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